quarta-feira, julho 12, 2006

Premiar o mal e punir o bem: boa ação?

Para se praticar uma boa ação é necessário cumprir duas condições: boa intenção, ou seja, desejar um resultado que seja de fato bom, e conhecimento da realidade. A boa intenção não acompanhada do conhecimento da realidade pode comprometer o resultado almejado. Um exemplo é o do homem caridoso que, para salvar um mendigo da fome, oferece-lhe cogumelos venenosos; a intenção do doador é boa, mas sua falta de conhecimento sobre cogumelos levará o pobre faminto à morte. Ao invés de agir bem, age muito mal. Essa mesma deficiência é muito comum no campo da política e da economia: boas intenções sem conhecimento da realidade, o que leva a resultados desastrosos.

Suponhamos que o governo, em um novo e arrojado projeto social, decida dar um prêmio de 100 Reais por mês a todos que tenham a pele bronzeada e morena. O prêmio dos morenos será cobrado como imposto de todas as pessoas de pele clara e pálida. Há alguma dúvida de que mais gente vai passar mais tempo sob o sol e assim garantir os 100 Reais e se livrar de pagar a nova taxa? E se o governo fizesse o contrário, ou seja, desse os 100 aos pálidos e cobrasse o imposto dos morenos, o resultado também é óbvio: mais gente evitaria tomar sol, para ganhar o dinheiro ao invés de pagar o imposto. O que ocorre nesse caso é bastante claro: é imposta uma punição a indivíduos de um certo tipo e um subsídio (prêmio) a indivíduos de outro tipo; em resposta a isso, mais gente quererá ser do tipo subsidiado e menos gente do tipo punido.

Aqui ainda não entramos no campo da boa ação, pois não há um estado decididamente melhor entre bronzeados e pálidos. Mudemos o exemplo. Um governante chegou à seguinte conclusão: “na vida em geral as pessoas bonitas têm muitas vantagens pelo mero fato de serem belas. Já os feios sofrem a cada dia, e são sempre mal-tratados; têm que se esforçar em dobro para serem reconhecidos, enquanto os bonitos ganham tudo de mão beijada. Portanto, para que os feios possam sair dessa condição maldita, devemos dar a eles uma ajuda para melhorarem o visual, fazerem uma plástica, etc.” A proposta, então, é de 1000 Reais mensais para os feios; e quem paga por isso são os belos, que não receberão o benefício. A intenção do político é nobre: tornar as pessoas mais belas. Mas qual é o resultado? Exatamente como visto acima, mais gente quererá ser do tipo premiado (feio) e menos gente quererá ser do tipo punido (belo). Portanto, cada vez menos pessoas tomarão conta de sua aparência, pois se o fizerem serão punidos, e se forem feios ganharão uma bem-vinda recompensa. Esse simples conhecimento de que a ação humana é estimulada por benefícios e desestimulada por punições levaria o político à seguinte conclusão: se premiarmos a feiúra e punirmos a beleza, teremos mais feiúra e menos beleza.

Todo o nosso sistema de redistribuição de renda baseia-se nesse mesmo erro! Para acabar com a pobreza, tira-se dos ricos e dá-se aos pobres; para melhorar a saúde, se paga do bolso dos saudáveis pelo tratamento dos doentes; e assim com todas as outras mazelas sociais. Desemprego, irresponsabilidade, improdutividade, incompetência e imprevidência são premiados às custas dos trabalhadores, dos responsáveis, dos produtivos, dos competentes e dos previdentes. O resultado: nossa população fica mais pobre, irresponsável, incompetente, improdutiva, imprevidente, preguiçosa e doente. Afinal, para quê poupar para a velhice ou manter a família unida para me sustentar quando necessário se posso “viver a vida” agora e receber minha aposentadoria do governo? E assim, por meio de pequenas decisões individuais, damos adeus à responsabilidade pessoal e à família.

A redistribuição forçada sempre produz um efeito oposto ao que desejavam os bem-intencionados que a propuseram; e assim precisar-se-á de cada vez mais redistribuição, até o limite em que não haja mais nada a redistribuir. A boa intenção na ajuda aos necessitados, sem o conhecimento de como ajudá-los, leva simplesmente ao colapso social, como vem acontecendo a cada dia em todo o mundo. Matamos a fome com cogumelos venenosos.

domingo, julho 09, 2006

Ganhos de Troca

"The key insight of Adam Smith's Wealth of Nations is misleadingly simple: if an exchange between two parties is voluntary, it will not take place unless both believe they will benefit from it. Most economic fallacies derive from the neglect of this simple insight, from the tendency to assume that there is a fixed pie, that one party can only gain at the expense of another." (Milton Friedman)



O propósito deste post é demonstrar a origem dos ganhos de troca as condições nas quais eles se apresentam. O post encerra a discussão nas últimas semanas acerca dos benefícios da abertura comercial com um argumento teórico com os objetivos de formalizar e estender a discussão. Tentarei manter o texto didático e objetivo devido ao tamanha relativamente extenso da exposição, que se dividirá em três partes. Na primeira, de forma a se estabelecer as bases do argumento apresentarei a definição de fronteira de possibilidade de produção (FPP); na segunda, demonstrarei os ganhos de troca na ocasião de especialização na produção; na terceira, por fim, demonstrarei os ganhos de troca na ocasião de vantagens absolutas em produtividade.

I) A Fronteira de Possibilidades de Produção (FPP)

A fronteira de possibilidades de produção é a combinação de bens que um determinado agente (indivíduo/firma/país) pode produzir dados seus recursos escassos. Tomemos um exemplo: João pode trabalhar no máximo 24 horas por dia (ele não precisa dormir), ele usa a madeira das árvores ao redor de sua casa para produzir cadeiras e mesas. João gasta duas horas em cada cadeira e quatro horas em cada mesa. Logo ele pode em um dia, se apenas produzir cadeiras, produzir doze cadeiras e nenhuma mesa; se apenas produzir mesas, seis mesas e nenhuma cadeira; ou alguma combinação entre os dois bens (uma mesa e dez cadeiras, por exemplo). Abaixo temos a FPP de João (Gráfico 1).




Percebam que as combinações de bens acima da linha azul (a FPP de João) não são possíveis de serem produzidas. Analogamente, as combinações sobre a linha e abaixo dela são possíveis de serem produzidas. Por fim, os pontos sobre a linha são as combinações de bens possíveis de serem produzidas por João quando ele utiliza todas os recursos que lhe são permitidos (as 24 horas do dia).

II) Ganhos de troca com especialização

Suponhamos que existam apenas dois agentes econômicos (A e B) e dois bens a serem produzidos (x e y). Se A produz o bem x gastando menos recursos que B e B produz o bem y gastando menos recursos que A, diz-se que há especialização na produção dos bens. Para simplificar a análise suponhamos que o único recurso existente é tempo (24 horas por dia). Assim A gasta 2 horas para produzir o bem x e 4 horas para produzir o bem y, enquanto B gasta 4 horas para produzir o bem x e 3 horas para produzir o bem y. Abaixo temos três gráficos: a FPP de A (Graf. 2) a FPP de B (Graf. 3) e a FPP de A e B (Graf. 4).




Suponhamos então que A produza apenas o bem x produzindo 12 unidade por dia e B produza apenas o bem y, produzindo 8 unidades por dia. Além disso A troca com B 2 unidades de x por duas unidades de y. Com a troca A possui 10 unidades de x e 2 de y (ponto T); enquanto B possui 2 unidades de x e 6 de y (ponto T’). Pelas FPP de A e de B abaixo (Graf. 5 e Graf. 6), percebemos que cada agente passa a possuir quantidades que não conseguiriam possuir produzindo sem trocar. Ou seja, a troca favoreceu a ambos.



III) Vantagens absolutas

Tomemos agora um exemplo semelhante ao anterior, mas nesse caso A produz x em 2 horas e y em 4 horas, enquanto B produz x em 3 horas e y em 10 horas. Abaixo (Graf. 7) temos as duas FPP. Observa-se que A tem vantagens absolutas de produtividade sobre B, isso se mostra pelo fato de que a FPP de A está sempre acima da de B. Ainda assim, A e B podem se beneficiar trocando.


Suponhamos que A produza apenas y, produzindo assim 6 unidades e B produza apenas x produzindo assim 8 unidades. Além disso, suponhamos que se troque 3 unidades de x por 1 unidade de y. Com a troca, A terá 3 unidades de x e 5 de y e B terá 5 unidades de x e 1 de y. Como vemos pelas FPP de A e B (Graf. 8 e Graf. 9), ambos se beneficiaram com a troca, pois passaram a consumir em pontos além da FPP.

quinta-feira, julho 06, 2006

Quem Compra, Paga

Em uma vitória sem precedentes do livre comércio, o país A aboliu todas as suas barreiras à importação. Agora os habitantes de A compram todas as suas roupas do país B, que as vende muito mais barato. Bom, com o dinheiro que economizam na compra de roupas, a população de A tem comprado mais eletrônicos; no entanto, todos os eletrônicos que compram também vêm de B. Para falar a verdade, não há nenhum produto ou serviço antes produzido por A que B não exporte por um preço menor e qualidade maior: comida, filmes, livros, carros, artesanato, tudo! Depois da abertura comercial, não há nenhuma atividade a qual os habitantes de A possam se dedicar para ganhar a vida, pois não têm como competir com os produtores de B. E agora, o que fazer? Como ter certeza de que a mesma catástrofe social não ocorrerá em países do mundo real que decidam acabar com a proteção de suas indústrias?

Nenhum vendedor aceita dar seus produtos de graça. Pelo contrário, o dono da quitanda só me deixa levar um pé de alface se, em troca, eu lhe der uma certa quantia em dinheiro. Portanto, ele troca sua alface pelo meu dinheiro. Mas teria ele algum interesse no dinheiro em si? Por mais que se possa ver algum valor estético nas notas do Real, não é pelas imagens coloridas que se quer o dinheiro; o quitandeiro o quer para que possa, ele também, comprar produtos e pagar por serviços prestados por outros. E eu, que compro a alface, só ganhei meu dinheiro porque troquei algum serviço ou produto meu com alguma outra pessoa. O dinheiro é um mero substituto do que produzimos. Não preciso dar o que produzo diretamente para o quitandeiro em troca da alface; posso oferecer meu serviço a outra pessoa e com o dinheiro ganho comprar a alface. Toda venda e toda compra são, em essência, iguais ao escambo; o que muda é que uma das partes, ao invés de oferecer seu produto diretamente, oferece algo que pode ser trocado por produtos, o dinheiro. No fundo, troca-se trabalho de um por trabalho do outro. Se eu não tiver um trabalho, não poderei comprar a alface do quitandeiro (o fruto de seu trabalho).

Os vendedores estrangeiros também não vendem nada de graça. Tampouco cultivam eles algum interesse em colecionar moedas brasileiras. Se uma empresa de calçados americana vende sapatos no Brasil, isso significa que os EUA estão investindo recursos na produção de bens que estão sendo enviados para fora do país. Ou seja, os EUA estão mais pobres, pois uma parte do que produzem sai de suas fronteiras. Se mandam calçados ao Brasil, é porque recebem algo em troca (senão não mandariam). Com o dinheiro que recebem dos compradores brasileiros, os americanos podem comprar bens e serviços de outros países. Também os brasileiros, para poder comprar os produtos estrangeiros, têm que vender bens e serviços para fora do Brasil; se assim não fosse, estaria o Brasil recebendo produtos externos sem dar nada em troca: recebendo, na prática, doações gratuitas de sapatos dos EUA.

Como vimos, toda venda é uma troca; toda venda internacional também. Só compra um produto quem pode pagar por ele; ou seja, quem tenha algum bem ou serviço que possa oferecer em troca. Só posso comprar minha alface se eu também tiver algo de valor a oferecer a outras pessoas. Da mesma forma, os brasileiros só podem importar produtos se tiverem algo de valor a oferecer a outros povos.

O fictício país A, do parágrafo inicial, não tinha nada a oferecer ao país B. Tudo aquilo que A poderia produzir B produzia de forma mais eficiente. Ora, se A não tem nada a oferecer, B não dará nenhum produto para A, a não ser que queira fazer caridade. Conclui-se, portanto, que se um país não exportar nada, ele também não importará nada (assim como eu, se não tiver trabalho, não poderei comprar nada); as exportações são, na prática, o pagamento das importações. Os inimigos do livre comércio não têm nada a temer: se nosso país não tiver o que exportar, também não importará nada, e nossas empresas estarão protegidas.

segunda-feira, julho 03, 2006

Uma breve história do livre-comércio no século XIX

Seguindo o tema do último post, relatarei aqui um período do século XIX (mais precisamente entre 1860 e 1873) em que a Europa se aproximou, de forma talvez nunca antes ocorrida, do ideal do livre-comércio. O objetivo é iluminar alguns pontos sobre o comércio internacional, suas vantagens e os caminhos para que desfrutemos delas.*

As pressões para o livre-comércio começaram na Grã-Bretanha. Elas se iniciam intelectualmente com os economistas clássicos: Smith e Ricardo. O primeiro favorecia o livre-comércio argumentando que a liberalização alfandegária permitiria que os diferentes países se especializassem e dividissem trabalho aumentando suas produtividades; o segundo, pela definição do princípio das vantagens comparativas, um argumento definitivo. Com o tempo essas idéias tomaram o campo político e a o Reino Unido adota, enfim, com a abolição das Corn Laws em 1846 uma posição de abertura comercial.

No continente, os apelos para o livre-comércio aparecem depois. Na França, economistas como Frederic Bastiat advertiam contra os absurdos provocados pelo protecionismo em seu país. Em 1851 o governo de Napoleão III iniciou uma aproximação diplomática com a Inglaterra que culminou com o estabelecimento do Tratado Cobden-Chevalier.

O tratado estabelecia que a Inglaterra eliminaria suas todas as tarifas de importação relativas a praticamente todos produtos franceses, enquanto a França reduziria suas tarifas para um nível máximo de 30% ad valorem (a média se manteve em 15%), uma redução significativa.

Contudo, o aspecto do tratado de maior relevância para o comércio internacional foi a cláusula de nação mais favorecida. Ela estabelecia que se um dos países do tratado estabelecesse um acordo comercial com um terceiro país a uma tarifa mais baixa que a tratado, essa tarifa recairia também sobre os país do tratado original. Se, por exemplo, a França firmasse um tratado com a Espanha estabelecendo tarifas de 5% no máximo, esses 5% se estenderiam para a Inglaterra.

Como à época a França ainda possuia uma economia muito protecionista, outros países além do Reino Unido tinham interesses em tratados comerciais com os franceses. Esses países também foram tomados pelas pressões para o livre-comércio e estabeceram tratados entre si, todos com a de nação mais favorecida. Dessa forma, a medida que se estabeleciam os tratados, as tarifas comerciais na Europa diminuíram, promovendo uma era de livre-comércio. Entre 1830 e 1900 o comércio na Europa, medido pelo volume de exportações, aumentou mais de dez vezes.

As consequências desse desenvolvimento comercial são claras: houve uma reorganização na industria européia devido ao aumento da competitividade, muitas firmas ineficientes foram obrigadas a se modernizar ou fechar suas portas. O aumento de competitividade diminuiu os preços. O aumento comercial na Europa aumentou o bem estar dos consumidores, promoveu a eficiência técnica e desencadeou um aumento na produtividade.


* A análise aqui reportada é fortemente baseada em CAMERON, Rondo e NEAL, Larry. A Concise Economic History of the World: From Paleolitic Times to the Present. 4ª Edição. Oxford, 2003. Capítulo 12, p. 290-295.