quinta-feira, janeiro 04, 2007

Como não dizer nada e, ainda assim, errar

Qual é a importância de um discurso de posse? Não muita. Serve, mais do que qualquer outra coisa, como um símbolo das principais preocupações do mandato que se seguirá, sempre de forma absolutamente vaga. Por isso, não costuma variar muito de gestão para gestão (de fato, os discursos de Figueiredo, Sarney e Collor foram todos escritos pela mesma pessoa). É, no entanto, um bom espelho das crenças e sentimentos que animam nossa política.

Não seria algo digno de nota. O que me fez mudar de idéia foi o espetáculo de ignorância, desonestidade intelectual e vacuidade que foi o novo discurso de Lula. Sem tempo, espaço ou interesse de elaborar uma crítica ao discurso como um todo, limito-me a selecionar alguns trechos e revelar os erros e besteiras neles contidos. Para que não me acusem de partidarismo, afirmo sem medo que, apesar de ser Lula o presidente, as palavras do discurso poderiam perfeitamente ter sido escritas para qualquer outro candidato das eleições passadas.

Em que momento de nossa história tivemos uma conjugação tão favorável e auspiciosa: de inflação baixa; crescimento das exportações; expansão do mercado interno, com aumento do consumo popular e do crédito; e ampliação do emprego e da renda dos trabalhadores?
Desde quando inflação baixa é mérito de governo? O governo (por meio do Banco Central) é o causador único da inflação; ao invés de se vangloriar da inflação baixa, deveria se desculpar pela existência de inflação. Aumento de exportações remete à velha crença mercantilista de que exportar é bom e importar ruim; um país que exporta sem nada importar está, na prática, dando de graça aquilo que produz sem receber nada em troca. Seria isso algo bom?
Aumento do consumo, longe de ser bom, significa que a população tem poupado menos, e que portanto a economia sofrerá. Ao mesmo tempo, aumenta o crédito. Mas para emprestar algo, é necessário que alguém tenha poupado esse algo. Se a poupança cai e o crédito aumenta, então estamos criando um rombo financeiro, que terá que ser pago por alguém, e podem ter certeza de que esse alguém não serão os governantes!

Criamos mais de 100 mil empregos por mês com carteira assinada, sem falar das ocupações informais e daquelas geradas pela agricultura familiar, totalizando mais de 7 milhões de novos postos de trabalho.
Um governo nunca pode criar emprego algum. Ao contratar um trabalhador, o dinheiro que ele usa para pagar o salário deste trabalhador é dinheiro que foi tirado da população, que se tivesse podido gastá-lo também pagaria salário de trabalhadores em outros setores.
Mas tudo bem que a nossa elite política não entenda esse raciocínio tão sutil e complexo: não se tira riqueza do nada. Agora, como pode algum político, por mais ignorante que seja, atribuir a si a criação de empregos no mercado informal, ou seja, aquele que escapa ao controle do governo?! Posso apenas concluir que a falha nesse caso não é de conhecimento, mas sim de honestidade.

Nossa meta é criar condições para que sua expansão, até 2010, chegue a 50% do PIB, especialmente para o investimento, a infra-estrutura, a agricultura, a habitação e o consumo.
O que chama a atenção aqui, além da meta delirante e do erro de afirmar que consumo aumenta o produto, é a generalidade e vacuidade da frase. De tudo o que é produzido no país (PIB), uma parte é consumida e outra é poupada (investimento). Não há mais nada. Portanto, consumo e investimento é o PIB todo. Lula quer priorizar o crescimento do PIB focando, ESPECIALMENTE, todos os componentes do PIB; genial! Falando em priorizar, seria um exercício divertido contar quantas “prioridades” o discurso menciona; não há nele tema que não seja prioritário.

Para finalizar, deixo para os leitores uma pérola da prepotência vaidosa de nossos políticos, mas cujas conseqüências para a população são nefastas. Creio que não precisa de comentários ou refutações, tão estapafúrdia e estúpida que é: ainda não foi inventada nenhuma ferramenta mais importante do que a política para a solução dos problemas dos povos.

Se assim for, senhor presidente, prefiro os problemas à solução!

5 comentários:

Anônimo disse...

li na coluna do veríssimo ontem do globo

muitas pessoas aplaudiram, emocionadas, o discurso do millôr, até ele falar, depois: esse é o discurso de posse do médici.

Anônimo disse...

Joel, atrela a inflação somente ao governo é pensar pequeno...Essa é a única crítica que posso fazer ao seu texto..de resto esta muito bom!!
Bom primeiro semestre pra vcs meus amigos, sentirei saudades...

Joel Pinheiro disse...

Obrigado pelo elogio, Chico.
Até concordo com você: os bancos têm parte da culpa na inflação também (mas isso só é possível porque recebem auxílio especial do Banco Central).

Também sentirei saudades, e lhe desejo uma ótima viagem!

Anônimo disse...

Ei Jow, como já tinha te falado, gostei muito da sua análise do discurso de posse do Lula. Acho que o descuido na elaboração do discurso só demonstra que, na verdade , a população de fato não está preocupada ou não tem interesse no que o presidente diz.

Só uma curiosidade, quem foi a pessoa que escreveu os discursos do Figueiredo, Sarney e Collor?

Joel Pinheiro disse...

Obrigado, Gabi.

Em resposta à pergunta, foi o diplomata José Guilherme Merquior.