sábado, outubro 28, 2006

Não Existe Almoço Grátis

“There’s no such thing as a free lunch” - diz um popular ditado da língua inglesa, muito caro às ciências econômicas. Em português, “não existe almoço grátis”. A lição que ele ensina, embora muito simples, é comumente ignorada. Antes de se explicitá-la, no entanto, é preciso distinguir entre duas possíveis interpretações, uma superficial e outra mais profunda.

A primeira, superficial e até errada em muitos casos, é aquela que lê no ditado a afirmação de que toda a humanidade é interesseira e egoísta. “Não existe almoço grátis”, ou seja, se você acha que alguém lhe dá algo de graça, engana-se; por trás de todo presente dado existem segundas intenções e desejos velados. Se ganhamos algo hoje, é porque seremos cobrados amanhã.

Nem toda aparente boa ação é desinteressada; isso ninguém nega. Mas também existem aquelas feitas por bondade e amor, sem nada exigir. É digna de pena a opinião segundo a qual o homem é puramente egoísta, muito embora o egoísmo seja uma realidade evidente da existência humana. Assim, o ditado é um lembrete de que as aparências de boa fé e honestidade podem nos enganar. Entretanto, uma interpretação mais profunda existe.

Uma interpretação mais profunda, ainda que mais simples. “Não existe almoço grátis”; isso não quer dizer que quem recebeu o almoço terá que pagar por ele de alguma forma. Mas se não for quem comeu, será outra pessoa. Todo almoço é pago por alguém. Muitas vezes ganhamos algum benefício, algo que ajuda a melhorar nossa vida, e não arcamos integralmente com seu custo. Como a riqueza não sai do nada, se não fomos nós que pagamos, foi alguma outra pessoa. Num almoço entre amigos, se um deles comeu mais do que pagou, é porque outro pagou mais do que comeu.

Na política essa simples verdade é esquecida. Parte da população quer um serviço, e não quer pagar por ele; quem pagará? O governo! Mas o que isso significa? Significa que a outra parte da população pagará pelo serviço por meio de impostos. Seria essa uma situação equivalente ao almoço entre amigos? De forma nenhuma: entre os amigos, aquele que pagou a mais o fez voluntariamente, por amizade, e ao fim da refeição todos estavam mais felizes do que antes. Já no caso do governo ocorreu o exato oposto: quem pagou a mais do que recebeu foi obrigado, sob ameaça de violência física, a fazê-lo; imposto é o contrário de contribuição voluntária; o serviço provido pelo Estado é a negação da ação caridosa.

O governo não gera, nem poderia gerar, riqueza nenhuma; apenas tira-a de uns para dá-la a outros (perdendo uma parte dela no processo). Esperamos que ele arque com o custo de escolas, faculdades, ruas, hospitais, novas empresas, filmes. Assim, aceitamos implicitamente que pessoas sejam forçadas a pagar por coisas das quais não poderão usufruir. “Não existe almoço grátis”; se você não estiver pagando, pode ter uma certeza: alguma outra pessoa está.

5 comentários:

Anônimo disse...

Texto excepcional, Joel. Um de seus melhores, dos que já li.

Engraçado, nunca tinha pensado na primeira interpretação do ditado.

Só um pequeno reparo: não acho que o governo ameaça nenhum cidadão com violência física. Pelo menos, não a pagar impostos. Ninguém é preso por dívidas.Acho que a sanção seria uma restrição de direitos ou, no máximo, uma ameaça psíquica.

Outra coisa: sabe de onde é a origem da frase-título? Ouvi dizer uma vez que foi Milton Friedman que a cunhou. É verdade?

Bom, é isto.
beijos

Anônimo disse...

"Só um pequeno reparo: não acho que o governo ameaça nenhum cidadão com violência física. Pelo menos, não a pagar impostos. Ninguém é preso por dívidas.Acho que a sanção seria uma restrição de direitos ou, no máximo, uma ameaça psíquica." Desculpe, mas sonegar impostos é crime sim! (Lei 4.729)

Muito bom texto. Só precisamos sempre verificar se realmente há transferência de renda quando o governo cobra seus impostos, ou seja, que não existe uma elite rent-seeking se alimentando deles.

Abraços.

Joel Pinheiro disse...

Obrigado pelos elogios, Gabi.

Por que as pessoas pagam impostos? Não é por livre e espontânea vontade.
De fato, no Brasil de hoje em dia poucos são punidos por sonegação. Mas a punição é sempre uma possibilidae. Se todo mundo soubesse que não haverá punição nenhuma, então pouquíssimos pagariam qualquer coisa.
E seja qual for a punição prevista, seu fundamento último é sempre a força física sob comando estatal. Em última instância, as leis de qualquer sociedade só valem na prática porque quem as promulga tem o poder de fogo para coibir quem delas discorde.

Não sei quem cunhou a frase. Friedman é uma boa possibilidade. Talvez seja mais antiga.

Joel Pinheiro disse...

Boa lembrança, Gillon: no Brasil o que ocorre é algo ainda mais perverso.
A riqueza é tirada da sociedade para sustentar a máquina estatal, funcionários públicos ociosos e agregados que em nada contribuem para o país.

E a redistribuição que ocorre de fato é em muitos casos dos mais pobres PARA os mais ricos! Lembremo-nos apenas da USP, nossa universidade, gratuita para nós e paga por muita gente que não teria qualquer ambição de cursá-la.

Luiz Felipe Amaral disse...

Segundo a Wikiqoute, o Milton Friedman, por mais que tenha usado extensivamente a frase, não a cunhou.