sexta-feira, junho 16, 2006

O Hexa ou a Alma?

As bandeirinhas verde-e-amarelas espalhadas pela cidade não mentem: estamos em plena Copa do Mundo. Durante algumas semanas o brasileiro pode se dedicar exclusivamente à sua maior paixão. Os relacionamentos, o emprego, os estudos, a sociedade, até a alma, podem todos esperar; agora o que importa mesmo é a escalação do Parreira, o peso do Ronaldo e, acima de tudo, o “hexa”.

Isso é só um sintoma, um efeito em si mesmo pouco significativo, de uma condição muito séria de nosso país, e quiçá de muita gente ao redor do mundo: o futebol é, para muitos, o que de mais importante há na vida. Nada excita tanto os ânimos, nada leva as multidões a tamanha demonstração de êxtase e furor quanto a vitória de seu time. Não é exagero dizer que na vida de muitos ele desempenha o papel da religião; não é novidade ouvir falar de fanáticos que matam, ou até se matam, por causa de um time.

Não consigo conceber o vazio existencial que leve tantos indivíduos a uma distorção tal de seus valores. Como é possível que 22 homens chutando uma bola exerçam tamanho poder sobre o estado de espírito da multidão? Que importância pode isso ter na vida de alguém? Quem se transforma em uma pessoa melhor por sua causa? Só uma descontrolada e brutal animalidade pode explicar como um fenômeno dessa natureza seja condição necessária para a felicidade.

Alguns até aqui terão concordado comigo. "De fato, como é possível se divertir com o futebol enquanto o Brasil atravessa a crise atual? A seleção nada mais é do que uma ferramenta de manipulação social usada para pacificar o brasileiro, mantendo-o assim alienado da realidade política da nossa nação. A felicidade humana depende não de frívolos jogos, mas da sociedade que construirmos e dos representantes que escolhermos para nos liderar." Devo dizer, no entanto, que nutro ainda mais ojeriza por essa opinião do que pelo extremado amor ao futebol descrito acima.

Pobres daqueles cuja felicidade depende da política e da economia! Se dependesse do futebol, teriam ao menos alguns dias de vitória para comemorar. Na política, ao contrário, está bem claro que a situação é aterradora e nenhuma das alternativas traz consigo qualquer esperança real. Dadas as condições atuais, não é o futebol que nos aliena da importância da política; é a política que nos impede de aproveitar plenamente o futebol. E mesmo que assim não fosse, que grande realização pode o homem encontrar na política? Vive-se até se estabelecer o sistema perfeito, e depois? Assiste-se ao futebol?

Como ficarão, após o fim da vida, aqueles que depositaram suas esperanças no Ronaldinho e no Lula, agora que nenhum dos dois estará presente para salvá-los? Não é minha posição, de forma alguma, que futebol e política sejam irrelevantes e que devam ser tratados com indiferença. Eu mesmo gosto de torcer pela seleção; e também não nego a importância de se tornar o mundo melhor para todos nós. Mas ter em qualquer um desses o fim máximo, o objetivo principal, de uma vida, é uma tolice monstruosa; é procurar a felicidade onde ela não pode em hipótese alguma ser encontrada, e se deixar levar por ilusões vazias e momentos de prazer. É trocar o eterno pelo temporário.

Muitos se esqueceram, mas hoje foi dia de Corpus Christi. Comemora-se a instituição da Eucaristia. Nosso Senhor, por meio de seu sacrifício na cruz, ofereceu a todos os homens a possibilidade do perdão de seus pecados e de alcançar, em Deus, a felicidade eterna. Dos que se lembraram, não poucos aproveitaram para pedir a vitória de seu time ou a eleição de seu candidato. Do corpo e sangue de Cristo, da eternidade, da salvação da alma, ninguém quer saber; afinal, É COPA DO MUNDO! O HEXA É NOSSO!!

11 comentários:

Anônimo disse...

Olá!
O artigo de hoje revela uma triste situação que o nosso país atravessa. Mostra um lado também de uma nação que carece de heróis nacionais e de alegrias. Por mais que tenham se esforçado no sentido de criar um herói que representasse o nosso povo e despertasse em nós um sentimento nacionalista, a verdade é que nossas principais referências estão no esporte, já que a maios parte da nossa população está completamente alienada sobre o que se passa na política e na economia do nosso país!
E não sei dizer se feliz ou infelizmente a Copa do Mundo é um dos poucos momentos em que sentimos orgulho de ser brasileiro. Nem que seja um pouquinho só...
Esse texto me lembrou de um livro do Imortal José Murilo de Carvalho, chamado "Os bestializados" que apesar de não ter nada a ver com futebol, me lembrei na hora de ler esse artigo.... Vale a pena ler!
Não custa dizer que o autor está de parabéns! ~.~
Um abraço!!!

Anônimo disse...

Boa reflexão, Joel.

Mas, "A seleção nada mais é do que uma ferramenta de manipulação social usada para pacificar o brasileiro, mantendo-o assim alienado da realidade política da nossa nação" não dá, né!!
Na minha opinião, o único ponto negativo do seu excelente artigo.

Joel Pinheiro disse...

Essa é exatamente o tipo de opinião a que eu tenho ainda mais ojeriza do que o amor desmedido pelo futebol.
Deveria ter deixado mais claro.

Anônimo disse...

Joel, sobre o título do seu artigo, o Hexa e a salvação da alma são excludentes entre si?
Pq eu acredito que podemos conquistar ambos! =D

Ana Luiza, eu até concordo um pouco com o Joel disse sobre ser utilizado como instrumento de manipulação sim... Mas sem esse radicalismo todo... Não consigo lembrar qual foi a CPI que o congresso deixou de fazer pq os deputados não queriam perder os jogos da copa. Alguém ligou pra isso? Alguém comentou?
As pessoas e a imprensa estão tão ligadas na campanha pelo Hexa que repartições públicas não funcionam, médicos não comparecem ao hospital, professores deixam de dar aula durante o dia inteira, quando o jogo foi apenas às 4 da tarde! E alguém tá ligando pra isso?
Na verdade, eu acho que a diferença é que eu acredito que o povo não está sendo manipulado, mas alienado mesmo...
Um abraço!

Joel Pinheiro disse...

Bom, espero que as aspas que eu acabei de colocar no texto deixem claro que eu não partilho, de forma alguma, com a afirmação: "A seleção nada mais é do que uma ferramenta de manipulação social usada para pacificar o brasileiro..."

Joel Pinheiro disse...

Sim, Sonja, é perfeitamente possível conquistar o hexa e se salvar.
O que eu quis dizer, com meu artigo, e parece que não consegui me expressar direito, é que não há salvação (ou seja, felicidade eterna) para quem valoriza mais bens menores (como o futebol, a política, etc) do que a Deus.

Anônimo disse...

bom, antes de tudo, vou já esclarecer que sou fanático por futebol. não a ponto de minha felicidade depender ou não disso, mas é uma coisa que me interessa, como outras várias. enfim.
um time de futebol pode explicar muitas coisas; mais até do que uma seleção nacional. o meu time, eu escolho (ou tenho a ilusão de que), e o país em que nascemos não é nossa escolha.
mas, infelizmente, não se vê nenhum "sentimento de nação" maior do que na copa do mundo. não culpo tanto as pessoas como culpo a imprensa, que ignora todos os fatos que acontecem fora da alemanha. mas de toda forma, o futebol é um esporte e uma forma de se divertir, do mesmo jeito que a política (serve só prá se divertir, porque não parece nada levada a sério, ultimamente... haha)
depois de tudo isso (a parte inútil toda), eu discordo, acho que a felicidade sim pode ser encontrada nas coisas maís frívolas. tem gente que encontra em deus, tem gente que encontra num churrasco no final de semana, tem gente que não encontra nunca, que encontra em alguém. "outras vezes, posso ouvir passar o vento. e só por isso, já valeu a pena ter nascido" - fernando pessoa
cabe a cada um de nós encontrar o nosso vento...

Joel Pinheiro disse...

Quem valoriza mais os bens menores do que o Bem Absoluto pode encontrar alegria passageira. Quando o amigo se vai, quando os churrascos acabam, com eles vai-se essa ilusória felicidade.
Ao se prefeir o bem menor ao bem maior, termina-se sem nenhum dos dois.

Por outro lado, quem mantém uma correta ordenação de seus valores e ama a Deus, o Bem Absoluto, sobre os bens relativos (todas as outras coisas boas) é capaz de verdadeiramente apreciar a todos eles e ser feliz; não só nas situações e alegrias passageiras dessa vida, mas pela eternidade.

Anônimo disse...

Joel, o que vc chama de bem, são apenas valores!
E discutir valores é algo muito complicado... Eu compartilho o memso ponto de vista que vc simplesmente pq fui criada num lar que considera que valores cristãos são importantes. Mas não podemos achar que todo mundo tem que concordar com isso!
Aliás, eu achava mesmo e continuo achando em parte que churrasco, futebol, amigos, baguncinha, shows, comprar um carro, arranjar um namorado faz parte da felicidade sim! E negar que isso traz uma certa satisfação seria uma hipocrisia danada!
Uma questão importante que se deve levantar e que eu acho que vc chegou a fazer de forma implícita é que lugar, que espaço, que importancia essas coisas devem ter em nossa vida. E a gente vive numa sociedade em que estas coisas são prioridades para a maioria das pessoas!
Mas isso são valores, é muito chato de se discutir pq cada um tem o seu e não está muito afim de abrir mão de seu jeito de pensar e encarar a vida por causa da salvação da alma, felicidade eterna ou o que for!
O que para vc é "bens menores" para outra pessoa pode ser um objetivo de vida. O qu epara vc é um "bem maior", para outras pessoas é muito questionável...
O grande problema desse blog é que vcs partem da premissa de que estão falando uma verdade. Quando estão produzindo apenas um discurso. (li muito foucault para aprender isso e é a primeira oportunidade fora do meio academico que pude usar em alguma coisa!)
Vc deve ser uma pessoa muito especial por pensar assim viu! É muito raro hj em dia encontrar alguém que esteja preocupado com esse tipo de coisa.
Tbm ando em busca da felicidade eterna... Mas primeiro tive que experimentar decepções muito grandes com aquelas mais "êfêmeras"! Só assim que a gente para para pensar no que realmente quer para nossas vidas e qual o caminho devemos trilhar para alcançar essa tal felicidade viu! Não é fácil...
Um abraço!

Anônimo disse...

Ahh tá..
Joel, ficou claro sim. A leitura é que foi deficiente...

Luiz Felipe Amaral disse...

Eu só sei que se minha alma não puder ser salva o Hexa poderia ser um pequeno consolo.

Brincadeira. O texto tá bom, acho que existem alguns exageiros, mas a linha geral dele é válida.