Imaginemos uma família comum. Toda semana a mãe faz as compras no supermercado. Essa família, portanto, importa comida (compram-na de uma fonte externa). O pai, ao se dar conta disso, tem o seguinte insight: “Ora, a comida é um bem fundamental. Não podemos ser dependentes de uma fonte externa para nos prover dela. Além disso, ao fazermos nossas compras no supermercado nós destruímos qualquer possibilidade de se produzir a comida aqui em casa mesmo, na nossa horta, o que destrói empregos aqui dentro. Portanto proíbo todos nós de ir ao supermercado.” Muito bem, todos cumpriram a ordem. De agora em diante, o pai e os filhos se matam de trabalhar na horta e no galinheiro para prover a casa com alimentos. Os filhos abriram mão da aula de inglês e o pai trabalha apenas meio-período fora de casa (ganhando menos) para produzir a comida necessária. Eles são de fato auto-suficientes em comida. Mas estariam mais ricos?
É evidente que não. A possibilidade de comprar comida a um custo mais baixo do que o que teriam para produzi-la em casa permite-lhes dedicar-se a atividades que satisfaçam necessidades e desejos que, se eles tivessem que produzir tudo o que comem, passariam não-satisfeitos. Os filhos têm emprego garantido na horta da casa; mas isso, longe de ser uma bênção, torna-os mais pobres, pois melhor seria se eles importassem sua comida do supermercado e pudessem se dedicar a funções mais proveitosas.
O mesmo ocorre com um país. É verdade: se abríssemos nossas fronteiras completamente a eletrônicos estrangeiros, nossa produção de eletrônicos sofreria; muitas fábricas fechariam. Mas isso é benéfico. Se a população consegue satisfazer sua demanda por eletrônicos a um custo mais baixo, isso libera os recursos e a mão-de-obra que antes eram destinados à produção interna de eletrônicos para a produção de produtos e serviços que satisfaçam outras demandas de nossa população. O pai da família, para produzir sua comida, teve que se contentar com um salário menor no escritório; também o Brasil, para proteger sua indústria, deixa de satisfazer as necessidades de sua população. É ótimo que uma indústria não-lucrativa (que não satisfaça os desejos da população a um preço que ela esteja disposta a pagar) feche as portas, pois assim os recursos e mão-de-obra anteriormente usados por ela irão para atividades mais proveitosas.
Imaginemos agora que um país qualquer consiga produzir soja de graça, e venda-a por 1 centavo a tonelada ao Brasil. Nossa população poderá consumir soja quase de graça; a fome estará resolvida, e o que as pessoas antes gastavam para comprar comida agora poderá ser gasto com outras coisas (livros, cinema, educação, carros, lápis de cor, etc). Toda nossa agro-indústria de soja irá à falência; os recursos liberados nessa falência serão destinados à satisfação dos desejos da população que ela agora pode saciar (livros, cinema, etc). A nação como um todo estará mais rica.
Nos encontros da ALCA e outros acordos entre governos discute-se muito quais barreiras serão levantadas e quais serão mantidas; quais setores favorecidos e quais prejudicados. Como vimos, essa discussão sequer deve acontecer. Ela só ocorre porque os governos têm que agradar aos diversos lobbies e indústrias dos quais seus votos dependem, e porque é difícil para a população perceber a relação entre uma liberalização da importação de soja e um crescimento do mercado editorial ou cinematográfico.
A única proposta racional quanto ao comércio internacional não passa pelas discussões entre governos, nem pelos “tratados de livre comércio” e nem por outras táticas de enganação mercantilista. Ela é muito mais simples: abolição imediata e irrestrita de todas as barreiras à entrada de produtos estrangeiros em nosso país. Se outros países quiserem também desfrutar dos benefícios do comércio podem abrir suas barreiras aos nossos produtos, mas isso não é necessário; a importação por si só já traz benefícios imensos.