“Se Deus não existe, então tudo é permitido”. Frase freqüentemente repetida, embora, creio eu, nem sempre entendida. Exprime uma verdade, mas de forma mais profunda do que normalmente se julga.
Têm razão os ateus que se revoltam contra ela, e replicam que não precisam de uma revelação divina para saber que assassinar é errado e que ajudar alguém em necessidade é certo. Por acaso o cristão condena o assassinato apenas porque a Bíblia diz “não matarás”? Claro que não.
A lei moral, ou seja, aquelas coisas que devemos fazer ou evitar para que sejamos pessoas melhores, decorre da própria natureza do homem. Percebemos racionalmente que certas ações são construtivas para a vida humana: permitem ao homem viver melhor. Já outras são destrutivas. O mandamento “não matarás” não é fruto de um capricho de Deus; é a expressão de uma condição necessária para a construção de um ambiente no qual os homens vivam bem. Assim, Deus instituiu a lei moral não ao dar os Dez Mandamentos a Moisés, e sim ao criar o primeiro homem.
Um ateu, ainda que não conheça a Deus, pode conhecer a natureza humana. Percebe que certas ações contribuem para a felicidade dos homens e outras não. Portanto, ele também é capaz de diferenciar o certo do errado, e, até certo ponto, agir com base nesse conhecimento. Assim, ao considerar a natureza humana em si mesma, conclui que, mesmo sem Deus, nem tudo deve ser permitido.
O problema surge quando considera a existência humana numa perspectiva mais ampla. Para o ateu, a existência do universo é um grande absurdo, um evento sem causa; o homem, um acidente improvável que logo desaparecerá. A vida humana é um breve momento de consciência, de prazeres e dores, entre dois vazios eternos, sem qualquer finalidade. Não passa de uma piada sem sentido do universo. Objetivamente, não há por que considerá-la mais valiosa ou importante do que a queda de uma pedra em Marte. Nessa perspectiva, qual o valor da felicidade humana? O mesmo que de todas as outras coisas: nenhum.
Assim, um ateu percebe o que é o bem para os homens, mas carece de motivo real para persegui-lo. Friamente falando, sua vida valeria tanto quanto a de uma árvore. Mas isso não significa que os ateus sejam necessariamente imorais; são, em geral, apenas incoerentes. Ao pensar sobre suas ações, suas vidas e sobre as pessoas à sua volta, supõem que valham alguma coisa, que sua existência tenha algum sentido. E é apenas por causa dessa ficção implícita, desse “esquecimento” temporário de que tudo não passa de átomos sem rumo, que um ateu valoriza o bem que percebe para si e para os demais, que cultiva sentimentos nobres, etc.
Que essa incoerência (uma incoerência boa, dado que o ateísmo levado às suas conclusões lógicas seria monstruoso) seja relativamente comum aos ateus não é surpreendente, pois a mente humana tende, espontaneamente, a rejeitar a idéia de que nada no universo tenha finalidade e que toda a raça humana, e tudo o que ela produziu, não passe de um acaso fortuito e irrelevante.
Assim, sem Deus, tudo seria permitido. Não pela falta de um legislador para revelar os mandamentos, mas sim pela falta de uma finalidade que valesse a pena ser perseguida. É apenas porque nas sociedades humanas ainda existem traços de religiosidade que os ateus que nelas vivem ainda pensam em termos morais e tentam, em alguma medida, alcançar valores elevados; não fosse por essa base espiritual, o ateísmo condenaria a população humana ou ao hedonismo bestial ou ao mais negro niilismo. E, conforme ela diminui, é para eles que nos dirigimos.
quinta-feira, janeiro 24, 2008
Sem Deus, Sem Ética?
Postado por Joel Pinheiro às 7:19 PM
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4 comentários:
Olá Joel,
Gostaria de saber o que vc acha desse artigo do Olavo
http://www.olavodecarvalho.org/semana/070303dce.html
Abraço!
Lucas
Joel, cadê você?
Olá Lucas.
Acho bom o texto do Olavo. Discordo dele quando diz que é absolutamente necessário ter uma religião para se chegar à ética.
A título de exemplo, Aristóteles não parte de premissas particularmente religiosas para escrever sobre a ética, e o que ele escreveu é acessível a pessoas de qualquer religião, ou mesmo sem religião. A ética parte da observação do ser humano.
No entanto, acho que é bastante claro que, sem uma perspectiva transcendente, sobrenatural, a prática da ética degenera muito. E, em conseqüência disso, a própria percepção do que é certo ou errado também fica distorcida.
Isso sem falar na ação da graça de Deus para ajudar as pessoas a serem melhores. Quem se fecha a ela, perde um meio necessário para viver melhor.
Estive viajando por umas duas semanas, mas agora já estou de volta. Textos novos em breve!
Joel, uma pergunta. Na sua opnião, a religião existe então somente para não nos dirigirmos ao "hedoismo bestial ou ao mais negro niilismo" ou ela existe de verdade? Eu digo, ela foi criada pelo ser humano como forma de proteção e autopreservação ou os Deus realmente existem?
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