quarta-feira, abril 29, 2009

A Racionalidade na Economia e a Irracionalidade dos Economistas

A teoria econômica convencional fala de “agentes racionais”, o que leva leigos a se perguntar “mas será que são racionais mesmo?”. A confusão ocorre porque o termo “racional” significa coisas diferentes para uns e outros. Um exemplo singelo me ajudará a explicar a diferença.

Alex ama Sofia. Ela é a mulher de sua vida e ele não concebe ser feliz sem ela. Contudo, uma bela noite numa reunião de amigos, sua amada fez um comentário jocoso sobre ele que muito o embaraçou. Cheio de ódio naquele momento, Alex quis matá-la. Não teve dúvidas: subiu logo para seu quarto e lá, sozinho, começou a torturar um boneco vodu.

Essa ação é irracional em pelo menos dois níveis: em primeiro lugar, o objetivo dela (tirar uma vida inocente) é, em si, irracional. Ademais, o próprio Alex a ama tanto que, se for bem sucedido, condenará sua própria vida à miséria e ao remorso; a ação vai contra os seus próprios desejos de longo prazo. Em segundo lugar, o meio escolhido para alcançar o fim é ineficaz; a alfinetada no boneco vodu não tirará a vida de Sofia. Como pode o economista afirmar que os agentes são racionais com tantos Alexes pelo mundo?

Para o economista, no entanto, a conduta de Alex é perfeitamente racional: ele fez aquilo que considerava melhor no momento. Prova disso? Ora, se ele achasse que o melhor a fazer era outra coisa, ele teria feito essa outra coisa. "Usou meios ineficazes? E daí? Baseado em suas informações, eram os meios mais adequados". Neoclássicos e austríacos concordariam: Alex fez o que queria baseado nas informações disponíveis; foi racional.

Outro sentido de racionalidade, digamos, o dos cientistas em geral, é a adequação de meios a fins. Esse também é, de vez em quando, utilizado por economistas. Quando um economista vai contra as leis trabalhistas, por exemplo, é porque ele sabe que tais leis não atingirão o fim almejado. Ele não é contra o bem-estar dos trabalhadores, e nem é pau mandado do grande capital: ele apenas aponta que os objetivos que os próprios defensores do trabalhismo visam não serão alcançados por tais leis.

A economia se restringe a esses dois sentidos de racionalidade. Ela não faz, via de regra, juízos de valor, o que é bom enquanto opção metodológica. O problema é se o economista, enquanto pessoa, também fica apenas nesses níveis; se ele aceita que juízos de valor estão fora do domínio da razão. Ao fazer isso, torna-se incapaz de defender o que quer que seja, a não ser por motivos puramente instrumentais, a serviço de sabe-se lá quem. Isso abre a economia, por sua vez, às mais desastrosas e descabidas filosofias morais sem qualquer ferramenta para questioná-las. De duas uma: ou a economia vira um mero exercício amoral de maximização de utilidade ou uma busca cega da igualdade (quem decidiu que igualdade é um objetivo social desejável?), quando não um equilíbrio instável dos dois. Direitos naturais e justiça são esquecidos para perseguir uma dessas duas quimeras.

Fato: enquanto a defesa do capitalismo se aliar à primeira delas, estará fadada ao fracasso. Pois dar a Alex a variedade máxima na escolha de bonecos vodus não é exatamente um sonho inspirador.

segunda-feira, abril 20, 2009

Direitos ontem e hoje

A mesma palavra pode nomear coisas muito diferentes. Isto é fonte de muitas confusões, nem sempre involuntárias. Há palavras cujo sentido, com o tempo, tornou-se o oposto do que era antes, com sérias conseqüências no uso prático delas. Vejam o caso do termo “direito”.

“Direito” significava uma restrição à ação dos demais sobre si. “Direito à vida” significava que ninguém poderia tirar sua vida; direito de propriedade significava que ninguém poderia pegar ou usar o que é seu sem sua permissão. Eles não garantiam ao indivíduo nem que ele teria propriedade e nem que sua vida estaria automaticamente ganha; apenas davam-lhe a liberdade de conquistar e manter esses bens sem que ninguém pudesse privá-lo deles à força.

O significado atual de direito é o exatamente oposto: não a liberdade de conquistar um bem, mas a permissão de arrancar-lhe à força dos demais. Pois os bens que precisamos para viver não brotam espontaneamente do ar; custam muito trabalho humano. “Eu tenho direito à vida!” Isso significa, hoje em dia: “Você sustentará minha vida”. Quem garante a própria sobrevivência com o esforço próprio, com o uso de sua razão e a cooperação pacífica no mercado, tem que garantir também a sobrevivência de todos aqueles que não o fazem. Direito a lazer não é poder se entreter da forma que melhor lhe agradar dentro de suas possibilidades, mas sim exigir dos demais que paguem pelo seu bilhete para ver o novo Batman em IMAX.

O mais espetacular de todos é o “direito ao trabalho”. Em outras palavras, o direito de ganhar para fornecer algum serviço qualquer independentemente de alguém precisar dele ou não. De si, já é absurdo; mas para piorar as coisas, o mesmo governo que fala em direito ao trabalho o viola descaradamente com leis trabalhistas. O que é a lei trabalhista, senão proibir que uma pessoa trabalhe voluntariamente por um determinado salário ou em determinadas condições, ou seja, exerça seu direito (no sentido antigo) ao trabalho?

Note que não sou, nem de longe, contra que uma pessoa ajude outra, na medida em que possa e queira. Mas erigir em estrutura social um sistema que supostamente garanta todos os bens da vida é uma tolice sem tamanho. Os direitos, como são entendidos hoje em dia, são naturalmente excludentes: não podem ser aplicados à toda a população, pois se todo mundo exigir e ninguém produzir, ninguém fica com nada. O direito de uma parcela da população é, necessariamente, a escravidão de outra. O meu direito à alimentação vem da sua geladeira. Isso é justo?

quinta-feira, abril 02, 2009

94 anos

94 anos de prisão não é pouco. É mais do que muitos assassinos levam. Claro, no Brasil, o tempo máximo de cadeia é 30. A pena de Eliana Tranchesi, portanto, não é pior do que a de assassinos e ladrões, mas igual. E qual é o nefasto crime que demanda um século de cadeia como punição? Não pagar alguns impostos, isto é, não dar ao governo dinheiro sobre transações com as quais ele nada tem a ver.

Não sou a favor da evasão fiscal. Dado que é lei, acho que deva, a princípio, ser cumprida. Mas também não posso dizer que condeno um vendedor que não pague os impostos nocivos e imorais de nosso país, ainda mais quando pagá-los significa abrir mão dos negócios.

A juíza acusou Eliana e os outros empresários de “ganância”, e ainda ressaltou que sua personalidade é “inteiramente voltada para o crime”. Um empresário que conduza um negócio é culpado de ganância. Já o funcionário público que vive de impostos, isto é, de dinheiro roubado legalmente, é um altruísta, um “servidor” do povo. Quem não paga é ganancioso; quem cobra à força, é exemplo de generosidade. Os governantes e funcionários públicos, não contentes em parasitar materialmente as classes produtivas da sociedade, também as parasitam espiritualmente, roubando para si o manto da moralidade. É como se um conselho de carrapatos decretasse a pena de morte ao touro, sem perceber que, morrendo o hospedeiro, morre o parasita. Claro, ainda há muitos touros por aí, dispostos a serem sugados; morre um, pula-se para o próximo.

Outra coisa que chocou foi a reação popular à prisão de Eliana Tranchesi. Se a minha amostra (admitidamente restrita) de comentários na UOL for representativa, a população como um todo ficou satisfeita e até feliz. “Até que enfim esses ricos vão pagar!” Será que eles desconfiam que as facilidades da vida com a qual contam (roupas, aparelhos eletrônicos, comida, etc) existem apenas por causa da iniciativa dos mesmos “ricos gananciosos” que eles adorariam ver presos?

Esse sentimento popular, ainda que tenha sua parte de inveja, tem sim alguma justificativa. No Brasil, riqueza está, em geral, ligada à exploração, vide o número de políticos ricos e empresários que enriqueceram graças ao governo. Mas a distinção é essencial: quem enriquece por meio da extorsão, ganha na medida em que rouba dos demais. Quem enriquece no mercado, ganha na medida em que serve aos demais. A prisão de Eliana Tranchesi é apenas superficialmente similar à prisão de um político corrupto: ambos são ricos, é verdade. Mas o político enriqueceu às custas da sociedade, enquanto ela enriqueceu por prover à sociedade serviços úteis e eficientes; seu único crime foi não sacrificar seu negócio e sua vida para o bem-estar dos políticos sanguessugas e tantos outros louváveis servidores do bem comum.

Não se trata de defender a pessoa de Eliana Tranchesi, que não conheço, e nem a Daslu, à qual fui apenas uma vez em 2005 em visita de caráter antropológico (juro! Saí de mãos vazias!). Pra falar a verdade, acho a loja um tanto vulgar, a começar pela arquitetura neoclássica e pela ostentação vazia que é o propósito de tantos bens de luxo. Mas nada disso vem ao caso; minha má avaliação da loja traduz-se em não comprar seus produtos. Não a quero fechada e sua dona atrás das grades, tudo porque não sustentam os mentecaptos do funcionariado público. Todo mundo que já comprou de camelô ou sem nota fiscal, se é minimamente coerente, concorda comigo. 94 anos sem impostos, isso sim seria justo!