sábado, maio 20, 2006

O funcionamento de uma mente criminosa

Muitos se indagam acerca dos motivos que levam uma pessoa a seguir uma vida fora da lei. Dizem ser o fenômeno da violência oriundo de causas socioeconômicas, e que esses seguem essa vida apenas por não terem oportunidades. Vão além, afirmam que enquanto não houver uma distribuição de renda igualitária, a violência não cessará. Como tentarei mostrar adiante, isso não é verdade. Embora uma má distribuição de renda seja algo ruim em sua essência, esta longe de ser a maior causa da criminalidade. Dessa forma, a busca pela redução de infrações penais não justifica políticas sociais que visem alterar a distribuição de renda de maneira artificial, pois existem meios mais eficientes de obtê-la. Bom, vamos aos fatos.

Qualquer pessoa no momento de escolher sua carreira, inconscientemente ou não, faz uma análise de custo-benefício subjetiva, visando escolher a profissão que lhe traga mais ganhos. Para os que conhecem conceitos econômicos, ele vê de qual profissão derivará maior utilidade.

Para facilitar, vamos imaginar que possamos quantificar a satisfação que cada fato gera para as pessoas. Esse valor pode ser tanto positivo quanto negativo, dependendo se o fato agrada ou não o indivíduo. Estou consciente de que essa metodologia é falha, mas acredito que no caso seja adequada, pois visa apenas ilustrar e tornar inteligível algo puramente abstrato.

Assim, um indivíduo ao decidir qual carreira seguir, realizou, na verdade, uma análise cuidadosa de tudo, relacionado a carreira, que lhe soma e subtrai satisfação. Dessa forma, está levando em conta a expectativa de ganhos monetários, os sacrifícios pessoais que espera fazer em prol de sua profissão, o status que espera ganhar, ou perder, os eventuais conflitos morais que a atividade possa gerar, etc.
Notem que cito sempre “esperado”, “expectativa”, “espera” e afins. Faço isso porque uma pessoa não tem como prever com certeza o futuro. Assim sendo, ela faz a melhor previsão possível, e baseia sua decisão na mesma.

Bom, de posse dessas informações, podemos partir para a análise do processo decisório de um bandido. Suponhamos nosso indivíduo ser um homem de classe baixa, com baixa escolaridade, pouco afeito ao trabalho e com convicções morais falhas, o dito excluído social. Ele tem duas possibilidades. Ou mantem-se honesto e vai trabalhar como Office-boy, ou parte para o mundo do crime e torna-se um seqüestrador. Ele fará suas previsões para ambas as opções e decidirá por aquela que lhe seja mais vantajosa.
Para simplificar, suponhamos que ele leve em conta na hora de tomar sua decisão os seguintes quesitos: retorno monetário esperado, status perante seu meio social, horas de trabalho semanais, risco e moralidade.

Suponhamos agora que o emprego de office-boy ofereça um salário baixo, um status perante o meio social moderadamente alto (as pessoas ainda apreciam a honestidade!!), não apresente riscos altos e exija muitas horas de trabalho semanais. Claramente, para o perfil de nosso hipotético objeto de estudo, esse caminho não representa algo muito vantajoso, pois provavelmente sentir-se-á muito incomodado com o baixo salário e as várias horas de trabalho que são necessárias por semana, além de se importar pouco com o quesito moralidade, que poderia representar o diferencial para que se mantivesse longe do crime.

Agora, imaginemos que a atividade de seqüestrador lhe renderá proventos monetários maiores e horas de trabalho menores, de forma que mesmo os aspectos negativos nos quesitos risco, moralidade e imagem social não consigam tornar a atividade menos atraente que o emprego de office-boy.

Após um tempo, a população, farta de ser aterrorizada por malfeitores, passa a exigir atitudes mais enérgicas por parte do Governo. Esse, por sua vez, atende às demandas da população e investe mais em segurança, tornando suas forças policiais mais eficientes e seus presídios mais severos.
Esse novo fato muda completamente a análise de nosso indivíduo. Seu fator “risco” agora tem um peso negativo muito alto, pois ele sabe que as chances de ser pego, ao cometer um crime, são grandes.

Assim, para que siga na vida criminosa, exigirá um maior retorno monetário, ou alguma outra vantagem que antes não existia. Se o fator risco crescer de tal forma que torne impossível que os eventuais “benefícios” de uma vida criminosa o superem, então teremos o fim da criminalidade. Claro que em termos práticos, é impossível que isso aconteça. Porém, é possível que eles cresçam de forma a coibir que muitos dos hoje criminosos continuem nessa vida. Vale ressaltar também, que nessa linha de raciocínio podemos ver como fatores como desarmamento, religiosidade, e etc, influenciariam em uma eventual decisão.

Portanto, discursos dizendo que investimentos em segurança são inúteis, pois as causas da criminalidade são sociais, ou então que o fato da população estar armada não afeta em nada na decisão de um bandido cometer ou não um crime, são completamente equivocados.
Claro que, conjuntamente com esse endurecimento do Estado, é melhor que se invista em educação, visando fazer com que a população pobre tenha uma maior expectativa de retorno com trabalhos honestos e, assim, tenha mais um motivo para se manter longe do mundo dos crimes.

8 comentários:

Joel Pinheiro disse...

Gostei muito do texto, Werther!

Tenho discordâncias quanto à primeira parte; não afirmaria que a maioria das pessoas realmente planeja seu futuro, ainda mais as que entram para o crime. Costumam, pelo contrário, ser marcadas pelo imediatismo, pelo altíssimo desconto intertemporal, que faz com que planejem muito pouco e ajam muito sob impulso.

Mas a segunda parte é ótima; realmente fecha a questão. Não há dúvida que punições mais ou menos pesadas, maior ou menor risco ao se cometer um crime, influem na decisão de um criminoso. E que ao mesmo tempo uma formação que imbua os indivíduos com sólidos princípios morais e permita que eles trabalhem de forma produtiva também são importantes para influenciar a decisão de entrar ou não para o crime.

Anônimo disse...

Werther,
Recomendo que você leia o paper do Gary Becker - Crime & Punishment: An Economic Approach. No fundo, no modelo simplificado da tomada de decisão de um criminoso, é isso mesmo que o modelo prevê, com exceção de algumas falhas que o modelo tem. Vale a pena dar uma olhada nesse paper que iniciou pesquisas num campo diferente em Economia!

Anônimo disse...

Werther, concordo com o Joel integralmente. Mas acrescento um ponto à questão.Me parece estar superestimada a capacidade dos indivíduos (não só do criminoso) de pensar racionalmente. Pessoas não são máquinas, por isso mesmo, aliás, que a economia não tem a precisão que pretende. ("A economia não é física".)
Nas escolhas sucessivas que um indivíduo faz durante seu curso de vida , a par do conhecimento/desconhecimneto de todas as variáveis e efeitos envolvidos na escolha, também deve-se levar em conta as suas paixões e outros fatores psicológicos que podem ser produzidos pela complexa mente humana. Nem sempre o ser humano escolhe o que lhe convém e o que lhe é mais vantajoso (ainda que seja a vida na bandidagem), simplesmente porque analisou friamente o conjunto dos fatores.
Vale dizer, o ser humano pode ser um ser irracional.

Anônimo disse...

Lego e suas manias de achar que todo mundo pensa a vida como ele... Quáaaa!
Nem vou escrever mais nada A Ana Luiza já disse tudo que eu penso.
Um abraço!

Luiz Felipe Amaral disse...

A conceito de racionalidade, ou melhor, de ação racional, não envolve de forma alguma pessoas que planejam tudo que fazem ou pessoas mega-inteligentes que conseguem prever com exatidão todos os resultados daquilo que fazem.

A ação racional significa que há por trás do comportamento humano um "propósito", ou seja, que a ação humana não é fortuita, despropositada. Aliás, se tomar-se por verdadeiro que não o é, qualquer esforçao de compreender as reações humanas dadas certas mudanças se torna em vão.

Dito isso, é importante ressaltar duas coisas. A primeira é que indivíduos que não planejam podem sim ser racionais. Aliás, isso se encontra no comentário do Joel. Esses indivíduos apenas têm forte preferência pelo presente ("altíssimo desconto intertemporal").

A segunda é a clássica metáfora de Milton Friedman, que nos diz muito sobre o que Werther quer dizer por racionalidade: o jogador de sinuca não mede os ângulos entre o taco e as bolas e a força exata de sua tacada; contudo, ele age como se fizesse esses cálculos. Esse é o ponto ("The Methodology of Positive Economics", as outras informaçõs eu não tenho, perdão).

Luiz Felipe Amaral disse...

Corrigindo:

Aliás, se tomar-se por verdadeiro que o é, qualquer esforço de compreender as reações humanas dadas certas mudanças se torna em vão.

Anônimo disse...

Concordo com você, Luiz, no que você define como pensar racionalmente. Não disse o contrário. Aliás até sugeri que é impossível um ser humano ter conhecimento de todas as variáveis para tomar uma decisão.

As pessoas, mesmo inconscientemente, pensam e pesam os efeitos de suas ações, e agem racionalmente por conta disso.

O meu ponto de vista (e continuo convencida dele) é que as decisões humanas não são opções exatas, previsíveis e contáveis e muito menos são necessariamente determinadas por um dado conjunto de fatores.
Vale dizer, um idêntico conjunto de fatores pode produzir efeitos diversos e imprevisíveis nos diversos indivíduos (e levá-los a tomar decisões igualmente diversas).

Além disso, entendo que o fato de se tornar impossível compreender as reações humanas face às mudanças (como colocado por você)não nos autoriza a sair pelo caminho mais fácil de pressupor as escolhas humanas como efeitos necessários de uma dada conjuntura.

Luiz Felipe Amaral disse...

Seus argumentos são bons, Ana. É até prazeiroso discutir com você.

Deixe-me então remendar algumas das minhas afirmações. Eu posso conceder que nem todas condições iguais produzem as mesmas ações em diversos indivíduos. Mas adiciono pelo menos uma das duas alternativas: (1) que mudanças em determinada direção em certas variáveis provocam mudanças na direção de certos comportamentos e os comportamentos mudam na mesma direção para todos, diferindo apenas em magnitude, reconheço que seja proposta um pouco exagerada (talvez tenha até colocado de forma ininteligível). A outra (2) é que mudanças em algumas variáveis provocam sempre o mesmo tipo de mudança de comportamentos, enquanto em outras isso não ocorre.

Por fim, deixo uma inquietação que pode até, talvez, responder a isso tudo. Porque não imaginar que o comportamento é determinado por uma parte "previsível", que sempre se comportará de forma semelhante a dadas mudanças, e outra "imprevisível" ou aleatória? Nesse segundo caso, restaria saber se é de fato uma parte aleatória e imprevisível do comportamento humano ou se é uma parte apenas determinada por fatores que não conheçemos ou até não somos capazes de conhecer ou quantificar.