sexta-feira, abril 18, 2008

A Polêmica Lula x FMI sobre os biocombustíveis

“O verdadeiro crime contra a humanidade é relegar os países pobres à miséria” – é esse o último desdobramento da improvável polêmica que tem se desenrolado entre o presidente Lula e o Fundo Monetário. Ironicamente, é o Fundo que defende a comida, enquanto Lula defende a produção de biocombustível. E então, quem está certo nesta polêmica?

O FMI afirma que, ao se produzir combustível, a produção de alimentos sofre. Isso é verdade. A questão é: é ruim que se deixe de produzir um pouco de comida para que se produza um pouco mais de combustível? Demagogias à parte, ambos são muito importantes para a vida de muita gente. Assim como todos morreríamos se deixássemos de produzir comida para produzir apenas combustível, a vida humana também pioraria muito (e a maior parte da humanidade morreria também) se parássemos de produzir combustível para produzir apenas comida. Os recursos disponíveis (no caso, principalmente o solo) são escassos; não dá para satisfazer a todos os desejos. Há um trade-off real em jogo.

O mundo é muito complexo. Certamente ninguém conhece a fórmula que nos permita determinar a quantidade “ótima” de combustíveis e alimentos a ser produzida. Com base no quê podemos afirmar que usar um solo para a produção de combustíveis não é algo bom para a sociedade? A não ser que tenhamos acesso à equação universal e total da produção humana (que, entre outras coisas, leva em conta as preferências individuais de cada indivíduo humano vivo e ainda por nascer), um bom jeito de se averiguar isso é saber se o produtor tem lucro ou prejuízo. Nos EUA, por exemplo, só se produz etanol de milho porque o governo subsidia quem o faz; ou seja, não fosse por isso, não valeria a pena usar milho para fazer etanol.

O que isso significa? Significa que a sociedade demanda com mais urgência outros bens feitos de milho (farinha, por exemplo) do que o etanol. O preço que os consumidores estão dispostos a pagar pelo etanol de milho não cobre os preços dos bens de capital utilizados em sua produção (milho, máquinas, terra, etc). De fato, o subsídio ao biocombustível distorce a produção, e portanto o mundo inteiro (pois falamos de um mercado global) sai prejudicado dessa troca. O mesmo ocorreria se a comida fosse subsidiada.

No caso do Brasil, parece que não é preciso subsidiar o produtor de cana para que seu negócio seja lucrativo. Ele está, portanto, satisfazendo as necessidades dos consumidores por combustível, e ajudando-os, assim, a viver melhor. Se produzisse alimentos, os preços que eles atingiriam no mercado seriam inferiores; em outras palavras, a demanda por eles não é tão intensa. O solo brasileiro ajuda mais a vida dos consumidores sendo usado para cana do que para comida (enquanto, e apenas na medida em que, for mais lucrativo usá-lo para cana do que para outros fins).

Assim, tanto Lula quanto o FMI têm algo de razão e algo de erro. Sim, o aumento no preço dos alimentos se deve, em parte, ao uso indevido do solo para produção de combustíveis, como acontece nos EUA. Mas isso não quer dizer que todo uso de solo para se produzir combustível seja ruim; se isso for lucrativo no mercado competitivo, então, é de fato, como diz nosso presidente, o caminho para o desenvolvimento e, entre outras coisas, para o fim da fome.

2 comentários:

Werther Vervloet disse...

Concordo com seu texto, Joel.

Realmente, a parcela do aumento dos preços que é dada por políticas de incentivo enfadonhas são bem reprováveis, não só nos alimentos mas como em qualquer espécie de mercadoria.

Já aquela parte que é dada apenas pelas leis de mercado, apenas está sinalizando quais são as preferências da sociedade. Especialmente porque o mundo ainda continua produzindo muito mais comida do que consome.

Mas, o pior da história, são as medidas "corretivas" que estão sendo postas em prática por muitos países. A Argentina já proibiu as exportações de trigo para o Brasil, visando conter os preços domésticos. O Brasil colocou restrições as exportações de arroz e por ai vai.

Muito provavelmente esse tipo de medida, se tomada como padrão ao redor do mundo, gerará muito mais pressão inflacionária, amplificando em larga escala o problema.

Joel Pinheiro disse...

Olá Werther!

Obrigado pelo comentário. De fato, as medidas que muitos governos tomam para "garantir o abastecimento interno" são desastrosas.

Ainda bem que tudo indica que o Brasil não embarcará na restrição à exportação do arroz, embora exorte os agricultores a vendê-lo internamente.

Ao impedir o país de vender seu produto fora, impede-se-o de importar aqueles bens que ajudariam sua população a viver melhor. Ocorre o retrocesso da divisão internacional do trabalho e, portanto, todos os países perdem.

Ainda assim, tive uma má surpresa ao ficar sabendo que o governo "venderá parte de seus estoques". Então quer dizer que nosso governo compra quantidades enormes de alimento e as estoca (tipo de de coisa que eu deveria saber, mas tinha a esperança de que tivesse ficado para trás depois das políticas desastrosas com o café)... Aí está uma causa de os alimentos não serem mais baratos do que são.

Ainda ontem na Globo culpava-se a especulação. Mas é exatamente a especulação que ajuda o preço a ficar constante ao longo do tempo. Quando ocorre a escassez de alimento, o preço dele aumenta, e todo mundo que comprou alimento para especular pode faturar vendendo o que guardou da época de abundância.