Antes de iniciar a discussão, é necessário ter claro qual o ponto em debate. Muitos afirmam que o homem é, em geral, egoísta; que, na grande maioria das vezes, age pensando principalmente em si mesmo, e só em raros casos especiais visa o bem dos outros. Não discutirei essa tese. O ponto em questão é outro, que vai muito mais longe: toda ação humana é egoísta e é impossível sequer pensar em uma que não o seja. O altruísmo não é apenas uma raridade, mas uma impossibilidade absoluta. Essa posição conta com dois argumentos principais.
O primeiro é assim: toda ação visa uma finalidade, ou seja, um valor, um interesse do agente. Esse interesse pode ser comprar um carro ou ajudar um parente, não importa; em ambos os casos, trata-se de um interesse. O egoísta é aquele que age para satisfazer seus interesses. Portanto, toda ação humana, sem exceção, é egoísta.
Não há do que se discordar na lógica do argumento. De fato, toda ação visa um interesse. Mesmo o homem sob a coerção de uma arma age tendo em vista seus interesses (seja escolhendo se render ao agressor ou mantendo-se firme e aceitando a morte). Nesse sentido, toda ação é egoísta. O problema é que esse sentido é radicalmente diferente do usual.
Em geral, o termo “egoísta” caracteriza aquela pessoa cujos interesses estejam todos centrados nela mesma, com pouca ou nenhuma consideração aos outros. O que o argumento chama de “egoísmo”, contudo, é a mera existência de interesses. Quando chamamos alguém de egoísta, não queremos dizer que age de acordo com seus interesses ou valores (isso ocorre sempre, necessariamente), mas sim que seus interesses voltam-se apenas para si mesmo, à exclusão das outras pessoas. Já o altruísta é aquele cujos interesses incluem, de forma especial, o bem dos outros. O “egoísmo” que o argumento prova existir não tem nenhuma relação com o desvio ético ao qual costumamos dar esse nome.
O segundo argumento não muda o sentido dos termos; ele aceita o sentido usual de “egoísmo”, e faz uma afirmação psicológica: sim, há pessoas que agem tendo em vista o bem dos outros; por exemplo, alguém que visite um idoso num asilo. Ao fazer isso, ela se sente bem, tem uma espécie de prazer. A ação dela, portanto, tem como finalidade o prazer que ela sente, e é, assim, egoísta; ela ajuda os outros apenas porque isso lhe dá prazer. E não tem como ser diferente: mesmo quando fazemos algo que nos causa dor física (por exemplo, pular na frente de um carro para salvar uma menina), sentimos algum tipo de recompensa psicológica por realizar com sucesso aquilo visávamos.
É verdade que, se atingimos uma meta, sentimos algum tipo de prazer (se “prazer” for definido da forma mais abrangente possível, incluindo até a mera convicção de que se agiu bem). Mas é um erro afirmar que o prazer seja a causa da ação; erro que, como mostrarei, torna essa mesma ação ininteligível.
Muitas ações poderiam dar prazer. Algumas pessoas sentem-se bem ao ajudar um estranho; outras, ao ludibriar um estranho. O prazer não explica nenhuma das duas, pois ele poderia advir de ambas. É preciso algum outro elemento, que não o prazer, para explicar porque uma pessoa faz uma e não a outra. Assim, a não ser nos casos em que o prazer se siga independentemente das crenças de quem age (como é o caso de comer, beber, aquecer-se, fazer sexo, etc), não é possível apontar o prazer como finalidade da ação.
Quem ajuda os pobres não o faz porque isso lhe dá prazer. A verdade é o exato oposto: é apenas porque ele valoriza o bem das pessoas ao seu redor que ele sente prazer ao ajudá-las. Se deixasse de valorizar o bem dos outros, essa ação deixaria de ser prazerosa. O prazer não constitui a finalidade da ação; ele depende e deriva dela.
Isso não quer dizer que toda ação externamente caridosa seja verdadeiramente altruísta. Bem sabemos que alguém que doa dinheiro à caridade pode estar mais preocupado em melhorar sua imagem do que em ajudar os necessitados. Também nesse caso, o prazer de se realizar a ação com sucesso não é sua finalidade (a finalidade é a auto-imagem do doador), e sim uma conseqüência de se tê-la alcançado. O prazer depende dos valores do agente, e não vice-versa, e são esses valores que determinam se o agente é egoísta ou altruísta.
Assim, ambos os argumentos mostram-se deficientes. O primeiro, apesar de correto, usa o termo “egoísta” num sentido totalmente diferente do sentido usual, de caráter ético, que atribuímos a ele. O segundo inverte, erroneamente, a relação entre o prazer e a finalidade da ação. Isso não prova que o homem seja altruísta; é bem verdade que, muitas vezes, ele não é. O que se prova é que, ainda que raro, o altruísmo é possível.