quinta-feira, julho 15, 2010

Eleições Presidenciais ou "Dá pra tomar uma Kaiser antes?"

Já disse por aqui que gosto das eleições. Há um sentimento de esperança no ar. Claro que é ilusório; nada vai mudar. Nossa única escolha é a velocidade da corrida ao precipício. O sistema democrático impede qualquer mudança real, pois quem não agrada à maioria não ganha. Todos os candidatos são pela saúde, pela educação, pelo esporte, pelo emprego, pela cultura, pelos pescadores artesanais etc (leia-se: querem gastar mais nessas coisas). Onde estão os bons e velhos defensores da miséria, da fome, do desemprego e da poluição? Teriam meu voto.

O movimento pela diminuição dos impostos não importa absolutamente nada. Corte de impostos é uma bandeira popular, mas sem sua contra-partida necessária, o corte de gastos, que é muito impopular, é inofensivo: o dinheiro continuará a sair do nosso bolso. E corte de gastos não significa “aumentar a eficiência” (o que todos os candidatos obviamente prometem); significa, isso sim, demitir funcionários públicos em larga escala, acabar com a remuneração de cargos como vereador e deputado estadual e aceitar que não é papel do governo financiar a tudo e todos. Não há sequer um candidato com coragem para propor a eliminação de irrelevâncias como o ministério da cultura e do esporte. “O quê?? Tirar do esporte? E a Copa? E as Olímpiadas? E as nossas chances de ouro?” - Pois é, né? Será que quem diz isso já parou para pensar que, quem sabe, talvez, possivelmente, hipoteticamente, não seja obrigação do resto do povo pagar pelo ginásio e pelo treino dos atletas? Se nem aí vamos cortar, não percamos o sono com redução de impostos.

Na corrida presidencial atual, vejo-me particularmente sem opção. O meu voto natural seria para a direita reacionária ultra-liberal que é o PSDB. Mas toda vez que o Serra abre a boca para vomitar seu discurso desenvolvimentista aumenta meu desgosto. Do outro lado, no PT, aquela cujo nome não se deve mencionar afirma que “controle da inflação também é distribuição de renda”. Os lados mudaram, a moeda permanece. Um paradoxo desses só espanta a quem acredita que os candidatos estão aí para defender idéias, e não para saciar sua sede de poder cada vez mais descarada.

Enquanto isso, eis que surge Marina, uma candidata diferente, que quer um Brasil melhor e não está no mero jogo político dos demais. Sim, isso tudo envolto pela mesma vacuidade obrigatória do discurso padrão (que, na minha opinião, já deveria desqualificar o candidato). Os afeitos ao tédio podem ler as diretrizes do governo dela. Para quem tem mais o que fazer, uma citação aleatória:

f. Consolidação dos direitos coletivos e valorização da diversidade sociocultural e ambiental – Promover o desenvolvimento de políticas intersetoriais centradas nos territórios de forma a priorizar e apoiar de forma articulada os programas voltados às famílias e às escolas situadas em áreas de alta vulnerabilidade, combatendo as desigualdades regionais de forma a atender às demandas específicas de cada região.”

Agora imagine páginas e páginas disso. Por outro lado, pontos positivos: Marina vê com bons olhos a liberdade de escolas religiosas ensinarem o criacionismo (mesmo não sendo ela própria criacionista; nem eu, por sinal, mas longe de mim querer impor currículo) e é contra o aborto (embora o PV queira legalizá-lo). É uma pessoa boa, o que na política não é pouco. A parte mais bela da sua campanha é a fé na democracia. Não quer repetir o velho cabo-de-guerra entre situação e oposição, que trava todos os projetos importantes; não tem medo de admitir os pontos positivos das administrações passadas; não quer nem direita nem esquerda, mas à frente. Lindo.

Gosto da Marina da mesma forma que gosto das eleições, reconhecendo que meu sentimento se baseia numa ilusão. Pressupõe que a política seja capaz de resolver os problemas da humanidade. Com boa vontade, pessoas honestas num diálogo democrático chegarão às melhores leis e políticas para possibilitar uma boa vida aos cidadãos. Mas a experiência diz o contrário: quanto mais os políticos se metem em nossas vidas, pior elas ficam (ceteris paribus, sempre ceteris paribus).

A política não é a resposta. A fé que Marina tem na democracia é admirável se comparada ao cinismo maquiavélico de seus concorrentes, mas pode ser tão ou mais nociva que ele. Pois o corrupto competente sabe preservar a sociedade para não comprometer a estabilidade de seu poder. Já o idealista desastrado não hesita em destruir tudo que esteja no caminho dos seus “ideais”. Antes Luís XVI do que Robespierre! Verdade seja dita, Marina é aberta e disposta a ouvir - muito diferente, portanto, dos revolucionários franceses - mas mesmo assim seu ecologismo business-friendly e suas alusões a uma nova constituinte têm um potencial de desastre gigantesco.

Em quem votar, então? Não faço idéia. Como não estarei no Brasil, é uma escolha que não farei, mas conheço-me o bastante para saber que, mesmo odiando-o, votaria no Serra, e quem sabe na Marina no primeiro turno. As eleições passam e sigo guardando no peito a bela esperança de que um dia, num futuro indeterminado, a democracia, as eleições e toda a política sumam das nossas vidas.

segunda-feira, julho 12, 2010

Quem Causa a Causa Primeira?

A pergunta sempre aparece nas conversas do dia-a-dia. Alguém dá o argumento da causa primeira para provar que Deus existe e o outro retruca: “E quem causou Deus?”. Minha conclusão: o argumento foi ou mal entendido, ou mal apresentado.

Tudo o que existe precisa de uma causa. Portanto, para não se regredir ao infinito, é preciso uma causa primeira. Essa causa primeira é Deus. Convencidos? Eu não estou. Se tem uma coisa que esse argumento não prova é a existência de Deus. O ateu sagaz já percebeu: “Bom, se tudo precisa de uma causa, então Deus também precisa. E se nem tudo precisa de uma causa, por que o universo precisaria?” Vamos esclarecer melhor o ponto, pois nele escorregam muitos apologetas. Bem sei que nenhum ateu sairá da discussão convencido e rumo à igreja; mas o fortalecimento da base racional da fé tem sua importância nesse processo.

Ao argumento. A princípio, não se afirma que tudo precisa de uma causa; isso não é uma premissa. Analisando os seres do universo, como homens, cavalos e prótons, veremos que eles precisam de uma causa. O que os caracteriza? É o fato de que sua essência é diferente de sua existência. Termos estranhos, que precisam ser explicados e justificados para que saiam do campo dos contos de fada e entrem na filosofia. Dizer que a essência de um cavalo difere de sua existência significa dizer que mesmo que se conheça perfeitamente o que o cavalo é (digamos, a descrição perfeita de seu DNA com todas as possíveis variações), nem por isso saber-se-á se existe ou não algum cavalo no mundo. Pode ser que todos tenham morrido; pode ser que nunca tenha havido cavalo nenhum. Como descobrir se os cavalos existem? Não é pela mera análise de suas características. Temos que sair pelo mundo à procura deles. Sua existência (o fato deles existirem) não é dedutível de sua essência (o que eles são, a descrição de suas qualidades). Assim como penso em cavalo, posso pensar em unicórnio. Um existe e o outro não. Mas não há nada nas idéias de um e de outro que me diga isso.

Todos os seres do universo são que nem o cavalo e o unicórnio. Suas existências não estão dadas por suas essências. Chamamos a esses seres de contingentes: podem existir ou não existir. Logo, o universo, que é o conjunto, a complexa malha causal que une todos os seres, também é contingente. Ele poderia ser diferente do que é, e mais, poderia simplesmente nunca ter existido.

Todo ser contingente precisa de outros seres que o gerem e preservem. O cavalinho precisa da égua e do garanhão para nascer, e do feno para comer. O universo também. Se ele poderia tanto existir como não existir, é preciso um fator externo a ele que faça com que ele exista. Ou esse ser que causa o universo também é tal que sua existência seja distinta de sua essência, o que não resolve nosso problema (pois ele também precisa de uma causa), e podemos simplesmente classificá-lo como parte do universo; ou esse ser é de tipo diferente: ele é tal que sua existência está contida em sua essência. Se o conhecêssemos perfeitamente, concluiríamos sem sombra de dúvida, dedutivamente, que ele existe. Não é um mero ser contingente, e sim um ser necessário; um ser tal que seria impossível que ele não exista, pois isso contrariaria sua própria essência.

Não conhecemos diretamente o ser necessário para concluir sua existência a partir de sua essência. Mas dado que existem seres contingentes, o necessário tem que estar na origem do processo, se não ele nunca teria um motivo para começar (pois o motivo precisaria de um motivo e assim por diante). Este é o núcleo do argumento, e é o que deve ser discutido; notem que Deus nem deu as caras.

O último passo, que é o que gera objeções imerecidas, é dizer: “este ser é Deus”. Estamos só dando um nome ao ser necessário. Poderia ser “Javé”, “Alá”, “Rama”, “Google”. O problema verdadeiro reside no passo anterior, que é dizer que sem o ser necessário não poderia haver seres contingentes, afirmação com a qual concordo. Negá-la seria dizer que do nada absoluto pode aparecer um universo, o que basicamente obriga-nos a aceitar que qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento, e que nosso raciocínio, com base nas idéias de causa e efeito, e os princípios básicos da lógica que guia nossos pensamentos, não têm relação nenhuma com a realidade. E nesse caso, não só a prova do ser necessário seria falha, como mesmo toda a ciência e todos os nossos pensamentos seriam incapazes de nos comunicar qualquer coisa de verdadeiro.

Chamar o ser de "Deus" só aponta para o fato de que esse necessário concorda em gênero, número e grau com o que os teístas dizem a respeito do Deus no qual acreditam: ele é a causa de tudo, nada existe independentemente dele e é impossível que ele deixe de existir. O filósofo e o crente estão falando da mesma coisa; esse reconhecimento é, em geral, ponto pacífico; a questão é saber se o argumento que o filósofo está fazendo procede.

terça-feira, julho 06, 2010

Meditações Futebolísticas

Um dia negro foi a sexta passada nesta maldita Jabulândia. Queria ver bandeiras a meio-pau, roupas pretas e luto público; revolta popular e banho de sangue cairiam bem. Os jogadores que voltam para casa são desertores vergonhosos, culpados de alta traição; já para o pelotão! Minha geração nunca tinha passado por duas derrotas seguidas na Copa; é desumano. Naqueles últimos minutos... ah, os últimos minutos! No peito, o desejo de estourar uma bomba e estragar o dia de alguém. Calma. Respire fundo e conte até dez. Quase que a alma vai embora junto do hexa.

O que tem o futebol que mexe assim com os ânimos? Há o gosto universal pela competição e pela adesão a um grupo, claro. Mas por que o futebol e não outro esporte? Algumas características o distinguem. É um jogo de times (representam algo maior do que um indivíduo, como um tenista, que só muito secundariamente representa seu país), dinâmico, barato de jogar, estratégico mas com espaço para o talento individual. Acho que o aspecto essencial, contudo, é que pontuar é difícil. Um gol no futebol vale muito mais que uma cesta no basquete ou um ponto no vôlei. Nesses, a não ser que seja no momento da decisão, pouco importa uma pontuada, e por isso o jogo é menos empolgante. No futebol, há muito menos pontos, mas a possibilidade do gol sempre existe, o que cria uma tensão permanente. Um gol muda tudo, e por isso a explosão de alegria (ou ódio, ou frustração) quando acontece. Uma consequência disso é a possibilidade real da zebra: pequenos deslizes aqui ou ali dão a vitória ao time mais fraco; um gol na hora errada desmoraliza uma equipe forte e bota tudo a perder. A garra e a raça importam tanto quanto o talento, a estratégia e a técnica. O único que pode concorrer com o futebol em matéria de espetáculo público é o futebol americano - a tática amarradíssima e o mérito individual extraordinário na corrida rumo ao triunfo que é o touchdown; um jogo de gigantes. Mas o alto custo é um grande obstáculo a sua universalização.

Só consigo torcer de verdade na Copa. Cada seleção representa uma história, uma cultura, um povo, uma raça. Cada povo coloca ali os seus melhores para um duelo altivo, orgulhoso, uma verdadeira guerra patriótica onde nada menos que a honra de nações inteiras está em jogo. Claro que essa bela ilusão só perdura enquanto olhamos de longe. Chegando perto, que diferença! Quem são os franceses da França? E os alemães da Alemanha? E, mais grave, que tipo de gente compõe essa aristocracia esportiva? Olhem a cara de um Rooney e digam se ele aparenta qualquer traço de civilidade. De hedonismo troglodita talvez? A gota d’água é a glorificação das imagens dos craques nas campanhas publicitárias, na FIFA e na ONU. Beckham, Zidane, Ronaldo, astros Nike e Pepsi, modelos da juventude, nossos heróis; pose, atitude, aparência, mediocridade; a essência do marketing. A maioria deles nem sequer leva o país a sério, dando mais valor aos contratos com os times comerciais. Se Kaká se quebra na Copa, adeus Real Madrid.

O que me traz ao tema insondável da relação do torcedor com seu time, que não se associa a nenhuma população ou a o quer que seja. O que leva um paulistano a ser são-paulino, corintiano ou palmeirense? Os jogadores de cada time não obedecem a nenhum critério de origem; não há divisão por bairro, por etnia, por profissão, por nada. No passado, o Palmeiras era um time da imigração italiana; fazia todo sentido, então, que o descendente de italianos fosse palmeirense. Hoje ninguém representa nada. Quem ontem era de um time hoje é de outro. São só camisetas coloridas e publicidade. Simples assim. Quando assisto a um jogo de times, descubro para quem torço só durante a partida, o que pode inclusive mudar ao longo do jogo, tão subjetivo e aleatório é o torcer. É como escolher uma marca, Coca ou Pepsi, sem que haja refrigerante a ser provado. Prefiro Coca porque acho o gosto melhor; quem torce prefere seu time porque... o prefere; porque os pais torcem, porque os amigos torcem, porque ganhou um campeonato; nenhum motivo diretamente ligado ao torcedor. Devo admitir: sou santista - mas santista não-praticante! Se ouço dizer que o Santos vai bem, meu coração é tomado de uma leve alegria, que beira a indiferença. Há quem chore, grite, urre de alegria, brigue, mate e morra de frustração. Ou o homem é um bicho irremediavelmente esquizofrênico, ou há aí uma carência por algo maior, mais real, pelo qual sonhar, matar e morrer.

quinta-feira, julho 01, 2010

Duas Visões do Mal

Duas maneiras de encarar o mal não necessariamente contraditórias mas contrárias em espírito: uma o enxerga nos fins, a outra nos meios. É possível conciliá-las até certo ponto, mas em última instância uma domina a outra. Qual delas vence em cada mente creio depender mais do temperamento e da visão de mundo básica do que de algum argumento decisivo.

Para o partidário do mal dos fins, o mal do mundo é fruto de homens que, em conspiração, encaminham tudo para seus objetivos perversos, arrastando consigo uma multidão que percebe muito pouco, com maior ou menor clareza, do processo em andamento. Ele enxerga o mal agudo, concentrado, seja nos comunistas infiltrados, nas ONGs progressistas, nos grupos de mídia, na alta burguesia, nos maçons, nos judeus, nos jesuítas, no movimento islâmico global, no capital internacional ou nas farmacêuticas.

Já o partidário do mal dos meios o vê melhor distribuído. Para ele, o mal consiste na incompetência, preguiça, vaidade, inveja, enfim, nos vícios comuns que a todos permeiam. Seu efeito independe de conspirações, que podem até existir, mas são apenas uma ponta menor do espectro - agora ocupada por A, amanhã por B, que terá outros planos - que continuará sempre o mesmo. O grosso dos homens vive como sempre viveu, “casando-se e dando-se em casamento”, sem dar a mínima para idéias e ideologias; as mudanças são superficiais, pois permanece a mesma natureza. Todos os desígnios, bons e maus, tendem a resvalar para a mesma modorrência mesquinha de sempre, engolidos por um processo implacável de entropia moral.

Se o dos fins estiver certo, então o mal entrópico dos meios é um fenômeno de menor importância, pois acomete apenas as massas de manobra que as grandes mentes da humanidade, os reais motores da história, usam para concretizar seus ideais. No fim das contas, é quem escapa da entropia que faz a diferença, dedicando-se com habilidade e devoção completa a algum projeto. Esses escrevem a história; os demais são escritos.

Se o dos meios estiver certo, então mesmo a conspiração mais funesta não consegue botar seus planos em prática com a eficácia que gostaria, pois a preguiça, o desleixo e a vaidade afetam também a seus agentes. O mau profundo que alguns gostariam de instaurar (que na visão deles é o bem) não é o mau corriqueiro que acabam produzindo. Vide a revolução socialista do PT. Tudo converge para uma distribuição normal cuja média é negativa ou positiva dependendo do nosso pessimismo ou otimismo, mas nunca distante de zero. Os monstros são poucos, e muitos os sacaninhas.

O grande problema de ver o mal nos fins é transformar a moralidade no ter a opinião correta. Bom é quem defende as causas boas; mesmo que isso não se traduza em virtudes vividas. Quem olha para o mal dos meios, a não ser que seja muito cego, percebe o quanto fica aquém do que poderia ser. Seu risco é cegar-se para o efeito real que crenças e ideologias podem ter, devido à suposição de que todos têm, mal disfarçados por trás das crenças manifestas, os mesmos interesses fisiológicos. Quem se foca no mal dos fins está mais consciente dos movimentos do tempo e é menos sujeito a servir de besta de carga bem-intencionada de uma cultura maléfica.

Tendo espontaneamente para ver o mal nos meios, o que significa aceitar que ele é sempre mais comum e menos interessante, e próximo de casa, do que gostaríamos; e também que podemos confiar, em geral, na boa intenção, mas raramente na capacidade, alheia. Para compensar, preservo uma saudável intransigência nas opiniões. Nada de escorregar involuntariamente para algum plano maligno! A entropia moral é um fato vivido, e vejo-a atuando inclusive nos grandes nomes da história. Não é impossível agir com base em filosofias e ideologias distantes do curso da natureza (sem pessimismo: lembre-se que a natureza é, em si, boa); mas é difícil. É possível sair da entropia? É. Alguns saem. Virtudes, talentos naturais, pura força de vontade, graça divina; não sei como, mas volta e meia nos deparamos com algum santo ou gênio produtivo que nos mostra claramente tanto o tamanho do buraco quanto a possibilidade de atravessá-lo.