segunda-feira, abril 07, 2008

Cientistas anti-científicos

Os genes estão na moda. Agora todo comportamento humano é explicado biologicamente: primeiro, procura-se uma área do cérebro ao qual ele está ligado; em seguida, elabora-se um argumento ou modelo para mostrar como ele garante vantagens reprodutivas. Pronto! Já se pode atribuir, como causa do comportamento, um punhado de genes. É o que tem sido feito com a religião e com a moral, numa empreitada particularmente desastrada de alguns biólogos contemporâneos.

“Os homens têm preocupações morais. Certas áreas do cérebro se ativam quando eles pensam em termos morais. Com efeito, um homem que agisse moralmente teria mais chances reprodutivas do que um que não agisse. Portanto, a moralidade nada mais é do que um instinto favorável à reprodução humana e que foi, por isso mesmo, selecionado.” Esse é o tipo de argumento. Qualquer comportamento poderia ser explicado assim. Homens ao redor do mundo constroem casas. Certamente, há áreas do cérebro ativadas para se desenhar e construir uma casa, e elas estão ligadas a genes. Não há a menor dúvida de que quem constrói casas tem mais chances de sobreviver e se reproduzir do que quem dorme ao léu. Portanto, podemos postular um “instinto de construir casas”.

É claro que não construímos casas por “instinto”, por algum impulso pré-racional determinado pelos genes. Essa explicação é irrisória, pois ignora aquilo que verdadeiramente explica esse comportamento: a razão. Observamos que certas coisas nos são más e agimos de forma a preveni-las. Dormir ao relento traz sérios riscos; percebemos que, com algumas pedras e um pouco de trabalho, podemos nos proteger; assim, resolvemos o problema. Com a moralidade e a religião é a mesma coisa: são resultados de processos mentais humanos visando entender o mundo, agir de forma a viver melhor, etc. Toda explicação evolucionária torna-se, na melhor das hipóteses, supérflua, quando nos lembramos que o homem é um animal racional que procura conhecer e agir com propósitos. Não é preciso recorrer a nossos avós para explicar algo que, conosco, já faz sentido.

A segunda deficiência das explicações evolucionárias para os comportamentos humanos é sua total falta de evidência. Um cientista faz um modelo no qual ele mostra que os efeitos de, digamos, ter uma religião, são positivos para a propagação de um gene. Em primeiro lugar, é claro que nenhum modelo de computador leva em conta os incontáveis fatores que afetam nossa reprodução; todo modelo que tente representar a vida humana contém, em alguma medida, a arbitrariedade do programador. Mas, mesmo assim, podem dar explicações plausíveis. Contudo, o meramente plausível não é necessariamente verdadeiro. Onde está a evidência empírica de que, em algum momento da história, houve populações humanas sem “instinto moral”? Não existe.

Assim, as explicações evolucionistas para o comportamento humano não têm evidência empírica e são supérfluas. Por que, então, têm feito tanto sucesso? Note-se que nenhum cientista jamais falará em “instinto de construir casas”, mas “instinto moral” tem sido amplamente divulgado. A razão é muito simples, e muito pouco científica: o desejo de desqualificar a moralidade objetiva e a religião.

Se se aceitar que, por exemplo, a religião nada mais é do que um instinto advindo de genes que ajudavam a sobrevivência humana no ambiente ancestral, não é preciso nem discutir seus méritos enquanto crença; ela está desqualificada a priori. A questão acerca da verdade de uma dada religião nem sequer emerge, pois mostrou-se que a origem da religião está nos genes, nos instintos, e não na tentativa de se conhecer a realidade. Todo homem racional, portanto, não se deixará levar por esses impulsos animais.

Ótimos cientistas naturais podem ser péssimos filósofos. Assim, todo cuidado é pouco quando nos deparamos com respeitadas autoridades científicas que insistem em misturar, aos seus trabalhos de pesquisa e divulgação, conclusões interpretativas sobre o fundamento das crenças e ações humanas.

5 comentários:

Richard disse...

Gostei do texto. Parabéns

Anônimo disse...

Caro Joel,

Excelente texto, com o qual concordo com certos pontos, mas discordo noutros.

No tópico em geral, discordo que não exista um componente genético no comportamento humano. Acredito é que haja uma mescla de racionalidade com a genética no comportamento humano, sendo que, com bastante vontade, a racionalidade pode-se sobrepôr aos impulsos definidos pelos nossos genes.

O condicionamento genético é algo inerente à teoria da evolução das espécies de Darwin. Quem não acredita nesta teoria não acredita por definição no condicionamento genético. E aí não se discute mais.

Pelo meu lado, não só acredito na teoria da evolução de Darwin, como acho ser uma das teorias mais elegantes alguma vez pensadas.

Peguemos no exemplo do homem que constrói casas e consideremos que nunca até aquela altura o conceito de casa ou qualquer tipo de abrigo existiu e que a decisão deste homem em particular de construir uma casa teve uma base completamente intelectual. Consideremos também que, no ambiente em que este homem vive, dormir ao relento é bastante hostil e perigoso (quer por doenças, temporais, animais selvagens, raptos por ET's, etc... tudo o que possam imaginar e mais alguma coisa).

Sobre esta situação, este homem tomou um passo e garantiu uma maior segurança para si, por conseguinte, garantindo maior anos de vida para si e para a sua prole.

Não há sombra qualquer de dúvida que parte dos traços genéticos dos pais passam para os filhos. Logo, se este homem tinha a tendência de construir casas, muito provavelmente também os seus filhos herdarão a tendência de construir casas, quer porque pensam da mesma maneira, quer porque sentem-se melhor a dormir dentro de casa, como o seu pai antes deles sentia.

Adicionalmente, devido aos riscos que se incorrem de se dormir ao relento, mais mortes ocorrerão por esta razão do que aos que dormem dentro de casa. Ou seja, em pouco tempo ter-se-ão mais pessoas que gostam de dormir dentro de casa do que fora. E é assim que ocorre o condicionamento genético dentro de uma espécie. Posteriormente, este facto com o cruzamento genético irá garantir que os que dormem dentro de casa comecem a dominar completamente toda a espécie.

No entanto, isto não quer dizer que as pessoas agem segundo um padrão genético pré-definido, pois sou da opinião que, sendo verdade que os genes definem muita coisa, estes são flexíveis o sufciente para garantir um nível de adaptabilidade ao ser humano. Ou senão, simplesmente não teríamos sidos capazes de evoluir... ;)

Levando o tópico para a questão da moral, acho que não faz sentido nenhum ligar as questões morais a um instinto de reprodução, simplesmente porque muitos valores morais condicionam os instintos reprodutivos e limitam a promiscuidade sexual, estas sim bastante ligados aos instintos reprodutivos.

Faz, no entanto, sentido ligar as questões morais ao condicionamento genético, pelas razões já explicadas acima, no exemplo do homem que dorme dentro de casa. Mais do que isso, os valores morais são uma forma de nos protegermos em grupo e em família e de garantir a continuição da nossa prole. A passagem destes valores para os nossos filhos garantir a continuação da nossa linhagem e da nossa espécie.

O que os relativistas tentam fazer é desvalorizar este facto tornando-o apenas uma coisa natural. O que muitos de nós tenta fazer é exactamente dizer que não, que existe algo de especial e diferente na forma como associamos os valores morais à continuação da nossa linhagem.

Discordo das duas formas de ver o processo. Devemos ser capazes de dizer que o processo é simples e natural, mas também devemos ser capazes de dizer que, apesar dos valores morais estarem associados à continuação da nossa linhagem, isso é uma coisa boa e é assim que deve ser!

Porque é bom que cuidemos dos nossos, é bom que queiramos o melhor para os nossos, e é bom que queiramos que o bem nos rodeie!

Cumps.

Joel Pinheiro disse...

Concordo em linhas gerais com o seu argumento, Ulaikamor.

Não quis passar, no meu texto, a idéia de que os genes, ou seja, o substrato material do homem, não influencia o comportamento humano.
Afinal, o homem definitivamente NÃO É um anjo que controla uma máquina.

Nos comportamentos humanos, há aqueles sobre os quais nós de fato temos pouco ou nenhum controle (o apetite por comida gordurosa e salgada, por exemplo) e aqueles sobre os quais temos controle maior.
Mas é claro que, mesmo durante a meditação mais abstrata, os instintos têm alguma participação. Da mesma forma, a não ser nos comportamentos puramente orgânicos e automáticos (batimento do coração, funcionamento dos rins, etc), a razão também participa.

Sua explicação sobre as vantagens de se construir casas é exatamente ao que eu me referia ao falar das explicações evolucionistas. E é exatamente esse tipo de explicação para um comportamento como construir casas que eu considero totalmente estapafúrdia.
Veja bem: não é que o argumento não tenha coerência interna. Isso ele tem!
O que falta a ele é, em primeiro lugar, evidência empírica (que evidência temos de que os primeiros homens a construírem casas o fizeram por causa de uma mutação genética) e, mais importante, relevância. Podemos explicar esse comportamento sem esse elaborado raciocínio e esse processo de milhões de anos. Navalha de Ockham no evolucionismo!

É claro que há uma base material para esse comportamento. É o que eu digo no texto: existem áreas do cérebro que são ativadas ao se desenhar e construir uma casa. Certamente essas áreas estão ligadas a genes. Sem essas áreas do cérebro, e portanto sem esses genes, não poderíamos construir casas.
Mas sabemos perfeitamente que nosso comportamento de construir casas não é um "instinto"; não é um ímpeto animal que nos leva a construí-las; é nossa percepção de que, se fizermos isso, estaremos melhor protegidos.

Anônimo disse...

Olá Joel,

A evidência de que a construção de casas vem de uma mutação genética encontra-se, não no homem, mas nos animais, que são irracionais e não pensam.

Tudo bem, não constróem uma casa como nós, homens, e nem usam os materiais altamente avançados que nós usamos. Mas o passáro faz um ninho, o coelho escava a sua toca, a abelha monta a sua colmeia...

É claro que a casa como a conhecemos hoje é algo extremamente complexo e, na minha opinião, advém mais da nossa racionalidade do que dos nossos instintos.

Isto simplesmente porque a evolução é um sistema que funciona por probabilidades, eventualidades e convergência. Logo, as soluções a encontrar devem ser sempre simples, como o é um ninho, como o é a toca de um coelho, e como não é um apartamento com janelas de duplo-vidro, paredes isoladas que mantêm o calor dentro de casa no Inverno e fora de casa no Verão, etc...

Mas podemos dizer claramente que a vontade de nos abrigarmos vem de um instinto.

Não pretendo provar que é possível por evolução natural um animal começar a construir naves espaciais... isto seria uma afirmação completamente ridícula.

Joel Pinheiro disse...

A construção de uma casa no caso do homem é patentemente diferente da construção que fazem pássaros e formigas.
Não é, primariamente, pela complexidade; há formigueiros complexíssimos, e estruturas construídas por pássaros que parecem obra de engenheiro (não sei qual espécie é, mas há pássaros que constroem arcos de gravetos para impressionar as fêmeas). Por outro lado, algumas cabanas humanas são muito simples e até mesmo mal-construídas.

A diferença fundamental é que, no homem, a decisão de construir a casa passa por um processo racional de decisão, e no caso dos animais é fruto de um impulso não-racional.

Esse processo racional de decisão pode, igualmente, chegar à conclusão que é melhor não construir uma casa.

Um modelo de seleção natural poderia até explicar como surgiu, no homem, a capacidade de fazer tais escolhas e de pensar racionalmente. Mas não explica os diferentes usos que o homem faz de sua razão.
Se procuro um apartamento para morar, não é porque sou levado por um instinto, mas porque percebo que há muitas vantagens nisso em comparação com a alternativa (morar na rua). Mas se minha percepção dos prós e contras fosse outra (seja por uma mudança neles ou em mim, nos meus valores), a decisão também seria outra.

Isso não quer dizer que instintos e impulsos não tenham lugar nessa decisão, mas sim que eles são incapazes de explicá-la.