segunda-feira, outubro 19, 2009

Uma breve olhada para trás

Cem textos meus atrás, nascia este blog. Fazem mais de três anos – pouco, quando comparo o número real à minha percepção do tempo – e muita coisa mudou desde então.

Começou como um projeto de amigos da faculdade: queríamos publicar um jornalzinho com opiniões nossas. O que leva alguns a querer publicar e discutir suas idéias? Sem afetações: no meu caso, posso dizer que o desejo de melhorar o mundo é uma parte da resposta, mas seria falso dizer que é só isso. O desejo de ser reconhecido também tem um papel, mas quero acreditar que não é o determinante. Há um certo tipo de pessoa, e me considero uma delas, para quem, simplesmente, as idéias importam; ou seja, para quem a verdade ou falsidade de teses abstratas é percebido como algo muito relevante mesmo para a vida prática. Éramos desse tipo. Mas logo percebemos as muitas dificuldades de se ter um jornal e desanimamos, até que, um tempo depois, alguém teve a idéia do blog.

Começamos bem, publicávamos intercaladamente, discutindo principalmente economia, mas também qualquer tema que nos interessasse. Tínhamos como meta principal ler e discutir os textos um do outro; leitores externos seriam um bônus. Contudo, essa preocupação logo se impôs com mais força, ainda que nossa indisciplina na publicação tenha botado tudo a perder. No fim das contas, a pressão que eu fazia para que mantivéssemos uma boa rotina de posts acabou tornando o blog mais um fardo do que um prazer para o resto do grupo. Um a um foram saindo até que fiquei só eu. Hoje, dos mais ou menos 150 textos publicados, dois terços são meus.

Se leio algum dos meus antigos, sinto um tremendo mal-estar e ranjo os dentes desconfortável; “Escrevi isso?”. Há alguma coisa no tom, na forma de se relacionar com o texto e com o leitor, que mudou profundamente. Não consigo ler, por exemplo, o texto original do blog sem achá-lo insuportavelmente presunçoso e arrogante, e isso vale para muitos outros. Arrogância que prejudicava a argumentação, tornando algumas questões artificialmente mais fáceis do que realmente são. (Espero que, daqui a três anos, os textos de hoje em dia também me pareçam fracos.) E olha que, considerando apenas as posições defendidas, não mudei muito não; ainda acho que a igualdade de oportunidades é uma besteira, que o feminismo radical é nocivo, que a verdade existe, que se A é verdadeiro então não-A é falso e que a salvação da alma é mais importante que o hexacampeonato da seleção – mas tenho certeza que, ano que vem, não escreverei nenhuma tirada deprimente contra o futebol, ao menos não nos termos amargos e prepotentes em que o fiz na copa passada (baixar a bola do futebol, em si, isso talvez eu não resista).

Ninguém é bom juiz em causa própria. Sei que, no momento em que escrevo, minha opinião sobre o texto é sempre superior ao seu mérito; e que, se o leio depois de um tempo, costumo achá-lo pior do que realmente é. Por isso deixo-os publicados aqui (fora dois, cujo tom ou posição estavam tão distantes de mim que não resisti e deletei), para algum leitor ocasional tirar algum proveito, se possível. E olha que volta e meia alguém pergunta ao Google se existe verdade absoluta; quem sabe meu texto tenha auxiliado a algum desses. E vai que alguém, que chegue aqui via Google por um texto antigo, acabe se interessando pelos novos. O formato blog virtualmente lima o passado, o que no meu caso é bom; são poucos os que acessam o conteúdo antigo; mas ele está lá para quem quiser.

Hoje, contento-me com o número modesto de acessos à minha página e aguardo ansioso comentários aos textos. Gostaria de ter mais leitores, o que é sempre bem-vindo, mas não tenho nenhuma pretensão, e nem dedico esforço algum, a torná-lo um blog popular.

A Internet é uma ferramenta formidável: acesso irrestrito à informação. É verdade que isso traz o risco de diminuir nosso comprometimento. Quero dizer: ao comprar um livro, crio imediatamente um compromisso de lê-lo. Além disso, o objeto físico, bonito e bem acabado, convida ao investimento de tempo que ele demanda. Já um livro gratuito em PDF, longe disso: não foram poucos os que li por cima apenas na ocasião em que os baixei e depois nunca mais. Mesmo assim, o fato é que a internet torna disponível um universo de informação, e depende apenas de cada um utilizá-lo e melhorá-lo. Creio que cada blog, por menor que seja, contribui para a produção de conhecimento, ou ao menos para criar interesse e debate, e assim ajuda na mudança e no progresso da cultura.

Na internet todos podem falar. Não há censura, não há vitória pelo silêncio e não estamos restritos às opiniões (ou melhor, à opinião) mainstream de sempre. O monopólio dos governos e dos grandes grupos de mídia acabou. As bases muito frágeis nas quais se assentava o poder dos formadores de opinião estabelecidos estão sendo roídas aos poucos e não há mais volta. Sua última defesa, o preconceito de que algo escrito na internet é menos sério do que o impresso no papel barato de um jornal, torna-se menos crível diariamente. Folha ou Estado, PT ou PSDB; “Mario ou Luigi”. A falsa opção está ficando aparente. Quem tinha ouvido falar em economia austríaca, ou em liberdade radical de mercado, dez anos atrás? Hoje, os únicos a ainda ignorá-las são aqueles com medo de perder as posições de destaque que conseguiram com anos de compromissos, favores e submissões à opinião aceitável. Com questões mais culturais, morais e espirituais, com o Cristianismo, com o conservadorismo – entendido no bom sentido: a retomada de valores tradicionais e de uma ética das virtudes calcada na natureza humana, e não a corrente filosófica da qual fazem parte Collor, Sarney e Antônio Carlos Magalhães – o mesmo tem acontecido. O melhor é que está cada vez mais óbvio que essas causas (liberdade de mercado, virtudes, Cristianismo), que já andaram muito separadas umas das outras, fortalecem-se mutuamente. Tudo isso em grande parte graças à Internet.

Sou uma gota nesse mar de idéias e discussões. Mas uma gota que não vai se mesclar e perder a identidade com a água à sua volta. Em defesa da verdade onde ela estiver, como dizia a tag line antiga, mas mais preocupado em discutir, ensinando e aprendendo, do que de pontificar de uma cátedra inexistente. Grato aos leitores que me agüentaram até aqui, abuso de sua paciência para pedir que me agüentem por anos mais.

6 comentários:

Gustavo disse...

Parabéns - e qualquer dia de tédio eu vou vasculhar seus arquivos pra ver se sou um juiz melhor que você. :)

Abraço.

Maria Celina disse...

Parabéns!

E idem Gustavo.

Ah, como é angustiante ler textos antigos e perceber como éramos. Mas a gente só tende (ou deveria tender) a melhorar.

Tentei já fazer um blog com os colegas de pseudo-mestrado, mas ninguém tem paciência de escrever e postar. Uma pena, pois é até um treinamento para os tais papers que a galera tem que entregar.

Pois é, Joel, cheguei aqui por acaso e tenho gostado. Espero que os comentários dos leitores sirvam para alguma coisa (especialmente os meus, haha).

Joel Pinheiro disse...

Valeu, Gustavo!

Celina, obrigado a você também! Prezo muito seus comentários!

Adoro quando os leitores se manifestam.

Cristiano disse...

Tem alguns meses que leio seu blogue. Ele é divertido. Parabéns pelos 100 alguma coisa.

Moreira Mendes disse...

Gosto do blog e por isso o tenho entre os favoritos faz tempo. Pelo menos desde que comecei a ler sobre a escola austriaca, ao mesmo tempo que entrei na comunidade de apologética do Thiago do Recife. Sempre leio as atualizações, mas nunca as comento! Prometo que daqui pra frente, serei um visitante mais dedicado.
Parabéns pelo blog.

Rodrigo Garcia disse...

Parabéns pelo blog Joel... não me manifesto sempre, mas sempre estou lendo. Abração...