quinta-feira, setembro 13, 2007

Renan Calheiros: produto natural da política

Renan Calheiros teve uma filha com sua amante e sustentava-as com dinheiro conseguido de um lobista de empreiteira junto ao governo. Não faltavam testemunhas. Em sua defesa apresentou notas fiscais que sequer tinham consistência interna. Mesmo assim, foi absolvido pelo Senado. Não quebrou o “decoro parlamentar”. Se isso não quebra decoro parlamentar, decoro parlamentar não existe!

O caso Renan torna mais explícito e presente aos nossos olhos o que, no fundo, já sabemos há tempos: a política brasileira é simplesmente podre. O Legislativo é um câncer em metástase; não passa de um cancro infeccioso. Grande parte de seus cargos e membros poderia ser abolida que a sociedade ganharia muito. Um juízo sobre o Executivo e o Judiciário não seria muito diferente. Ao invés de repetir obviedades sobre a política nacional, no entanto, acho mais interessante tirar dela uma lição sobre economia e política públicas em geral.

Ao longo dos textos deste blog, sempre que se considera uma política pública, parte-se do pressuposto de que os políticos desejem sinceramente os fins que declaram. Não há desonestidade ou incompetência; caso contrário, poder-se-ia contra-argumentar dizendo que o fracasso das políticas e medidas públicas deve-se ao fato de os políticos atuais serem muito desonestos, e que se outros políticos, de outro partido, mais ético, estivessem no poder, tudo mudaria. Como tento mostrar repetidamente, não é o caso: mesmo com políticos bem-intencionados, os resultados da grande maioria das políticas públicas são desastrosos.

Desastrosos, mas poderiam ser piores. O uso repetido desses argumentos pode cegar-nos para a verdade: não há motivo algum para se supor que os políticos tenham qualquer intenção de ajudar o povo ou de serem honestos. Tampouco há motivo para supor que entendam algo dos assuntos sobre os quais, freqüentemente, se metem a falar.

Não é coincidência que a política seja o palco de tantas e tamanhas desonestidades e sem-vergonhices. A própria estrutura da organização política incentiva à desonestidade e à incompetência. O político cuida de um dinheiro que não é seu; foi tirado de seus donos originais, e portanto não pertence, na prática, a ninguém. Ninguém sentiria falta dele se fosse desviado para um fim pessoal do governante. Assim, há o incentivo para a desonestidade e desvio de verbas. Para combater a corrupção, cria-se toda uma estrutura de fiscalização das contas públicas, que demanda uma grande quantidade de recursos; mas essa estrutura também ela incentiva o roubo; se o fiscal aceitar um suborno para fechar os olhos, quem ficará sabendo? Só se o fiscal do fiscal pegá-lo. Mas e se ele também tiver seu preço...?

Além disso, a receita com a qual o político deve trabalhar não depende de seu desempenho. Um empresário só conseguirá o dinheiro para mais investimentos se satisfizer bem os desejos da população. O político não precisa servir a ninguém; seu dinheiro vem por meio dos impostos e da emissão de moeda. Se o orçamento não cobrir todos os gastos, é só pegar mais! E é muito mais fácil gastar mal do que fazer gastos eficientes. Assim, todo político é incentivado a ser incompetente, a gastar mal o dinheiro. No final das contas, seu mandato depende ou de relações internas ou de fazer boa propaganda quatro anos depois.

Não quero com isso dizer que todo político é desonesto e incompetente. Mesmo no Senado deve haver pessoas sérias, entre os que votaram contra Renan (e talvez até mesmo algum que tenha votado a favor; vai saber...). Mas um político honesto e competente é um verdadeiro herói, pois todos os incentivos da organização governamental empurram-no na direção contrária.

No futuro, ao escrever mais textos sobre políticas públicas, continuarei a me basear na premissa do governante honesto. Entretanto, não se iludam: além de todos os desastres causados pelas políticas mais bem-intencionadas, temos de arcar também com os pagamentos de lobistas, desvios de verba, compras super-faturadas, propinas, chantagens, fisiologismo, enfim, com o descalabro que é o governo brasileiro.

7 comentários:

negoailso disse...

cê pegou esse línque no Gustibus? De Berkeley, em português mesmo

http://repositories.cdlib.org/cgi/viewcontent.cgi?article=1051&context=bple

tipo, tem algo de podre - na raiz

Joel Pinheiro disse...

Obrigado pela indicação Gabiru. Não tinha visto o texto, não. É muito interessante!

Claro que, como todo estudo estatístico, ele nos mostra apenas uma relação histórica entre as variáveis. Acho que os autores se precipitaram em tirar dessa constatação convicções sobre a causalidade envolvida entre corrupção e educação.
Mas, de fato, nos faz repensar a velha história de que todos os males do país serão resolvidos pela educação.

"Educação! Educação! Educação!"; já virou um chavão.

Mas talvez a melhora da educação seja mais uma conseqüência do que uma causa da melhora da qualidade de vida, da diminuição da corrupção, etc.

Mais uma vez, obrigado pela indicação!

Anônimo disse...

Joel, não tenho palavras.
Eu poderia te aplaudir de pé.
Apesar de todas as nossas diferenças, nesse artigo você está perfeito!
BJus

Anônimo disse...

Quando voltar aqui com calma, lerei os artigos que estou defasada e sei lá... acho que não existe nada aqui que possa ser acrescentado.
Mas mesmo assm, tenho que voltar pra comentar alguma coisa.

negoailso disse...

"Mas talvez a melhora da educação seja mais uma conseqüência do que uma causa da melhora da qualidade de vida, da diminuição da corrupção, etc."


tb acho o mesmo em relação à saúde, só para ficarmos com os dois paradigmas [creio] mais importantes: educação e saúde.

Joel Pinheiro disse...

Obrigado pelos elogios, Olívia!

Você, como leitora das mais antigas do Tavista, é sempre bem-vinda.

Anônimo disse...

Joel, acredita que hoje eu li seu artigo mais uma vez e não tenho palavras???
Não tem outro lugar onde vc possa publicar? Nem que seja o mural da faculdade?
No mural de faculdade tem propagandas a favor do aborto, da maconha e tanta inutilidade... Pq nao imprime isso e posta lá?
Dá uma adaptadinha, pois foi feito direcionado ao blog, e manda a um lugar onde mais pessoas possam lê-lo.