segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Ciência VS. Qual Religião?

Detesto debates de “Ciência e Religião”. As religiões são muito diferentes umas das outras. Algumas são nocivas à ciência (o Islã que vemos hoje em dia, certos tipos de protestantismo fundamentalista, etc); mas acontece que a própria ciência deve sua existência a uma religião em particular: o Cristianismo. Não digo isso meramente porque a Igreja Católica foi, por séculos, a maior patrocinadora da ciência no mundo, e nem porque muitos dos maiores cientistas da história foram cristãos. Falo de algo mais profundo: dos princípios metafísicos do Cristianismo, que foram de onde a ciência nasceu. Há um motivo pelo qual isso não se deu na Grécia Antiga e nem no Islã (que teve uma respeitável idade de ouro), mas na Europa medieval.

Por que a ciência não nasceu entre os filósofos gregos e romanos? Porque suas próprias idéias impediam tal concepção. Duas correntes podem ser discernidas. Numa delas (pitagóricos, platônicos e derivados), reinava a idéia de que o mundo observável pelos sentidos é pouco real, se comparado ao mundo das idéias e das relações lógicas. O conhecimento é possível apenas acerca de idéias eternas e imutáveis; o mundo à nossa volta, com suas incessantes mudanças, permite apenas opiniões incertas, e nem vale a pena se dedicar muito ao estudo dele. Alternativamente, outra visão (aristotélicos e estóicos) era a de que o mundo é fixo, eterno, e não poderia ser de outro jeito. A experiência dos sentidos é pouco importante, pois é a metafísica que nos diz como as coisas são.

Aristóteles deu um grande avanço, é verdade; frisava a importância da observação. Mas ainda vigorava em seu pensamento, e no de seus seguidores, uma idéia muito fixa de como o mundo tem que ser para se encaixar em certos pressupostos metafísicos. Assim, a observação extensa e detalhada caminhava junto de afirmações patentemente falsas (ex: um corpo mais pesado cai mais rápido que um mais leve). Já conhecemos a estrutura básica do universo; a observação preenche essa estrutura, sem nunca questioná-la. O Motor Imóvel de Aristóteles não é um criador livre, mas o princípio motriz de um mundo eterno e necessário. Que tudo é composto de quatro elementos, que o universo extra-lunar é uma grande engrenagem incorruptível, composta de esferas de éter; essas e outras premissas básicas só seriam questionadas, pouco a pouco, séculos mais tarde, depois que a cultura clássica (difundida pelo Império Romano) fosse penetrada pelo Cristianismo.

E o Islã? Diferentemente da filosofia grega, o Islã acredita na criação do mundo; ou seja, o universo não é algo eterno e necessário; é uma criação de Alá, e poderia, portanto, ser diferente do que é. O problema é que, para o muçulmano, todo evento é ação direta de Alá. Não existem leis da natureza: é Alá que faz com que, neste momento, a pedra caia; no momento seguinte, sua vontade pode mudar. A vontade de Alá não se pauta por nada, nem por ela mesma. Ordena o que antes proibira. Não há segurança; a razão humana é falha e duvidosa. Houve no Islã ótimos filósofos e pensadores; não eram, entretanto, bons muçulmanos. Fé e razão são inconciliáveis. Com o fortalecimento da ortodoxia religiosa, sua cultura caiu no fideísmo obscurantista do qual jamais saiu.

No Cristianismo, o mundo também é fruto da vontade livre de um Criador. Contudo, esse Criador não é um tirano caprichoso que manda e desmanda, mas um pai bondoso e racional. O universo é um sistema ordenado, no qual o funcionamento de cada parte, ainda que possa ser atribuído em última análise a Deus, é o resultado de causas segundas contidas no próprio universo. O mundo é sujeito a leis inteligíveis, mas não é necessário ou eterno; precisamos descobri-lo, e para isso temos que usar os cinco sentidos, com base nos quais a razão infere leis gerais. Diferentemente do Islã, não há antagonismo entre o cultivo da inteligência e da fé. Pelo contrário: houve grandes filósofos que foram santos e homens de virtude reconhecida.

O universo não precisava existir, mas existe, e segue uma ordem racional, reflexo da Razão que o criou. Seu funcionamento é observável e mensurável, e portanto cognoscível, mas tem que ser descoberto pelos sentidos. É essa posição metafísica que conduziu ao nascimento da ciência. De fato, a ciência experimental, ou seja, que não se contenta em observar e anotar fenômenos, mas faz testes, elabora perguntas para a natureza, surgiu na Europa medieval (o próprio termo “ciência experimental” foi cunhado por Roger Bacon, um frade franciscano inglês do século XIII).

É óbvio que esta não é uma explicação fechada da origem da ciência. As contribuições científicas da cultura clássica grega e da cultura islâmica são inegáveis (a esfericidade da Terra e o heliocentrismo são descobertas gregas; e foram pensadores islâmicos que lançaram as bases da ciência ótica). Mas nada que se compare à produção científica ocidental da Idade Média em diante. Premissas de fundo têm o poder de direcionar nosso pensamento sem que o percebamos, e é no plano histórico que as diferentes direções tomadas pelas várias culturas aparecem claramente.

Ao se debater “Ciência e Religião”, opondo os avanços da ciência moderna ao Cristianismo, combate-se a própria metafísica da qual a ciência nasceu, e sem a qual sua existência futura é incerta.

9 comentários:

Anônimo disse...

Joel, essa foi demais. Acho que voce deve ter algum conflito interno entre sua religião e sua ciência e para aliviar o seu próprio paradoxo veio dizer que o cristianismo alimentou a ciência. Pergunte para Galileu o que ele acha disso...

Joel Pinheiro disse...

Meu caro anônimo, Galileu era cientista patrocinado pela Igreja. Copérnico, quem primeiro propôs o heliocentrismo na modernidade, era padre.

Sim, houve um uso indevido de poder para defender a tese do geocentrismo contra ele.

O próprio cardeal Belarmino, um dos opositores de Galileu, afirmava com todas as letras que se fosse provado que a Terra gira em torno do Sol, então ele aceitaria isso sem problema nenhum.

Galileu, ademais, era católico (e bem católico!). Não era nenhum santo; era bem arrogante e certo demais de suas teses, usando até mesmo argumentos totalmente furados para defendê-las (ex: o argumento das marés para provar o movimento da Terra). Nada que justifique um processo contra ele por questões científicas, é verdade, e nem a prisão domiciliar que ele recebeu como punição.

A pergunta que você deve se perguntar é: por que um espírito científico como Galileu e outros apareceu na Europa cristã e não no mundo árabe, ou na China, ou na África, ou na Grécia e Roma Antigas?

Anônimo disse...

Joel,

Se você já se convenceu que a Igreja Católica é uma grande patrocinadora da Ciência, não posso fazer muita coisa. Vou tentar duas coisas.

A primeira é te mostrar como é furado o argumento principal do seu texto: de que a ciência surgiu na Europa Cristã e não em outros lugares. Esse raciocínio é tão ridículo quanto perguntar porque os senhores feudais não viajaram à Lua. Como você pode querer que uma coisa aconteça 1000 anos antes do que aconteceu? E ainda, como usar isso para "provar" uma tese? Muito amadorismo, no mínimo. Má-fé, talvez? Pior ainda, é usar dois fatos diferentes e estabelecer uma relação de causalidade entre eles. Dizer que a Igreja gerou a ciência somente porque as duas coisas aconteceram simultaneamente não me parece algo que um bom economista faria, concorda? Na idade média, se você não fosse o primogênito para herdar as terras, você ou virava guerreiro ou virava padre, frade ou qualquer coisa do gênero. E fingia que respeitava o celibato, criado apenas para que os não-herdeiros que entravam para a Igreja parassem de "roubar" as posses dela via herança. Então usar o argumento de que tal cientista era frade é mostrar desconhecimento da história.

Mas não é só a lógica do seu argumento que é furada. O pior é que o argumento em si também não serve... na Grécia antiga a filosofia, a geometria, a literatura e muito mais prosperaram como em poucos momentos da história. OK, não era Ciência pela definição que a conhecemos, mas isso para mim é detalhe. A mente humana prosperou, e muito.

A respeito do próprio mundo árabe, por sinal, vale te ensinar que produziu muito conhecimento anos atrás. Foram eles que conseguiram, entre outras coisas, sedimentar a noção do zero na matemática (algo extremamente notável); foram eles que desenvolveram o sistema de números (de 1 a 9 e depois o 0), por isso são chamados de números arábicos. O responsável por isso, por sinal, foi um senhor chamado Al-Gorisma (que acabou dando origem ao termo 'algorítmo').

Bem, mas além de tudo isso, vamos ao outro ponto que gostaria de levantar: a posição da Igreja HOJE. Não contente em ter que carregar nas costas o fardo se ser a instituição que causou o maior número de mortes na HISTÓRIA, a Igreja ainda se posiciona a favor do celibato e contra preservativos, pesquisas com células-tronco, eutanásia e por aí vai. Isso é apoiar a ciência?

Anônimo disse...

preservativos e eutanásia?? Essa é a grande prova "HOJE" (em caixa alta)? Por que você, Anônimo não se pauta por dados históricos mais abundantes e concretos. É simples: se a ciência dependesse de ateus (e não houve nenhum cristão ou judeu na categoria), provavelmente estaríamos no feudalismo que ridicularizou agora. Arrisco a dizer que 90% das descobertas e estudos mais cruciais vieram de mentes de homens de ciência oriundos das respectivas religiões citadas. Conte nos dedos os mais importantes homens de ciência ateus. O mesmo vale para a literatura. Além de nunca haver fundado civilização alguma, de não construir legado algum, querem arrotar uma "iluminação" que jamais se justificou. Daqui a 2 mil anos conversamos.

Sobre você haver tentado ridicularizar o Joel por afirmar que a Igreja patrocinou vários nomes da Ciência... bem, o deboche recaiu sobre você mesmo. Vai estudar.

Joel Pinheiro disse...

Que a Igreja era a maior patrocinadora da ciência por séculos não é uma opinião. É um fato mensurável. Financiar cientistas, construir laboratórios, observatórios, telescópios, etc.

Isso começou na Idade Média, e se intensificou na Idade Moderna. Muitos reis também patrocinavam a ciência, mas a maior patrocinadora era a Igreja.
Você tem alguma idéia do número de cientistas jesuítas ao longo da história, e de suas contribuições para, por exemplo, a geologia?

Agora vamos aos outros pontos: sua visão de Idade Média, sinto dizer, é ainda a visão ensinada nos colegiais por aí: um esquema simplifcado. Para você deve ser um espanto descobrir que na Idade Média havia mercados altamente desenvolvidos, e que nela se desenvolveram o mercado de crédito, a nota promissória, o mercado de câmbio, a apólice de seguro, a contabilidade de partidas dobradas, etc. As grandes empresas multinacionais nasceram aí. Bancos italianos tinham filiais até na Irlanda.
Sem falar nos avanços tecnológicos: energia hidráulica, papel, arado pesado, estribo, óculos, engrenagens, relógio mecânico, etc.

O seu esquema não é totalmente falso: de fato a estrutura feudal (que na verdade vigorava em alguns lugares apenas) impunha algumas restrições- claro, também tinha benefícios: era uma ordem social que garantia alguma proteção e estabilidade para a sociedade agrária. Mas, ao contrário do que você acredita, havia muita gente que não era nem guerreiro, nem padre, nem servo.

O meu argumento (que é feito por autores respeitados também, mas isso não importa agora) não estabelece uma causalidade a partir apenas de uma ocorrência simultânea. Pelo contrário, eu procurei mostrar como as bases metafísicas do Cristianismo conduzem à ciência, argumento que você nem sequer tocou.

Quanto aos grandes feitos da Grécia Antiga e do mundo árabe, estou de pleno acordo com você. A própria Europa cristã não teria sido nada sem a influência delas. E é por isso que a questão se coloca com tanta força: é natural e esperado que a ciência não tenha surgido em alguma tribo selvagem; o espantoso é constatar que essas civilizações altamente desenvolvidas também não produziram (muita) ciência natural. E por que não? Acho que as crenças de fundo das diferentes culturas ajudam a explicar.

Por fim, mesmo hoje a Igreja continua a ajudar a ciência, embora não seja mais a maior patrocinadora da pesquisa científica.
Contudo, os experimentos científicos e a tecnologia devem ser usados de forma a respeitar a dignidade humana, e nunca violá-la.
Imagine um cientista nazista que argumentasse: "As potências européias e os EUA são a favor da ciência?? Não me faça rir! Se elas realmente fossem, não veriam problemas nos meus experimentos em seres humanos!" - a situação atual é essa.

Anônimo disse...

Joel,

A sua comparaçãocitação do nazismo foi extremamente infeliz e absurda. Dizer que a situação atual é meramente comparável ao que Mengele e cia. fizeram é mais do que ignorância, é falta de respeito com aqueles que sofreram nas mãos deles, e por sinal enquanto a "grande" Igreja Católica fez muito para impedir.

Não é espantoso para mim ouvir que foi na Idade Média que surgiu o crédito e tudo o mais que você citou. Espantoso é você querer colocar isso também na conta da Igreja. Os católicos podiam emprestar dinheiro? E a usura? Acho que você deveria citar também que foi na Idade Média que o antissemitismo cresceu e criou as raízes modernas, e isso sim por culpa da Igreja, que precisava associar o pecado de cobrar juros aos não-católicos.

Dogmas, dogmas... liberte-se!

Joel Pinheiro disse...

Não falei que foi a Igreja enquanto instituição que criou a ciência e o pensamento científico. Ela patrocinou muito a ciência, mas as origens da ciência encontram-se não na instituição ou nos postos de comando da hierarquia, mas sim na mente das pessoas. Foi a metafísica particular do Cristianismo que permitiu e conduziu à ciência, e também ao desenvolvimento social, econômico e cultural que ocorreu na Europa.

Quanto aos experimentos que tiram a vida de embriões e ao aborto, acho que é você quem deve pensar mais: as vítimas desses crimes são menos reais só porque não as vemos?

Unknown disse...

EU QUERIA SABER: O QUE DIFERENCIA GALILEU DOS FILOSOFOS GREGOS DA ERA CLÁSSICA E QUAL A SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O NOSSO PENSAMENTO ATUAL QUANDO RELACIONANMOS A CIÊNCIA DO CONHECIMENTO SE COMPARADO COM O CRISTIÂNISMO(IGREJA)????

LeoBatista disse...

Anônimo,

Seus comentários são recheados de "pré conceito", cara. Parece que algum professor humanista encheu sua cabeça de minhocas. Eu já passei por isso também. Lembro do ódio idiota que eu senti na faculdade quando professores descompromissados com a verdade e com o estudo imparcial me enchiam a cabeça de "pré conceito" em relação a Igreja Católica. Espero que você já tenha se libertado desse pensamento ginasial. Já tenha estudado um pouco mais sobre a idade medieval, dado uma lida nos documentos da Igreja Católica, etc. Não se discute o patrocínio ao estudo científico promovido pela Igreja Católica, rapaz. Isso é fato. No mais, apesar de bem tardio, parabenizo o post do Joel Pinheiro, claro e coerente. É uma sensação de alívio libertar-se da lavagem cerebral que é feita nas faculdades federais hoje. Espero que Anônimo tenha conseguido se libertar também.