Sinto muito a todos que gostam dele, mas é um fato. É puro lixo. Não digo isso à toa. Ontem fui ver “Círculo de Giz Caucasiano”. Quase quatro horas perdidas (mais o horário de verão, cinco!). Não é minha primeira peça dele; já vi outras duas, que, por serem mais curtas, foram menos insuportáveis.
O grande “lance” do teatro de Brecht é fazer uma peça na qual os espectadores não se envolvam emocionalmente com a trama; assim, poderão ser observadores frios e racionais da situação apresentada. A situação consiste em relações de exploração levadas até o extremo. Por meio da ironia barata, toques de humor grosseiro, pseudo-discussões e recursos cênicos não-realistas, o espectador vê claramente o horror que se desenrola à sua frente, mas todos em cena reagem como se fosse uma relação cotidiana habitual. Sairá do teatro convencido de que a sociedade na qual ele próprio vive é sustentada sobre aquele tipo de exploração, tão bem explicitada pelo gênio de Brecht; e a vida só segue normalmente porque todos mantêm aquele mesmo cinismo dos personagens da peça.
O Círculo de Giz foge um pouco a esse modelo, pois é uma peça na qual vence o bem, a razão; é, na verdade, uma peça dentro de uma peça: depois de resolver racionalmente uma questão sobre a propriedade de uma terra, dois grupos de camponeses da URSS, para comemorar a solução pacífica, encenam essa peça, sobre uma mulher pobre, Gruxa, que, em meio a uma revolta, adota o filho bebê do governador, cuja mãe o abandonara. Depois de muito sofrer para cuidar do menino por anos, Gruxa é obrigada a ir a tribunal, pois a mãe biológica aristocrata voltou e o quer de volta.
O que é mais difícil de engolir na peça é a superficialidade dos personagens. Aliás, nem é possível chamá-los assim. São estereótipos, caricaturas de quinta categoria. A boa mulher pobre que se sacrifica pelo menino; a aristocrata desprezível; a camponesa aburguesada; o soldado valente e fiel; o príncipe ambicioso. Em uma linha: se pobres, santos; se ricos, demônios. Não poderia faltar ainda um padre debochado e aparentemente bêbado, que, apesar de sem graça, foi quem arrancou mais gargalhadas da platéia na curta cena que lhe coube (há algum motivo pelo qual piadas idiotas se tornem hilárias se feitas com a Igreja?).
A total ausência de personagens tornou o que poderia ter sido um enredo interessante em pura imbecilidade. Diferentemente do que eu esperava, não faltaram cenas de sentimentalismo meloso e barato, tentando em vão arrancar alguma lágrima da platéia; uma novela mexicana pareceria refinada em comparação. Fica claro que essa peça não passa de um panfleto ideológico das idéias de Brecht, e sua população-alvo devia ser os menos educados e incultos da sociedade; graças a Deus, o povo não está nem aí para Brecht e suas asneiras. São os intelectuais que fazem o papel vergonhoso de elevá-lo a gênio do teatro.
Já próximo do fim, delineou-se o que pareceu ser um raio de esperança. Depois da revolta na cidade, foi instaurado um juiz plebeu, Azdak, um pequeno intelectual da cidade, homem esperto, meio corrupto, mas, apesar disso, de coração bom. O novo juiz procede de forma chocante: aceita os subornos dos ricos, mas ao fim do julgamento sempre favorece a parte pobre, por mais que ela seja culpada. Um pobre é acusado de ter roubado uma vaca e um presunto; ele afirma que eles apareceram em sua casa por milagre, obra de “S. Banditus” (percebem o humor fino?). Azdak termina não só por declarar o réu inocente como pune os querelantes (ricos proprietários) por impiedade ao se negarem a aceitar o milagre. Fiquei surpreendido; não esperava de Brecht esse tipo de insight: mesmo com os pobres “no poder” (temporariamente), a injustiça continuaria a reinar, dessa vez viesada para o lado oposto.
Nada disso! Ao término da trama, após Azdak dar a guarda do menino a Gruxa, nos é revelado, com toda a seriedade e gravidade de fala conclusiva de peça, que o período no qual ele foi juiz foi para sempre lembrado como um no qual a verdadeira justiça reinou.
Viva! A justiça se fez! O menino ficou a mulher que verdadeiramente cuidou dele! A terra ficou com a população campesina que melhor cuidou dela, melhorando-a com inovações tecnológicas! Fora com os velhos conceitos burgueses de direito e propriedade! A cada um de acordo com sua habilidade! Assim termina a peça feita para ludibriar camponeses e operários; mas são apenas os intelectuais burgueses que a assistem e a consideram “genial”.
Faça um favor a você mesmo e não assista nada do Brecht. Pode ter certeza de que é muito ruim. Não é só porque uma peça é apologia do socialismo soviético que ela tem o direito de ser uma porcaria.
O grande “lance” do teatro de Brecht é fazer uma peça na qual os espectadores não se envolvam emocionalmente com a trama; assim, poderão ser observadores frios e racionais da situação apresentada. A situação consiste em relações de exploração levadas até o extremo. Por meio da ironia barata, toques de humor grosseiro, pseudo-discussões e recursos cênicos não-realistas, o espectador vê claramente o horror que se desenrola à sua frente, mas todos em cena reagem como se fosse uma relação cotidiana habitual. Sairá do teatro convencido de que a sociedade na qual ele próprio vive é sustentada sobre aquele tipo de exploração, tão bem explicitada pelo gênio de Brecht; e a vida só segue normalmente porque todos mantêm aquele mesmo cinismo dos personagens da peça.
O Círculo de Giz foge um pouco a esse modelo, pois é uma peça na qual vence o bem, a razão; é, na verdade, uma peça dentro de uma peça: depois de resolver racionalmente uma questão sobre a propriedade de uma terra, dois grupos de camponeses da URSS, para comemorar a solução pacífica, encenam essa peça, sobre uma mulher pobre, Gruxa, que, em meio a uma revolta, adota o filho bebê do governador, cuja mãe o abandonara. Depois de muito sofrer para cuidar do menino por anos, Gruxa é obrigada a ir a tribunal, pois a mãe biológica aristocrata voltou e o quer de volta.
O que é mais difícil de engolir na peça é a superficialidade dos personagens. Aliás, nem é possível chamá-los assim. São estereótipos, caricaturas de quinta categoria. A boa mulher pobre que se sacrifica pelo menino; a aristocrata desprezível; a camponesa aburguesada; o soldado valente e fiel; o príncipe ambicioso. Em uma linha: se pobres, santos; se ricos, demônios. Não poderia faltar ainda um padre debochado e aparentemente bêbado, que, apesar de sem graça, foi quem arrancou mais gargalhadas da platéia na curta cena que lhe coube (há algum motivo pelo qual piadas idiotas se tornem hilárias se feitas com a Igreja?).
A total ausência de personagens tornou o que poderia ter sido um enredo interessante em pura imbecilidade. Diferentemente do que eu esperava, não faltaram cenas de sentimentalismo meloso e barato, tentando em vão arrancar alguma lágrima da platéia; uma novela mexicana pareceria refinada em comparação. Fica claro que essa peça não passa de um panfleto ideológico das idéias de Brecht, e sua população-alvo devia ser os menos educados e incultos da sociedade; graças a Deus, o povo não está nem aí para Brecht e suas asneiras. São os intelectuais que fazem o papel vergonhoso de elevá-lo a gênio do teatro.
Já próximo do fim, delineou-se o que pareceu ser um raio de esperança. Depois da revolta na cidade, foi instaurado um juiz plebeu, Azdak, um pequeno intelectual da cidade, homem esperto, meio corrupto, mas, apesar disso, de coração bom. O novo juiz procede de forma chocante: aceita os subornos dos ricos, mas ao fim do julgamento sempre favorece a parte pobre, por mais que ela seja culpada. Um pobre é acusado de ter roubado uma vaca e um presunto; ele afirma que eles apareceram em sua casa por milagre, obra de “S. Banditus” (percebem o humor fino?). Azdak termina não só por declarar o réu inocente como pune os querelantes (ricos proprietários) por impiedade ao se negarem a aceitar o milagre. Fiquei surpreendido; não esperava de Brecht esse tipo de insight: mesmo com os pobres “no poder” (temporariamente), a injustiça continuaria a reinar, dessa vez viesada para o lado oposto.
Nada disso! Ao término da trama, após Azdak dar a guarda do menino a Gruxa, nos é revelado, com toda a seriedade e gravidade de fala conclusiva de peça, que o período no qual ele foi juiz foi para sempre lembrado como um no qual a verdadeira justiça reinou.
Viva! A justiça se fez! O menino ficou a mulher que verdadeiramente cuidou dele! A terra ficou com a população campesina que melhor cuidou dela, melhorando-a com inovações tecnológicas! Fora com os velhos conceitos burgueses de direito e propriedade! A cada um de acordo com sua habilidade! Assim termina a peça feita para ludibriar camponeses e operários; mas são apenas os intelectuais burgueses que a assistem e a consideram “genial”.
Faça um favor a você mesmo e não assista nada do Brecht. Pode ter certeza de que é muito ruim. Não é só porque uma peça é apologia do socialismo soviético que ela tem o direito de ser uma porcaria.