O protagonista de “A Vida dos Outros” é um homem praticamente sem vida. Por isso mesmo, a maior parte do filme é preenchida pela vida dos outros personagens, da qual Gerd Wiesler é mero observador. E é conforme deixa de apenas observar para interferir que seu caráter se revela. Sua postura discretamente heróica dentro de um sistema mau e corrupto salva uma vida.
Wiesler não tem vida pois entregou a sua à Stasi, polícia secreta da República Democrática Alemã (RDA), da qual é membro fiel. A defesa da sociedade, e da segurança do regime socialista, são causas às quais ele se oferece incondicionalmente. Exímio interrogador e investigador, Wiesler é uma peça eficiente da poderosa máquina da Stasi, sempre pronto a identificar e desmascarar dissidentes.
A Stasi mantém os cidadãos sob total vigilância. O controle é tal que mesmo uma piada entre colegas de trabalho pode ter conseqüências brutais. Uma palavra errada arruina uma vida. Todo conhecido é um informante em potencial. Por isso, as ruas vivem vazias, e as portas fechadas. Ninguém quer falar e ninguém quer ouvir; a não ser, talvez, pela fechadura.
É esse ambiente de desconfiança e medo que Wiesler ajuda a manter. Não é, no entanto, a única, ou principal, peça da máquina. Muitos outros homens têm funções similares à dele na hierarquia construída pela Stasi. E enquanto nosso protagonista realmente serve à causa, outros, às vezes mais poderosos do que ele, utilizam-se dos mecanismos de poder para servir a si mesmos.
Apesar de ajudar a perpetuar um grande mau, Wiesler é um homem bom, que procura honestamente o bem; apenas o identificou no lugar errado. Já seu colega, o tenente Grubitz, nem sequer o procura. Não tem o mesmo grau de comprometimento com a causa; é mais tolerante e disposto a deixar passar pequenas indiscrições dos outros; mas é também mais perigoso e imprevisível quando seu auto-interesse, sua única causa, está na balança.
Grubitz e Wiesler são destacados, pelo ministro da cultura Bruno Hempf, a investigar a vida do dramaturgo Georg Dreyman em busca de algo que o comprometa. O ministro está interessado na mulher do dramaturgo, a atriz Christa-Maria. Logo, algo tem que ser encontrado.
Tendo colocado escutas por toda a casa de Dreyman, Wiesler se põe a escutar as conversas dele com a mulher. E é aí, por meio do casal, que entra em contato com anseios humanos que há muito deixara de lado. Sua existência vazia e sozinha contrasta fortemente com a convivência viva dos dois amantes. Viver pela Stasi, violando rotineiramente a intimidade e privacidade alheia, fez com que ele próprio fosse privado desses bens. E ao se dar conta disso, já é tarde: a coisa que ele mais quer, intimidade real com alguém que o ame, é algo fora de seu alcance. Uma garota de programa pode lhe dar o prazer do sexo, mas o que ele realmente quer é o que vem depois, e isso ela não pode dar.
Inicialmente, parece que essas carências se transformarão em obsessão doentia. Felizmente, não tomam esse caminho (e a leitura de Brecht é uma das causas dessa virada positiva), mas prosseguem retamente à atitude natural para aqueles por quem somos atraídos: o amor. Assim, não mais contente em apenas observar, Wiesler quer ajudar seus suspeitos. Ao mesmo tempo, percebe que o sistema ao qual ele serve destrói vidas como aquelas para satisfazer interesses sórdidos.
Dreyman e Christa-Maria, pessoas do teatro (subversivas por natureza), sabem que têm pouco espaço: vêem seus colegas mais talentosos perseguidos enquanto medíocres oportunistas brilham no cenário artístico. O sistema político premia a bajulação, e não o mérito. Revoltado, o dramaturgo entra para a subversão, e planeja um artigo bombástico a ser publicado no Ocidente. Assim, é o próprio caráter totalitário do regime comunista que gera a oposição cuja repressão é a justificativa desse totalitarismo. A Stasi, indiretamente, produz os dissidentes que persegue.
Enquanto Dreyman se revolta, Christa-Maria se submete: cronicamente insegura, procura em anti-depressivos e na opinião alheia a solidez que lhe falta. Essa falha de caráter a torna volúvel. Sob pressão, aceita ser amante secreta do ministro Hempf.
Fingindo-se fã da atriz, Wiesler convence-a a ser firme em seus valores, e não mais ceder ao ministro. Esse ato de ajuda desencadeia um processo inexorável: presa (por seus remédios ilegais), Christa-Maria é interrogada sobre as atividades subversivas de seu marido. É Wiesler que, vigiado por seu superior, a interroga. Se na primeira conversa a havia convencido a fazer o que é certo, nesta convence-a (apesar de tentar sugestioná-la ao contrário) a delatar seu marido.
Wiesler toma, então, uma decisão que selará o fracasso de sua operação e ruína de sua vida. Mas é a decisão certa. Desperto para a dignidade da pessoa humana, ele não pode permitir que o sistema do qual faz parte destrua a vida de alguém, como fizera com a sua. O amor à humanidade, abstrata, não justifica que se passe por cima de pessoas humanas concretas.
No final das contas, o filme é uma bela incitação à prática do bem. Não importa o quão fundo tenhamos descido, ou quanto tenhamos dado e perdido perseguindo fins maus. Há uma coisa que nunca poderá nos ser tirada: a capacidade de se fazer o bem. Por mais que se viole a privacidade, a consciência humana permanece inviolável.
Wiesler não tem vida pois entregou a sua à Stasi, polícia secreta da República Democrática Alemã (RDA), da qual é membro fiel. A defesa da sociedade, e da segurança do regime socialista, são causas às quais ele se oferece incondicionalmente. Exímio interrogador e investigador, Wiesler é uma peça eficiente da poderosa máquina da Stasi, sempre pronto a identificar e desmascarar dissidentes.
A Stasi mantém os cidadãos sob total vigilância. O controle é tal que mesmo uma piada entre colegas de trabalho pode ter conseqüências brutais. Uma palavra errada arruina uma vida. Todo conhecido é um informante em potencial. Por isso, as ruas vivem vazias, e as portas fechadas. Ninguém quer falar e ninguém quer ouvir; a não ser, talvez, pela fechadura.
É esse ambiente de desconfiança e medo que Wiesler ajuda a manter. Não é, no entanto, a única, ou principal, peça da máquina. Muitos outros homens têm funções similares à dele na hierarquia construída pela Stasi. E enquanto nosso protagonista realmente serve à causa, outros, às vezes mais poderosos do que ele, utilizam-se dos mecanismos de poder para servir a si mesmos.
Apesar de ajudar a perpetuar um grande mau, Wiesler é um homem bom, que procura honestamente o bem; apenas o identificou no lugar errado. Já seu colega, o tenente Grubitz, nem sequer o procura. Não tem o mesmo grau de comprometimento com a causa; é mais tolerante e disposto a deixar passar pequenas indiscrições dos outros; mas é também mais perigoso e imprevisível quando seu auto-interesse, sua única causa, está na balança.
Grubitz e Wiesler são destacados, pelo ministro da cultura Bruno Hempf, a investigar a vida do dramaturgo Georg Dreyman em busca de algo que o comprometa. O ministro está interessado na mulher do dramaturgo, a atriz Christa-Maria. Logo, algo tem que ser encontrado.
Tendo colocado escutas por toda a casa de Dreyman, Wiesler se põe a escutar as conversas dele com a mulher. E é aí, por meio do casal, que entra em contato com anseios humanos que há muito deixara de lado. Sua existência vazia e sozinha contrasta fortemente com a convivência viva dos dois amantes. Viver pela Stasi, violando rotineiramente a intimidade e privacidade alheia, fez com que ele próprio fosse privado desses bens. E ao se dar conta disso, já é tarde: a coisa que ele mais quer, intimidade real com alguém que o ame, é algo fora de seu alcance. Uma garota de programa pode lhe dar o prazer do sexo, mas o que ele realmente quer é o que vem depois, e isso ela não pode dar.
Inicialmente, parece que essas carências se transformarão em obsessão doentia. Felizmente, não tomam esse caminho (e a leitura de Brecht é uma das causas dessa virada positiva), mas prosseguem retamente à atitude natural para aqueles por quem somos atraídos: o amor. Assim, não mais contente em apenas observar, Wiesler quer ajudar seus suspeitos. Ao mesmo tempo, percebe que o sistema ao qual ele serve destrói vidas como aquelas para satisfazer interesses sórdidos.
Dreyman e Christa-Maria, pessoas do teatro (subversivas por natureza), sabem que têm pouco espaço: vêem seus colegas mais talentosos perseguidos enquanto medíocres oportunistas brilham no cenário artístico. O sistema político premia a bajulação, e não o mérito. Revoltado, o dramaturgo entra para a subversão, e planeja um artigo bombástico a ser publicado no Ocidente. Assim, é o próprio caráter totalitário do regime comunista que gera a oposição cuja repressão é a justificativa desse totalitarismo. A Stasi, indiretamente, produz os dissidentes que persegue.
Enquanto Dreyman se revolta, Christa-Maria se submete: cronicamente insegura, procura em anti-depressivos e na opinião alheia a solidez que lhe falta. Essa falha de caráter a torna volúvel. Sob pressão, aceita ser amante secreta do ministro Hempf.
Fingindo-se fã da atriz, Wiesler convence-a a ser firme em seus valores, e não mais ceder ao ministro. Esse ato de ajuda desencadeia um processo inexorável: presa (por seus remédios ilegais), Christa-Maria é interrogada sobre as atividades subversivas de seu marido. É Wiesler que, vigiado por seu superior, a interroga. Se na primeira conversa a havia convencido a fazer o que é certo, nesta convence-a (apesar de tentar sugestioná-la ao contrário) a delatar seu marido.
Wiesler toma, então, uma decisão que selará o fracasso de sua operação e ruína de sua vida. Mas é a decisão certa. Desperto para a dignidade da pessoa humana, ele não pode permitir que o sistema do qual faz parte destrua a vida de alguém, como fizera com a sua. O amor à humanidade, abstrata, não justifica que se passe por cima de pessoas humanas concretas.
No final das contas, o filme é uma bela incitação à prática do bem. Não importa o quão fundo tenhamos descido, ou quanto tenhamos dado e perdido perseguindo fins maus. Há uma coisa que nunca poderá nos ser tirada: a capacidade de se fazer o bem. Por mais que se viole a privacidade, a consciência humana permanece inviolável.
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