Qual é o grande problema com as propagandas? Por que é que todo mundo tem alguma propaganda que gostaria de proibir? O que está por trás dessa mentalidade, que vai aos poucos corroendo nossa liberdade de expressão?
Vimos recentemente a tirada do ar da infeliz campanha publicitária da Vovó Safalda, que fez sucesso entre a molecada conscientizada com seu sábio conselho à netinha: “Mas quem falou em casamento? Eu tô falando em sexo!”. Claro que é bem triste ver uma senhora, que devia ser respeitada por sua experiência e sabedoria, por sua capacidade de ir além dos desejos de curto prazo, capitular para a mentalidade de um adolescente tarado e hedonista. Se bem que, perto do que se vê na televisão, essa propaganda era até bem casta. É no mínimo curioso que sensibilidades que agüentaram incólumes décadas de Malhação e Xuxa tenham sido mortalmente feridas ao ouvir uma vovó dizer a palavra “sexo”.
Bom, não quero perder o foco. O fato é que alguém achou a propaganda ofensiva e ela foi tirada do ar. Isso já traz à mente vários outros casos parecidos: a Zeca-feira, a tartaruguinha cervejeira, as propagandas de cigarro. Nem sempre é a lei que proíbe; as próprias empresas já se auto-policiam e, temendo represálias do governo ou de grupos da sociedade civil (leia-se ONGs), controlam o que vai ao ar, buscando um equilíbrio meio dúbio. Coloca-se, em fast forward, o aviso “aprecie com moderação” depois de uma propaganda inteira, ou melhor, de uma cultura inteira, que grita com toda a força “beba SEM moderação”, “persiga o seu prazer SEM moderação”. “Ah sim!” deve exclamar o espectador; “eu iria ao bar para encher a cara, mas depois deste aviso sensato, acho que um copo é o bastante”. Chegou-se ao extremo ridículo em que as companhias de cerveja não mostram pessoas bebendo em seus comerciais. O ator olha a garrafa, segura a garrafa, sorri para a garrafa, e brinda; beber, nunca. Agora sim, a moral e os bons costumes estão a salvo!
As companhias entraram no jogo semântico de seus adversários. Sinto muito, mas a propaganda não visa apenas “garantir o direito à informação”. A empresa quer sim influenciar o público e aumentar suas vendas. Se se aceita a premissa de que a propaganda manipula o espectador, transformando-o num zumbi sem alma que quer apenas consumir, então não tem jeito, a empresa já perdeu. A defesa mais honesta da propaganda é a seguinte: sim, queremos influenciar o consumidor, mas ele vai comprar nosso produto apenas se quiser; a responsabilidade é dele. O mesmo com a propaganda de brinquedos. Há uma campanha crescente para que ela seja proibida e limitada de todas as formas, pois as crianças não têm discernimento para escolher. Ainda bem que não é a criança que tem poder de decisão sobre a renda da família, né?
Há algo de mau na cultura de indulgência e excessos em que vivemos? Sem dúvida. Ela é causada pela propaganda? É claro que não. A propaganda apela para desejos e pulsões já existentes nas pessoas. Se ela criasse esses desejos, manipulando as massas de pobres ignorantes, como afirmam tantos sociólogos conscientizados, então não existiria campanha publicitária fracassada. As propagandas que apelam ao hedonismo e à irresponsabilidade são efeito do hedonismo e da irresponsabilidade já existentes nos consumidores brasileiros. Os jovens querem beber até cair e guiar loucamente na volta para casa; então vamos proibi-los cada vez mais de beber, e proibir as propagandas de cerveja. Os pais já não cuidam mais dos filhos, deixam-nos na frente da TV o dia inteiro e compram tudo o que eles pedem; então vamos proibir as propagandas de brinquedo. O povo fuma sem pensar nos seus preciosos pulmões; então vamos proibir o fumo e a propaganda de cigarro. Isso só alimenta a irresponsabilidade. Quanto mais regras, quanto mais proibições, menor a autonomia individual, e menor a responsabilidade de cada um por suas ações. As pessoas se preocupam apenas em obedecer (para poderem, quando algo der errado, dizer “não foi minha culpa, eu segui as regras”) ao invés de agir da melhor forma possível.
Não adianta proibir a propaganda. Não adianta botar avisos no fim do comercial. Não adianta proibir toda nova atividade que apresente riscos de saúde. Isso é um controle tolo de sintomas que só ajuda o alastramento da doença. O problema real, a causa verdadeira, é moral e espiritual, ou seja, está nos valores pelos quais as pessoas vivem. Fazer escândalo quando esses valores são retratados no comercial é, no mínimo, ingenuidade. E todo o resto da cultura? Não deveria ser proibido também?
A saída moralista fácil (não alterar a realidade, apenas impedi-la de ser mostrada) encontra o anti-capitalismo normal do povo brasileiro (“lucro é mau”). E as empresas entram na dança, aceitando as premissas e o raciocínio, mas negando, sabe-se lá com que malabarismos retóricos, a conclusão: o homem não é responsável por suas escolhas, e portanto não deve ter a liberdade de escolher.