terça-feira, julho 31, 2007

Dívida pública: quem ganha e quem perde?

Endividar-se não é enriquecer. Todo mundo sabe disso. Quem pega um grande empréstimo terá que pagar a conta, com juros, no futuro. Se o dinheiro for usado para algum investimento que dê lucro, pode ser um ótimo negócio. Mas se não houver perspectivas de renda futura que permita pagá-lo, pode nos arruinar; de qualquer forma, os gastos adicionais que um empréstimo nos permite fazer no presente terão, como contrapartida, redução nos nossos gastos futuros.

O mesmo exato raciocínio se aplica ao governo. Ao pegar empréstimo (o que o governo brasileiro faz em larga escala, especialmente junto aos bancos nacionais), compromete-se a pagar suas dívidas, com juros, futuramente. E é exatamente isso que ocorre quando alguém aplica seu dinheiro em títulos públicos: empresta dinheiro ao governo, e em troca recebe a taxa de juros fixada pela autoridade monetária, até que resgate seu dinheiro, vendendo o título. Como foi dito acima, um empresário que pega um empréstimo costuma ter um plano de investimento lucrativo em mente, que o permitirá pagar os juros e o principal no futuro. Entretanto, o mesmo não ocorre com o governo, pois ele não lucra, e nem espera lucrar, em suas operações.

Mas o dinheiro foi emprestado e foi gasto; alguém terá que pagar! Há três possibilidades: o governo restringirá seus gastos no futuro para pagar seus empréstimos, como prometido; o governo aumentará os impostos ou a inflação da moeda no futuro para arrecadar mais; o governo dará o calote em seus credores. Não há quarta opção.

Diminuição dos gastos é algo praticamente inexistente, falando de políticas públicas. Na prática, o governo ou tirará mais dinheiro da população ou dará o calote.

Hoje em dia chegou-se ao consenso de que o calote é uma saída ruim, pois torna o governo menos confiável, o que mina sua capacidade futura de conseguir empréstimos. Sobra apenas o aumento de impostos (já que a inflação da moeda como financiamento público também tem sido evitada), que traz consigo um efeito muito pernicioso do ponto de vista distributivo.

Todo mundo que aplica seu dinheiro em algum banco é, na prática, um credor do governo, pois os bancos destinam grande parte de seus fundos para comprar títulos públicos, e é com os juros recebidos desses títulos que eles pagam seus clientes. O governo terá de aumentar os impostos para pagar sua dívida, ou seja, para pagar as pessoas que têm aplicações bancárias. De onde sairá o dinheiro para pagar quem tem aplicações bancárias? Ora, só pode ser de quem não as tem. Se assim não fosse, ou seja, se o governo cobrasse os novos impostos apenas dos seus próprios credores, não haveria benefício algum em ser credor do governo, e portanto o governo não conseguiria empréstimo algum. Quem não tem aplicação bancária sairá perdendo com o endividamento do governo, pois terá que pagar os novos impostos sem receber nada. E quem costuma não ter aplicações são exatamente os mais pobres. Ou seja, o endividamento do governo tem como uma de suas conseqüências, além do aumento generalizado de impostos, o aumento da desigualdade social.

É espantoso, portanto, que se considere desejável o governo manter-se endividado, já que isso aumenta os impostos e a desigualdade. Alguém pode argumentar que vale a pena se endividar em um momento para fazer algum investimento essencial urgente. Não vou aqui combater essa idéia, apenas fazer uma constatação: se esse é o caso, então o governo pode contrair dívidas, fazer o investimento ou gasto essencial no presente, e pagar suas dívidas com a contração futura de seus gastos e um aumento apenas temporário de impostos (dado que o empréstimo também era só temporário). Isso é totalmente diferente da situação mundial atual, na qual os governos procuram manter-se endividados indefinidamente. De uma coisa podemos ter certeza: alguém pagará caro essa conta.

3 comentários:

Djalma Rocha disse...

Gostei do seu comentário . Apenas, acho que o Estado pode lançar outros títulos no mercado para pagar os outros títulos em vencimento .

Joel Pinheiro disse...

Sim Djalma, mas isso não pode se perpetuar para sempre.

Seria como uma pessoa que pega empréstimo num banco, e para pagar esse empréstimo vai a outro banco e pega um novo empréstimo, etc.

Isso funciona por um tempo, mas não para sempre.
A credibilidade do governo junto aos investidores vai sendo minada, e ele vai sendo forçado a aumentar a taxa de juros para conseguir a mesma quantidade de empréstimos, até que todo mundo perceba a enrascada e tire seu dinheiro de lá.

Todo empréstimo ao governo necessariamente implica em: ou calote de quem comprou os "últimos" títulos ou diminuição dos gastos/aumento da arrecadação.
Não tem jeito.

Djalma Rocha disse...

Você tem razão.