quinta-feira, julho 01, 2010

Duas Visões do Mal

Duas maneiras de encarar o mal não necessariamente contraditórias mas contrárias em espírito: uma o enxerga nos fins, a outra nos meios. É possível conciliá-las até certo ponto, mas em última instância uma domina a outra. Qual delas vence em cada mente creio depender mais do temperamento e da visão de mundo básica do que de algum argumento decisivo.

Para o partidário do mal dos fins, o mal do mundo é fruto de homens que, em conspiração, encaminham tudo para seus objetivos perversos, arrastando consigo uma multidão que percebe muito pouco, com maior ou menor clareza, do processo em andamento. Ele enxerga o mal agudo, concentrado, seja nos comunistas infiltrados, nas ONGs progressistas, nos grupos de mídia, na alta burguesia, nos maçons, nos judeus, nos jesuítas, no movimento islâmico global, no capital internacional ou nas farmacêuticas.

Já o partidário do mal dos meios o vê melhor distribuído. Para ele, o mal consiste na incompetência, preguiça, vaidade, inveja, enfim, nos vícios comuns que a todos permeiam. Seu efeito independe de conspirações, que podem até existir, mas são apenas uma ponta menor do espectro - agora ocupada por A, amanhã por B, que terá outros planos - que continuará sempre o mesmo. O grosso dos homens vive como sempre viveu, “casando-se e dando-se em casamento”, sem dar a mínima para idéias e ideologias; as mudanças são superficiais, pois permanece a mesma natureza. Todos os desígnios, bons e maus, tendem a resvalar para a mesma modorrência mesquinha de sempre, engolidos por um processo implacável de entropia moral.

Se o dos fins estiver certo, então o mal entrópico dos meios é um fenômeno de menor importância, pois acomete apenas as massas de manobra que as grandes mentes da humanidade, os reais motores da história, usam para concretizar seus ideais. No fim das contas, é quem escapa da entropia que faz a diferença, dedicando-se com habilidade e devoção completa a algum projeto. Esses escrevem a história; os demais são escritos.

Se o dos meios estiver certo, então mesmo a conspiração mais funesta não consegue botar seus planos em prática com a eficácia que gostaria, pois a preguiça, o desleixo e a vaidade afetam também a seus agentes. O mau profundo que alguns gostariam de instaurar (que na visão deles é o bem) não é o mau corriqueiro que acabam produzindo. Vide a revolução socialista do PT. Tudo converge para uma distribuição normal cuja média é negativa ou positiva dependendo do nosso pessimismo ou otimismo, mas nunca distante de zero. Os monstros são poucos, e muitos os sacaninhas.

O grande problema de ver o mal nos fins é transformar a moralidade no ter a opinião correta. Bom é quem defende as causas boas; mesmo que isso não se traduza em virtudes vividas. Quem olha para o mal dos meios, a não ser que seja muito cego, percebe o quanto fica aquém do que poderia ser. Seu risco é cegar-se para o efeito real que crenças e ideologias podem ter, devido à suposição de que todos têm, mal disfarçados por trás das crenças manifestas, os mesmos interesses fisiológicos. Quem se foca no mal dos fins está mais consciente dos movimentos do tempo e é menos sujeito a servir de besta de carga bem-intencionada de uma cultura maléfica.

Tendo espontaneamente para ver o mal nos meios, o que significa aceitar que ele é sempre mais comum e menos interessante, e próximo de casa, do que gostaríamos; e também que podemos confiar, em geral, na boa intenção, mas raramente na capacidade, alheia. Para compensar, preservo uma saudável intransigência nas opiniões. Nada de escorregar involuntariamente para algum plano maligno! A entropia moral é um fato vivido, e vejo-a atuando inclusive nos grandes nomes da história. Não é impossível agir com base em filosofias e ideologias distantes do curso da natureza (sem pessimismo: lembre-se que a natureza é, em si, boa); mas é difícil. É possível sair da entropia? É. Alguns saem. Virtudes, talentos naturais, pura força de vontade, graça divina; não sei como, mas volta e meia nos deparamos com algum santo ou gênio produtivo que nos mostra claramente tanto o tamanho do buraco quanto a possibilidade de atravessá-lo.

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