quarta-feira, setembro 30, 2009

Seria, a propaganda, do mal?

Qual é o grande problema com as propagandas? Por que é que todo mundo tem alguma propaganda que gostaria de proibir? O que está por trás dessa mentalidade, que vai aos poucos corroendo nossa liberdade de expressão?

Vimos recentemente a tirada do ar da infeliz campanha publicitária da Vovó Safalda, que fez sucesso entre a molecada conscientizada com seu sábio conselho à netinha: “Mas quem falou em casamento? Eu tô falando em sexo!”. Claro que é bem triste ver uma senhora, que devia ser respeitada por sua experiência e sabedoria, por sua capacidade de ir além dos desejos de curto prazo, capitular para a mentalidade de um adolescente tarado e hedonista. Se bem que, perto do que se vê na televisão, essa propaganda era até bem casta. É no mínimo curioso que sensibilidades que agüentaram incólumes décadas de Malhação e Xuxa tenham sido mortalmente feridas ao ouvir uma vovó dizer a palavra “sexo”.

Bom, não quero perder o foco. O fato é que alguém achou a propaganda ofensiva e ela foi tirada do ar. Isso já traz à mente vários outros casos parecidos: a Zeca-feira, a tartaruguinha cervejeira, as propagandas de cigarro. Nem sempre é a lei que proíbe; as próprias empresas já se auto-policiam e, temendo represálias do governo ou de grupos da sociedade civil (leia-se ONGs), controlam o que vai ao ar, buscando um equilíbrio meio dúbio. Coloca-se, em fast forward, o aviso “aprecie com moderação” depois de uma propaganda inteira, ou melhor, de uma cultura inteira, que grita com toda a força “beba SEM moderação”, “persiga o seu prazer SEM moderação”. “Ah sim!” deve exclamar o espectador; “eu iria ao bar para encher a cara, mas depois deste aviso sensato, acho que um copo é o bastante”. Chegou-se ao extremo ridículo em que as companhias de cerveja não mostram pessoas bebendo em seus comerciais. O ator olha a garrafa, segura a garrafa, sorri para a garrafa, e brinda; beber, nunca. Agora sim, a moral e os bons costumes estão a salvo!

As companhias entraram no jogo semântico de seus adversários. Sinto muito, mas a propaganda não visa apenas “garantir o direito à informação”. A empresa quer sim influenciar o público e aumentar suas vendas. Se se aceita a premissa de que a propaganda manipula o espectador, transformando-o num zumbi sem alma que quer apenas consumir, então não tem jeito, a empresa já perdeu. A defesa mais honesta da propaganda é a seguinte: sim, queremos influenciar o consumidor, mas ele vai comprar nosso produto apenas se quiser; a responsabilidade é dele. O mesmo com a propaganda de brinquedos. Há uma campanha crescente para que ela seja proibida e limitada de todas as formas, pois as crianças não têm discernimento para escolher. Ainda bem que não é a criança que tem poder de decisão sobre a renda da família, né?

Há algo de mau na cultura de indulgência e excessos em que vivemos? Sem dúvida. Ela é causada pela propaganda? É claro que não. A propaganda apela para desejos e pulsões já existentes nas pessoas. Se ela criasse esses desejos, manipulando as massas de pobres ignorantes, como afirmam tantos sociólogos conscientizados, então não existiria campanha publicitária fracassada. As propagandas que apelam ao hedonismo e à irresponsabilidade são efeito do hedonismo e da irresponsabilidade já existentes nos consumidores brasileiros. Os jovens querem beber até cair e guiar loucamente na volta para casa; então vamos proibi-los cada vez mais de beber, e proibir as propagandas de cerveja. Os pais já não cuidam mais dos filhos, deixam-nos na frente da TV o dia inteiro e compram tudo o que eles pedem; então vamos proibir as propagandas de brinquedo. O povo fuma sem pensar nos seus preciosos pulmões; então vamos proibir o fumo e a propaganda de cigarro. Isso só alimenta a irresponsabilidade. Quanto mais regras, quanto mais proibições, menor a autonomia individual, e menor a responsabilidade de cada um por suas ações. As pessoas se preocupam apenas em obedecer (para poderem, quando algo der errado, dizer “não foi minha culpa, eu segui as regras”) ao invés de agir da melhor forma possível.

Não adianta proibir a propaganda. Não adianta botar avisos no fim do comercial. Não adianta proibir toda nova atividade que apresente riscos de saúde. Isso é um controle tolo de sintomas que só ajuda o alastramento da doença. O problema real, a causa verdadeira, é moral e espiritual, ou seja, está nos valores pelos quais as pessoas vivem. Fazer escândalo quando esses valores são retratados no comercial é, no mínimo, ingenuidade. E todo o resto da cultura? Não deveria ser proibido também?

A saída moralista fácil (não alterar a realidade, apenas impedi-la de ser mostrada) encontra o anti-capitalismo normal do povo brasileiro (“lucro é mau”). E as empresas entram na dança, aceitando as premissas e o raciocínio, mas negando, sabe-se lá com que malabarismos retóricos, a conclusão: o homem não é responsável por suas escolhas, e portanto não deve ter a liberdade de escolher.

segunda-feira, setembro 14, 2009

15 anos de cursinho

É um fato bem conhecido que a educação no Brasil não está bem, embora nem sempre seja fácil apontar o que, especificamente, está errado. Uma recente pesquisa trouxe um pouco de luz ao problema, cujas origens podem estar no ensino fundamental: em países como Chile e Cuba (até em Cuba!), o professor passa a maior parte da aula voltado para os alunos, elucidando conceitos, respondendo perguntas e discutindo eventuais polêmicas; a lousa é usada como um apoio ao ensino. No Brasil, ela é a peça central da aula. O professor passa a maior parte do tempo de costas para a classe, copiando o que está escrito no livro didático, enquanto os alunos, por sua vez, copiam da lousa para os cadernos. Isso se ainda não perderam o interesse pela aula e, desistindo de anotar, conversam entre si.

A educação brasileira consiste essencialmente na cópia e na repetição dos conteúdos já extremamente simplificados e esquematizados dos livros didáticos. Esse padrão não é, infelizmente, restrito ao ensino fundamental (o que já seria preocupante), mas verifica-se ao longo de todo o sistema. Richard Feynman, prêmio Nobel de física, quando veio ao Brasil, ficou chocado em ver como jovens universitários tão inteligentes preocupavam-se apenas em memorizar, e não em compreender. Concluiu ele: “Por fim, eu disse que não conseguia entender como alguém podia ser educado neste sistema de autopropagação, no qual as pessoas passam nas provas e ensinam os outros a passar nas provas, mas ninguém sabe nada.” (Tirado do livro “O Senhor está brincando, Sr. Feynman?”.) Isso foi nos anos 50. Desde então, nada mudou.

Como recém-formado de duas faculdades paulistanas, observei a mesma coisa. Pouco entendimento, muito decoreba. Os conteúdos são ministrados visando apenas à prova ao fim do semestre, como se estivéssemos num cursinho pré-vestibular (que já é, por sinal, o modelo padrão do ensino médio). Do livro-texto para a lousa (ou para o slide de PowerPoint), da lousa para o caderno, do caderno para a prova. Vocês podem imaginar o quanto se perde a cada uma dessas passagens. O resultado são alunos bons em recitar informações, mas com enorme dificuldade em integrá-las num corpo de conhecimento utilizável fora da sala de aula. Enfim, do ensino básico ao superior, nunca saímos do cursinho.

Um cursinho que, ironicamente, não produz resultados. Os alunos do ensino básico brasileiro vão consistentemente mal em avaliações internacionais, ficando atrás de países como Jordânia, Tailândia e Bulgária (PISA 2006). E não é para menos: o cursinho funciona quando se tem um objetivo pontual e concreto em mente, como uma prova específica que se queira passar; quando se trata de educação num sentido mais amplo, de longo prazo, o modelo da memorização e repetição torna-se desestimulante, o que talvez explique, em parte, por que os estudantes demonstram tão pouco interesse pelas aulas na maioria dos colégios e faculdades.

sexta-feira, setembro 04, 2009

Mercado e governo: posturas opostas

Querido consumidor,

Nós, da Coca-Cola Company, estamos muito felizes que você goste de nossos produtos. Queremos sempre prover-lhe com refrigerantes da melhor qualidade. Contudo, como você deve saber, a quantidade de Coca-Cola não é infinita. Quando você compra suas três latas diárias, isso significa que outras pessoas ficam com menos Coca-Cola para elas, ou até sem nenhuma. Assim, vimos por meio desta pedir que você reduza seu consumo de nosso refrigerante para que não falte Coca-Cola a ninguém. Estamos considerando cobrar mais caro de pessoas que, como você, consomem demais.

Att,
John Pemberton


Nenhum de nós jamais recebeu uma carta dessas. Mas pode apostar que receberíamos se a Coca-Cola fosse estatizada. É assim com todos os bens e serviços cuja produção e distribuição o governo se apoderou (ou, o que é quase equivalente, deu direito de monopólio a uma empresa que é privada só no nome).

Transporte público, ruas, água, energia, saúde, educação, tudo isso falta e costuma ser mal-feito e ineficiente. Não pensem que o governo provê esses serviços porque são essenciais, e coisas essenciais não podem ser deixadas nas mãos do mercado. Ora, e comida não é essencial? Comida é produzida e distribuída privadamente. Já imaginaram como seriam as filas, e como seria a fome, se o Brasil estatizasse a alimentação?

A empresa privada visa a satisfazer seu consumidor, e alegra-se de que ele consuma seus bens; afinal, é esse consumo que garante sua renda, e que estimula a produção subseqüente de mais unidades. Quem consome em maior quantidade freqüentemente ganha descontos e prêmios. Já a “empresa” estatal está em guerra contra seus consumidores; quem consome mais é culpado e punido. Enquanto empresas oferecem “leve 2 pague 1”, as estatais promovem o racionamento.

Não estou dizendo que consumir mais seja sempre bom, longe disso. Mas consumir, ou seja, atender a desejos e necessidades humanos, é, em si, algo bom; aliás, as estatais existem com a finalidade expressa de permitir o consumo de seus bens e serviços; elas falham é em cumprir essa finalidade. E o motivo é bem conhecido: elas não precisam lucrar, porque sua renda vem dos impostos, e não precisam melhorar seus serviços, porque são monopolistas (e não porque conquistaram o mercado oferecendo o melhor serviço, mas porque o governo, além de financiá-las, limita a competição).

Se água, energia, transporte, saúde e educação são essenciais, então esse é mais um motivo para que elas não sejam deixadas nas mãos do governo.