quarta-feira, abril 16, 2008

Conhecendo o Sentido da Vida

“Você sabe qual é o sentido da vida?” – “Sim.” Parece arrogante, não é mesmo? “Qual é o sentido da vida?” é o exemplo máximo de pergunta irrespondível por excelência. O sentido da vida é aquilo que todo ser humano anseia saber, mas que nunca alcançará plenamente; e sentimos que, se fosse porventura alcançado, a própria vida perderia um pouco da graça. Se eu já possuo o sentido da vida, o jogo acabou; já posso sentar e esperar.

E, no entanto, todo mundo que tem uma religião, no fundo, julga que conhece a resposta. Eu tenho religião: sou católico. Portanto, sou um daqueles que julga conhecer a resposta. Arrogante, não?

Não necessariamente! E aqui faço uma distinção: uma coisa é conhecer exteriormente, ou em linhas gerais, o sentido da vida; e isso eu conheço: fazer o bem; a santidade; amar a Deus; Jesus Cristo (apesar da diferença de grafia, os quatro dizem a mesma coisa). Isso eu sei, e posso dizer que já dá uma bela luz à questão “qual o sentido da vida?”; dá uma finalidade, uma direção e um sentido. Mas não dá a rota individual que cada um terá que traçar!

Como eu disse, esse conhecimento pode ser chamado de “exterior”. Ele é universal e válido a todos os homens; dá-nos as coordenadas principais sobre como viver. Mas não diz, para cada um de nós, o que fazer em cada situação, e como coordenar esses fins com nossa situação individual, concreta e única. Uma coisa é saber que temos que ser bons; outra é descobrir no que, para cada um de nós, consistirá esse bem a ser vivido; e é esse o conhecimento “interior”.

Deus é o sentido da vida? Sim! Mas o que é Deus? Como o conheço? A princípio, podemos apenas enumerar aquilo que Deus não é: Ele não é corpóreo; não é finito; não tem qualquer limitação. Em suma, é totalmente diferente de tudo o que conhecemos. Mas, se consideramos que as coisas criadas, de forma finita e parcial, refletem algo do Criador, e, ainda mais, se aceitamos que cada ser humano é uma imagem de Deus, e ainda que Cristo é Deus feito homem, então podemos começar a conhecê-lo diretamente. Mas esse conhecimento, que de fato preenche aquela noção, inicialmente negativa, que temos de Deus, depende da experiência; ou seja, depende da vida de cada um. E como o ser de Deus é infinito, infinitas vidas diferentes podem levar a infinitos conhecimentos diferentes. Claro, isso não nega a realidade objetiva; há coisas (e, principalmente, privações de coisas) que simplesmente não refletem Deus; e sempre que houver contradição entre duas afirmações, é óbvio que uma delas está errada. Não se nega a realidade objetiva, e nem a unidade da verdade, ao se aceitar que diferentes perspectivas levem a diferentes visões do mesmo objeto.

É importante frizar que não falo da distinção entre meta e caminho. Tanto a meta quanto o caminho podem ser conhecidos de ambas as formas. Cristo, Deus, Igreja, sacramentos, graça. Sei o que é a Igreja, sei porque ela foi estabelecida; qualquer um pode saber isso. Mas que papel específico eu terei nela e como os canais da graça divina que ela nos disponibiliza afetarão a minha vida, isso é algo que apenas eu posso saber, e que estou em constante processo de descoberta.

Assim, conhecer perfeitamente o sentido da vida e, ainda assim, buscá-lo com todas as energias, não são contraditórios. O que muda é a forma na qual o conhecemos. Exteriormente, e esse conhecimento, de fácil comunicação, é o mesmo e invariável para todos; ou interiormente, e esse conhecimento, que relaciona o indivíduo com o absoluto, é particular a cada um, e só o descobrimos conforme vivemos – e apenas se nos mantemos firmes nos conhecimentos da primeira forma, que são absolutamente verdadeiros e confiáveis, embora não esgotem o que é a vida espiritual para cada um. O mapa nos dá conhecimento verdadeiro sobre a ilha; mas só podemos dizer que a conhecemos se já pisamos em seu solo – contudo, se quisermos desbravá-la sem o mapa, vamos simplesmente nos perder.

É arrogante dizer que se conhece o sentido da vida? Se isso significa que supomos ter desvendado os mistérios de Deus e do homem, e que sabemos o que é melhor para cada pessoa em cada situação, então certamente é. Mas se apenas aceitamos que, por nenhum mérito nosso, conhecemos aquilo que devemos mirar e pelo qual devemos viver, então não; pelo contrário, é o primeiro passo da humildade que reconhece a insuficiência do homem e permite que ele dê passos concretos em direção a algo que não o seu próprio capricho.

3 comentários:

Thomas H. Kang disse...

E aí, Joel!

Bom post, acredito que estamos novamente de acordo pelo menos parcialmente.

Dentro do protestantismo, o teólogo Dietrich Bonhoeffer (que inclusive foi morto em um campo de concentração por se opor ao regime nazista) escreveu que apenas Deus de fato tem o conhecimento pleno acerca do bem e do mal e que, portanto, só nos resta obedecê-lo em confiança. Isso pressupõe um relacionamento entre Deus e o indivíduo. Acho que é um pouco diferente do que disseste, mas estou apenas lançando aí um ponto de vista a mais.

Abs.

PS: Conheci o teu amigo que faz mestrado aqui na USP, também co-blogeiro do tavista (ao menos teoricamente, hehe).

Joel Pinheiro disse...

Olá Thomas!

Acho que a teologia protestante peca por um excesso de irracionalismo e de impossibilidade de se conhecer qualquer coisa (esses alemães... ou é mística, ou é nada).
Mas, em todo caso, que se deva ter uma relação pessoal com Deus, nisso estamos de pleno acordo.

Pois é, o Luiz mencionou outro dia que te conheceu! Muitas discussões no bandeijão?

Thomas H. Kang disse...

Joel!

Com todo o respeito, não concordo plenamente com o "excesso de irracionalismo", hehe. Bem, nesse caso do Bonhoeffer, a crítica faz algum sentido, mesmo que se discorde dela. No entanto, não sei se isso é generalizável para a teologia protestante como um todo. Temos céticos racionalistas como Bultmann (que deve ser criticado por ser quase um ateu, hehe) como também místicos como Kierkegaard. Não é por não termos um sistema fechado e bonito como o aristotélico-tomista que torna nossa teologia excessivamente irracional. A crítica contrária poderia ser feita à teologia católico-romana.

Mas também minha intenção não é criar uma disputa em torno de qual teologia é melhor, hehe. Acho que, se concordamos que devemos ter uma relação pessoal com Deus, estamos de acordo em algo fundamental (papinho ecumênico, mas é o que eu acho nesse caso).

Pois é, acho que o Luiz anda muito preocupado com o Mas-Collel pra discutir muito, eheh. Outro dia podemos combinar um bandeijão caso tu ainda andes pela fflch.

abs!