Dois filmes de terror recentes, Extermínio (2002) e Madrugada dos Mortos (2004), apresentam-nos o mais aterrorizante dos monstros: o zumbi. O zumbi causa tanto medo porque é, no fundo, um homem; um homem desprovido daquilo que o faz humano. Completamente irracional e animalizado, sem qualquer resquício de amor ou empatia, dominado pelo mais negro ódio, pela ira mais raivosa e insaciavelmente sedento por carne humana.
Os olhos vazios e fixos revelam seu vazio interior e sua obstinação. Com ele não há o que negociar ou argumentar; não há persuasão ou adestramento possíveis. Não quer poder, não quer dinheiro, não tem causa nem líder. A única coisa que o move é o apetite avassalador e infinito por seres humanos. Ao fazer mais uma vítima (que então renasce como zumbi) não fica menos infeliz ou insatisfeito do que antes e nem sente prazer algum; sai imediatamente à caça da próxima, e quando toda a humanidade se esgotar vagará sem rumo até morrer de fome. Sua existência é desprovida de qualquer sentido e de qualquer possibilidade de realização; é uma duração de tempo preenchida por dor, ódio e fome que logo cairá no nada.
Assim, é o zumbi um perfeito anti-homem. Mas o próprio homem não é plenamente humano. Muitas de suas ações e inclinações negam sua humanidade: o desejo desmedido pelo supérfluo, o uso de outras pessoas como objetos, a falta de razão e consciência na própria conduta.
Por pior que seja o contato com os zumbis, ele conscientiza os homens da sua própria condição imperfeita e obriga-lhes a tomar uma posição: desesperar-se e cair nas garras dos monstros (tornando-se um deles) ou aceitar o valor da vida humana e lutar em sua defesa. Em ambos os filmes mencionados, um pequeno grupo de humanos enfrenta bravamente os zumbis, e ao mesmo tempo em que defendem suas vidas descobrem em si muitos traços de humanidade que haviam se apagado. A diversão inocente e real, o relacionamento sincero e a esperança em algum tipo de salvação encontram lugar nessas almas, de modo que a mera sobrevivência pela qual têm que lutar já não é o fim último de suas vidas.
O esforço extraordinário de se manter vivo pode trazer à tona objetivos mais nobres e preferíveis à própria sobrevivência. Mas existe uma outra possibilidade, que o filme Extermínio ilustra num grupo de soldados refugiados em uma velha mansão. No caso deles, a luta pela sobrevivência não despertou sua humanidade dormente; consumiu até mesmo aquela humanidade parcial que preservavam na vida cotidiana. Sacrificam tudo o que são para continuar vivos, o que acaba por torná-los piores do que os próprios monstros. Pois se é um grande mal o homem que perde a racionalidade e age de forma bestial, pior ainda é o homem que, preservando a razão, perverte seu uso, e age conscientemente como se fosse um monstro.
No fim das contas, os filmes discordam quanto à possibilidade de salvação: em um os sobreviventes escapam para a segurança, enquanto que no outro, após muito lutar, são todos devorados pela horda monstruosa. Ainda assim, concordam que a vida humana (e mais importante: a humanidade) merece ser preservada, mesmo se fadada à destruição.
Felizmente, estamos a salvo dos zumbis, criaturas do cinema. Mas algo muito parecido nos ronda, como sugerem ambos os filmes. Todo homem, ao abdicar da sua própria razão e da própria consciência moral para se conformar à vontade da maioria, é na prática um zumbi; apaga dentro de si o que o faz uma pessoa humana única, e vira então parte da massa, homogênea e desumana, na qual qualquer aspiração nobre logo se converte em ódio e insatisfação. Seja qual for o pretexto para a ação da massa (enriquecimento, justiça social, paz e amor, ou até a defesa da lei de Deus), a traição da própria humanidade que se realiza em seus membros tem sempre o mesmo efeito: a destruição do homem, que, sumamente infeliz, se auto-aniquila e passa a viver diabolicamente em função do nada. As hordas de zumbis, a fictícia e a real, não deixam de ser pequenas imagens do Inferno.
Os olhos vazios e fixos revelam seu vazio interior e sua obstinação. Com ele não há o que negociar ou argumentar; não há persuasão ou adestramento possíveis. Não quer poder, não quer dinheiro, não tem causa nem líder. A única coisa que o move é o apetite avassalador e infinito por seres humanos. Ao fazer mais uma vítima (que então renasce como zumbi) não fica menos infeliz ou insatisfeito do que antes e nem sente prazer algum; sai imediatamente à caça da próxima, e quando toda a humanidade se esgotar vagará sem rumo até morrer de fome. Sua existência é desprovida de qualquer sentido e de qualquer possibilidade de realização; é uma duração de tempo preenchida por dor, ódio e fome que logo cairá no nada.
Assim, é o zumbi um perfeito anti-homem. Mas o próprio homem não é plenamente humano. Muitas de suas ações e inclinações negam sua humanidade: o desejo desmedido pelo supérfluo, o uso de outras pessoas como objetos, a falta de razão e consciência na própria conduta.
Por pior que seja o contato com os zumbis, ele conscientiza os homens da sua própria condição imperfeita e obriga-lhes a tomar uma posição: desesperar-se e cair nas garras dos monstros (tornando-se um deles) ou aceitar o valor da vida humana e lutar em sua defesa. Em ambos os filmes mencionados, um pequeno grupo de humanos enfrenta bravamente os zumbis, e ao mesmo tempo em que defendem suas vidas descobrem em si muitos traços de humanidade que haviam se apagado. A diversão inocente e real, o relacionamento sincero e a esperança em algum tipo de salvação encontram lugar nessas almas, de modo que a mera sobrevivência pela qual têm que lutar já não é o fim último de suas vidas.
O esforço extraordinário de se manter vivo pode trazer à tona objetivos mais nobres e preferíveis à própria sobrevivência. Mas existe uma outra possibilidade, que o filme Extermínio ilustra num grupo de soldados refugiados em uma velha mansão. No caso deles, a luta pela sobrevivência não despertou sua humanidade dormente; consumiu até mesmo aquela humanidade parcial que preservavam na vida cotidiana. Sacrificam tudo o que são para continuar vivos, o que acaba por torná-los piores do que os próprios monstros. Pois se é um grande mal o homem que perde a racionalidade e age de forma bestial, pior ainda é o homem que, preservando a razão, perverte seu uso, e age conscientemente como se fosse um monstro.
No fim das contas, os filmes discordam quanto à possibilidade de salvação: em um os sobreviventes escapam para a segurança, enquanto que no outro, após muito lutar, são todos devorados pela horda monstruosa. Ainda assim, concordam que a vida humana (e mais importante: a humanidade) merece ser preservada, mesmo se fadada à destruição.
Felizmente, estamos a salvo dos zumbis, criaturas do cinema. Mas algo muito parecido nos ronda, como sugerem ambos os filmes. Todo homem, ao abdicar da sua própria razão e da própria consciência moral para se conformar à vontade da maioria, é na prática um zumbi; apaga dentro de si o que o faz uma pessoa humana única, e vira então parte da massa, homogênea e desumana, na qual qualquer aspiração nobre logo se converte em ódio e insatisfação. Seja qual for o pretexto para a ação da massa (enriquecimento, justiça social, paz e amor, ou até a defesa da lei de Deus), a traição da própria humanidade que se realiza em seus membros tem sempre o mesmo efeito: a destruição do homem, que, sumamente infeliz, se auto-aniquila e passa a viver diabolicamente em função do nada. As hordas de zumbis, a fictícia e a real, não deixam de ser pequenas imagens do Inferno.