terça-feira, fevereiro 03, 2009

Buddy Holly

Num fim-de-tarde de domingo de 2005, enquanto eu guiava até o shopping Villa-Lobos, um programa já falecido da Kiss FM tocou a música “It’s So Easy”: um rock n’ roll bem simples, com uma alegria fácil e ingênua transmitida por um vocal em geral contido mas que, nos momentos certos, arranhava a voz em rajadas intensas. Foi a primeira vez que ouvi Buddy Holly.

Pouco tempo depois encontrei um CD dele na FNAC. Eu descobrira o rock dos anos 50; demorei um tempo para realmente gostar do Buddy, pois ele não se encaixava facilmente nos moldes do rock n’roll e do rockabilly que eu perseguia avidamente; e a todos os outros. Mas se isso fez com que seja mais difícil apreciar sua música, também fez com que o valor dela seja muito mais duradouro. E é por isso que até hoje recebe homenagens, novas versões de seus clássicos continuam a ser gravadas por bandas de todos os estilos, e influências audíveis suas estão presentes em muitos artistas contemporâneos.

Buddy Holly foi um músico inovador. Escrevia grande parte de suas músicas; foi dos primeiros a sobrepor sua voz a ela mesma, criando uma harmonia consigo; seus arranjos musicais contavam com instrumentos inusitados (“Raining in my Heart” tem uma flauta; “Everyday” tem uma celesta, instrumento ouvido na suíte do Quebra-Nozes de Tchaikovsky - quem viu Fantasia conhece); suas melodias fugiam do óbvio e do esperado, da estrutura básica que identificamos ao rock dos anos 50. O que mais me toca, no entanto, é a amplitude emocional que ele trouxe ao rock, principalmente pela voz.

Um bom intérprete de rock é capaz de fazer letras relativamente pobres dizerem muito mais do que está escrito. As letras de Buddy Holly são superiores ao padrão da época, mas o que realmente o destaca acima dos demais é a qualidade de seu canto.

Talento vocal ele tinha. Sua voz era lisa e fluía como um tranqüilo riacho, não de água, mas de nuvens, nos momentos mais pensativos e íntimos. Um bom exemplo é “Moondreams”, na qual o eu-lírico, sozinho, fala consigo e com a amada, vista em sonhos; o ouvinte é também ele levado para um mundo de sonhos. “Raining in my Heart” tem a mesma atmosfera tranqüila, embora essa tranqüilidade seja fruto da tristeza resignada. “Dearest”, que figura na trilha sonora do filme Juno, é uma extremamente singela e terna declaração para a amada, que está distante.

Em outros momentos, emoções mais fortes tomam conta. O rock clássico gira em torno de relações românticas entre jovens: o cortejo, a desilusão, a dança, o namoro, o término do namoro, o casamento, etc. Por mais que o jovem goste de aparentar auto-confiança, seu peito é um poço de insegurança e nervosismo. Buddy refletia isso em sua música; o soluço, a gagueira, a hesitação, a mudança repentina no tom, a voz trêmula - o amplo uso desses recursos nos transporta para o estado de espírito do jovem apaixonado, no qual convivem êxtases e calafrios, coragem e timidez.

A alegria e a agonia de se estar apaixonado fundem-se, por exemplo, em “Rave On”, uma declaração de amor exagerada (como todas) e explosiva, da qual transborda a expectativa aflita de que a amada sinta o mesmo. Em “Changing All Those Changes”, rockabilly de batidas bem marcadas, o eu-lírico se arrepende de ter terminado o namoro e promete mudar; sílabas são gaguejadas e a voz é entrecortada pelo arrependimento desesperado. Nos momentos de maior intimidade a dois, trechos são cantados na voz “de bebê” usada entre namorados (“Peggy Sue”, um de seus clássicos mais famosos, é um bom exemplo). Os sentimentos nunca são unívocos; na melancólica “It’s Too Late”, a lamentação da perda tem uma ponta de esperança, uma súplica por uma segunda chance. Em “Last Night”, a tristeza de ter sido deixado é superada pelo desejo de que a amada esteja bem. Já na mais animada “Reminiscing”, o eu-lírico, revoltado com a infidelidade da ex-namorada, promete superá-la ao mesmo tempo em que chega à fronteira do choro, não se sabe se de ódio ou de saudade; a arranhada na voz é usada para marcar a raiva, e a mudança repentina de tom e os soluços a angústia que o leva às lágrimas. A desilusão amorosa chega a um pico em “Mailman Bring Me No More Blues”, que não é propriamente cantada, mas chorada, e em “Lonesome Tears”, um apelo violento e inconsolável à namorada que se foi, que cresce até culminar num arroubo de paixão arranhada e desafinada.

É sempre bom lembrar que todas as músicas, por mais tristes que fossem, guardavam algo de divertido e jovial; trata-se, afinal, dos altos e baixos de um jovem com um futuro pela frente, e não da amargura negra de uma velhice frustrada ou das reclamações mimadas de uma juventude entediada, como no EMO.

Em outras canções, os sentimentos são outros; Buddy era um mestre do rockabilly. Suas interpretações são verdadeiras explosões de vitalidade e excitação, da emoção da conquista (que em geral se dá na dança - o que explica porque tantas músicas de rock sejam sobre... o próprio rock), como na dançante “Rock Around with Ollie Vee”; ou da provocação e vingança contra a mulher que o rejeitou (ex. “Midnight Shift”, “Don’t Come Back Knocking”). Outras são mera celebração do fato de se ser jovem (“Ain’t Got No Home”, “Ting-a-Ling” - na minha opinião, os dois melhores rockabillies dele), ou ainda exultações de alegria por se estar apaixonado (“It’s So Easy”) e por se casar com a mulher amada (“Now We’re One”).

Diferentemente de tantos músicos da época, Buddy Holly não se restringia a um único estilo. Ele experimentou diversas possibilidades, tanto em direções mais agitadas quanto mais calmas. Suas baladas e canções de maior carga sentimental, embora tivessem algum sucesso nos EUA, estouraram mesmo é na Inglaterra, onde influenciaram muito os Rolling Stones e os Beatles, que ascenderiam ao estrelato logo em seguida (gravando inclusive músicas dele). Muito de seu mateiral é difícil de classificar. “Peggy Sue” não tem nem sequer uma batida sincopada - uma linha contínua de tambores e de violão acústico constituem a base sobre a qual a voz declara repetidamente, com pequenas variações, seu amor pela namorada.

A importância de Buddy Holly na música é reconhecida por todos os grandes artistas do rock. É uma pena que ele tenha morrido ainda jovem, aos 22 anos, num acidente aéreo (eternizado por Don McLean na música “The Day the Music Died”, também conhecida como “American Pie”). Sua carreira de sucesso não tinha sequer três anos. É uma pena pensar em tudo o que ele poderia ter realizado; ao mesmo tempo, a importância do que ele deixou é o bastante para consagrar um artista de qualquer idade.

Buddy Holly morreu no dia 03 de fevereiro de 1959, há exatos 50 anos. Acho uma boa data para fazer esta homenagem a um dos meus músicos favoritos, e quem sabe levar alguém mais a conhecer e apreciar sua obra.


4 comentários:

Anônimo disse...

Uma gracinha esse texto. Ui.

Mas falando sério: se o dia em que Buddy Holly morreu foi o dia em que a música ou o roque morreu, o que foi então o dia em que Elvis morreu? Hein?

Joel Pinheiro disse...

Também um dia muito trágico, sem dúvida.

Mas uma coisa é a morte de alguém que teve o tempo de produzir e mostrar ao mundo o seu potencial.

Outra é a morte de alguém que vai embora deixando tanto por fazer.

Maria Celina disse...

Fazia tempo que não escutava Buddy Holly. Não que seja fanática por ele, mas o havia descoberto em alguma loja de cds durante uma viagem, e gostei do que escutei.
Passam-se os meses (anos?).
Depois de ler sua homenagem, resolvi escutar meu cd novamente. Eu nunca havia pensado no Buddy Holly como representante de uma juventude normal, mas faz sentido isso. Talvez eu nunca tivesse realmente prestado maior atenção na sua música, mas começo a escutá-la com novos ouvidos. ;)
Merci.
Acho que vc podia escrever mais sobre música, aliás.

Ruben Juliano disse...

Triste é ver que, quando a gente digita "buddy" no Google, a primeira sugestão de pesquisa que aparece é "buddy poke"..."buddy holly" só aparece em sétimo lugar...hahahah...só rindo pra não chorar.