quinta-feira, abril 02, 2009

94 anos

94 anos de prisão não é pouco. É mais do que muitos assassinos levam. Claro, no Brasil, o tempo máximo de cadeia é 30. A pena de Eliana Tranchesi, portanto, não é pior do que a de assassinos e ladrões, mas igual. E qual é o nefasto crime que demanda um século de cadeia como punição? Não pagar alguns impostos, isto é, não dar ao governo dinheiro sobre transações com as quais ele nada tem a ver.

Não sou a favor da evasão fiscal. Dado que é lei, acho que deva, a princípio, ser cumprida. Mas também não posso dizer que condeno um vendedor que não pague os impostos nocivos e imorais de nosso país, ainda mais quando pagá-los significa abrir mão dos negócios.

A juíza acusou Eliana e os outros empresários de “ganância”, e ainda ressaltou que sua personalidade é “inteiramente voltada para o crime”. Um empresário que conduza um negócio é culpado de ganância. Já o funcionário público que vive de impostos, isto é, de dinheiro roubado legalmente, é um altruísta, um “servidor” do povo. Quem não paga é ganancioso; quem cobra à força, é exemplo de generosidade. Os governantes e funcionários públicos, não contentes em parasitar materialmente as classes produtivas da sociedade, também as parasitam espiritualmente, roubando para si o manto da moralidade. É como se um conselho de carrapatos decretasse a pena de morte ao touro, sem perceber que, morrendo o hospedeiro, morre o parasita. Claro, ainda há muitos touros por aí, dispostos a serem sugados; morre um, pula-se para o próximo.

Outra coisa que chocou foi a reação popular à prisão de Eliana Tranchesi. Se a minha amostra (admitidamente restrita) de comentários na UOL for representativa, a população como um todo ficou satisfeita e até feliz. “Até que enfim esses ricos vão pagar!” Será que eles desconfiam que as facilidades da vida com a qual contam (roupas, aparelhos eletrônicos, comida, etc) existem apenas por causa da iniciativa dos mesmos “ricos gananciosos” que eles adorariam ver presos?

Esse sentimento popular, ainda que tenha sua parte de inveja, tem sim alguma justificativa. No Brasil, riqueza está, em geral, ligada à exploração, vide o número de políticos ricos e empresários que enriqueceram graças ao governo. Mas a distinção é essencial: quem enriquece por meio da extorsão, ganha na medida em que rouba dos demais. Quem enriquece no mercado, ganha na medida em que serve aos demais. A prisão de Eliana Tranchesi é apenas superficialmente similar à prisão de um político corrupto: ambos são ricos, é verdade. Mas o político enriqueceu às custas da sociedade, enquanto ela enriqueceu por prover à sociedade serviços úteis e eficientes; seu único crime foi não sacrificar seu negócio e sua vida para o bem-estar dos políticos sanguessugas e tantos outros louváveis servidores do bem comum.

Não se trata de defender a pessoa de Eliana Tranchesi, que não conheço, e nem a Daslu, à qual fui apenas uma vez em 2005 em visita de caráter antropológico (juro! Saí de mãos vazias!). Pra falar a verdade, acho a loja um tanto vulgar, a começar pela arquitetura neoclássica e pela ostentação vazia que é o propósito de tantos bens de luxo. Mas nada disso vem ao caso; minha má avaliação da loja traduz-se em não comprar seus produtos. Não a quero fechada e sua dona atrás das grades, tudo porque não sustentam os mentecaptos do funcionariado público. Todo mundo que já comprou de camelô ou sem nota fiscal, se é minimamente coerente, concorda comigo. 94 anos sem impostos, isso sim seria justo!

8 comentários:

Joel Pinheiro disse...

http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u545244.shtml

O secretário da fazenda de São Paulo ilustra bem a baixeza moral que eu tentei descrever.

Anônimo disse...

E se bobear aposto que a safada é branca e loira de olhos azuis...

Djalma disse...

Ótimo artigo,Joel .
Parabéns !

Anônimo disse...

Creio que vale a pena ressaltar que o crime da Eliana Tranchesi foi roubar sem ser do PT. Na verdade, sua prisão foi para tirar das primeiras páginas as falcatruas dos diretores da Camargo-Corrêa que são companheiros, enquanto o pessoal da Daslu é tucano.

Mas Joel, acho que você exagerou na crítica ao governo e aos funcionários públicos em geral. Não podemos declarar santos os empresários, vide a crise atual, e ter o Estado como fonte de todos os males, isso é muito simplista.

Joel Pinheiro disse...

Sim, sim, concordo com você: há empresários maus e funcionários públicos bons.

O que quis apontar é que, por detrás da prisão da Eliana Tranchesi e dos discursos inflamados dos políticos, está a crença de que o mercado é mau, ganancioso, explorador, e o governo é bom.

Mas o governo vive exclusivamente de sugar os recursos que vêm do mercado (isso não é exagero). Existe apenas porque explora (tira sem o consentimento da vítima) a população.

Já o empresário enriquece pelo mecanismo contrário: troca voluntariamente com seus consumidores; só ganha se fizer os outros ganhar.

Joel Pinheiro disse...

O incentivo, no mercado, é para ser bom. No governo, é para ser mau. Quanto mais governo, mais esse incentivo ao mal se fortalece.

Anônimo disse...

Ainda não concordo contigo. Creio que a sociedade deseja o Estado, e não para conseguir uma boquinha, mas para ter uma série de serviços que ómente uma instituição como ele pode prover, como: justiça, segurança, bens públicos e uma rede de proteção social aos menos assistidos.

Mas o que acontece é que o poder corrompe os governantes e faz com que eles o queiram cada vez mais, prejudicando a iniciativa privada. O Estado é em si uma idéia razoável, e acho que podemos dizer que até é boa, o problema é quando ele é auto-regulado e não tem limites de atuação previamente estabelecidos.

Joel Pinheiro disse...

Concordo que o Estado seja útil e importante.
Mas isso não muda o fato que o incentivo próprio do Estado seja na direção de querer cada vez mais e de dar serviços piores.

O Estado não depende da qualidade de seus serviços para sua arrecadação. E não importa qual o serviço, ele sempre poderia ser melhor, sempre está aquém do ideal.

Não tenho dúvidas de que o Estado é essencial. Mas sua existência sempre estará acompanhada dessa tensão, desse incentivo torpe, que demanda, portanto, pessoas mais virtuosas, mas que atrai muitas pessoas viciosas. Infelizmente, não vejo saída para isso.

Alguém quer o Estado para fazer "boquinha"? Assim, dessa forma explícita, imagino que poucos. Provavelmente alguns vereadores, deputados, etc.
Mas a pessoa pode estar atrás dessa boquinha sem que ela perceba que é isso que ela está fazendo.

Todo mundo que espera e demanda do Estado as necessidades da vida está, no fundo, atrás de uma boquinha. Os "direitos" à saúde, educação, moradia, alimentação, lazer, cultura, esportes, etc são todos formas de boquinhas.

E o pior é que isso cria um número cada vez maior de dependentes do Estado. Cortar gasto em QUALQUER área significa dizer NÃO a uma pessoa que precisa de um dado serviço. E como sempre aparecem pessoas novas, os gastos só podem crescer.

A população fica cada vez mais dependente e carente, mais incapaz de sobreviver por si mesma. A irresponsabilide é premiada (com serviços assistencialistas) e o trabalho é punido (com impostos).

Muitos políticos falam em corte de impostos. Mas algum fala seriamente em corte de gastos, que é a contrapartida necessária? Algum político alguma vez vai propor cortar gastos na educação, na saúde, no financiamento de empresas, ou mesmo nos esportes? Não.
A única proposta de corte de gastos é uma mítica "melhora da eficiência", que nunca vai ocorrer.

Enfim, o Estado tem que sempre ser fiscalizado e restrito. Espero que um dia cheguemos a um Estado pequeno. Mas pode ter certeza de que esse processo trará, no curto prazo, sofrimento pra muita gente.

Tudo isso para dizer que, sim, o Estado é necessário, mas, infelizmente, ele também carrega consigo incentivos muito ruins para a sociedade.