segunda-feira, junho 26, 2006

As reais ameaças à paz mundial

O presidente George W. Bush esteve nessa última semana na Áustria. Lá, um jornalista lhe perguntou acerca de uma pesquisa segundo a qual para a população européia os Estados Unidos da América ameaçam mais a paz mundial que o Irã. Se isso é verdade? Não.

É falacioso julgar a ameaça que um país provoca à paz mundial exclusivamente por sua política externa, ou então considerar esse fator como predominante. A medida principal para essa ameaça não é a política externa, mas a interna; e o motivo é simples: a primeira é determinada quase que exclusivamente pela segunda, os outros determinantes são simplesmente conjunturais. Peço que o leitor considere esses exemplos: a Europa após a Segunda Guerra Mundial, na sua parte Ocidental, é verdade, retornou brava e brevemente à democracia; o mesmo acontece com o Iraque atual. Contudo, caso o resultado dessas guerras tivesse sido o contrário, quais garantias temos de que os nazistas não continuariam em seu caminho de dominar o mundo ou que Saddam Hussein não invadisse o Kuwait mais uma vez. Um país que considera determinados valores tão superiores que os impõe a totalidade de sua população, certamente, dada a oportunidade, não terá reservas a os impor a outras nações. E, infelizmente, existem vários desses países.

No Irã, não há liberdade de expressão, censura é mantida em relação às artes e à literatura e o Estado se reserva o direito de torturar seus cidadãos. Na Arábia Saudita, mulheres na podem dirigir ou andar de bicicleta em grandes cidades, também estão sujeitas a limitações na educação e são forçadas a aderir a um código de vestimenta; lá, como no Irã não existe liberdade de expressão ou imprensa; ademais, partidos políticos e passeatas públicas são proibidas e todas religiões que não o Islamismo são ilegais (o governo tem o direito de invadir casas para procurar Bíblias, por exemplo).

Na República Popular da China, grupos dissidentes do governo são presos (muitas vezes sem julgamento), liberdades de associação e reunião são em alguns casos fortemente restritas, há forte censura e os cidadãos são obrigados a pedir permissão ao governo para mudar suas residências do campo para as cidades. Na Coréia do Norte, as liberdades são ainda mais restritas e existem indícios de campos de detenção, com prisioneiros estimados entre cento e cinqüenta e duzentas mil pessoas; aparentemente esses são lugares de fome, estupro, tortura, assassinato e trabalho forçado.

Há uma grande diferença entre o ideal de liberdade e os outros ideais: o primeiro não exclui os outros. A recíproca é tragicamente verdadeira. A liberalização da Europa no pós-guerra e do Iraque atual, portanto, são extremamente distintas da revolução gramsciana (que “é melhor porque não tem as vítimas das revoluções ‘tradicionais’”), ou das revoluções fundamentalistas islâmicas. Não faz sentido a afirmação que houve uma imposição da liberdade, ela significa que houve a imposição de todos os valores e, assim, de nenhum.

Os EUA estão longe de ser maior ameaça à paz mundial que o Irã. Também que a Arábia Saudita, a Coréia do Norte e a China. E todos aqueles estimam algo diferente da liberdade como valor fundamental.

Um comentário:

Joel Pinheiro disse...

Concordo que os EUA não são a maior ameaça à paz mundial.
Por outro lado, será que as guerras que eles têm travado recentemente têm de fato espalhado a liberdade aos povos vencidos?

Obviamente não. Os EUA têm espalhado o governo democrático, que não pode de forma alguma ser confundido com liberdade. Há e houve monarquias mais livres do que os Estados democráticos modernos.