segunda-feira, julho 02, 2007

Bruno Tolentino - Lições

Morreu, há uma semana, o poeta Bruno Tolentino. O Brasil perdeu uma de suas grandes mentes. Resta-nos agora preservar vivo o que ele nos deixou, e garantir que seu legado tenha continuidade.

Eu o conheci pessoalmente pouco tempo antes de sua morte. Fazia o curso dele sobre a história das idéias na modernidade, que infelizmente mal pôde começar. Sua obra, só começo a conhecer agora.

O seu livro mais importante, O Mundo Como Idéia, trata do processo pelo qual o homem substitui, ao contato direto e desarmado com a realidade em toda sua complexidade, conceitos abstratos e sistemas fechados. No lugar de ter que aceitar, humildemente, a própria incapacidade de compreender o mundo-como-tal e abrir-se ao que lhe é superior, fica-se com o mundo-como-idéia, uma imagem falsa e fossilizada do primeiro, que acorrenta a inteligência humana à ilusão de ser ela a senhora da realidade, quando na verdade o que faz é apenas fechar-se sobre sua própria insignificância. O conceito está para o real assim como a estátua de mármore para a pessoa. Sem sombras, reluzente, com contornos claros e distintos, mas também fria e morta.

E essa substituição vem ocorrendo consistentemente desde, pelo menos, a chamada Era Moderna. Cada vez mais o homem toma o conceito pela realidade, e portanto cada vez mais está preso ao salão de mármore, cada vez mais escravo da medusa que transforma tudo o que olha em pedra. E dentro desse salão não se vai ao encontro de nada nem de ninguém que não a si mesmo; todo real conhecimento e todo real amor são falsificados por pobres imitações deles, frutos do orgulho humano de se tornar senhor, conhecedor, de tudo.

O problema é que o conceito é necessário. Precisamos dele para pensar e falar, dado que a realidade supera em muito nossa capacidade de abarcá-la. O mal que enfrentamos, o mundo-como-Idéia, como todo mal verdadeiramente perigoso (porque genuinamente sedutor), é o uso errado de algo que é bom; é tomar um meio como fim.

Não se trata de se retirar da arena do conhecimento e declarar, com igual soberba, que nada se pode saber e que todo esforço é vão. Isso também é trair a finalidade do homem e fechar-se. Como o Bruno frisava nas três aulas que deu de seu curso, é essencial que não nos fechemos sobre nossas próprias idéias: que sejamos sempre abertos à transcendência; quem perde o assombro e o encanto humildes perante a vastidão do ser não será nunca um verdadeiro poeta. E tampouco um verdadeiro filósofo, que se faça amigo e seguidor, e nunca se pretenda mestre, da sabedoria.

Tomás de Aquino, filósofo em sentido pleno, afirmava : “O nosso conhecimento, porém, é tão restrito que nenhum filósofo até hoje conseguiu compreender, totalmente, a natureza de uma mosca”. A vida humana é um intervalo entre um enigma e um mistério, dizia o Bruno. Creio e espero que, na companhia de S. Tomás e outros igualmente felizes, esteja a conhecer melhor as profundezas infinitas desse mistério; agora já sem conceitos e abstrações, mas face a face com o Ser, como ele sempre desejou.

5 comentários:

Luiz Felipe Amaral disse...

Bravo, Joel, bravíssimo.

Anônimo disse...

Não quero ser azedo, mas até onde isso não é exagero? O personalismo é um perigo em todas as áreas, embora conquiste os corações adolescentes...

Joel Pinheiro disse...

Isso o quê (é exagero)?

Anônimo disse...

Isso = o legado de Bruno Tolentino.

Anônimo disse...

Ei, Joel, que bom tê-lo de volta! e com Bruno Tolentino, perfeito! Hoje o Reinaldo Azevedo rememorou uma verso dele muito lindo: A arte não tem escrúpulos, tem apenas medida.

Um abração!

Carla