quinta-feira, novembro 30, 2006

Por uma nova (porém antiga) concepção da alma

A alma é, hoje em dia, vista exclusivamente como objeto da religião. E sem dúvida a religião tem muito a dizer sobre ela. No entanto, poucos sabem que, tradicionalmente, a alma era objeto da filosofia.

Platão e Aristóteles pensaram e escreveram exaustivamente sobre o tema. No final das contas, a visão platônica acabou dominando o imaginário popular. Se imaginamos a alma como um fantasma, ou como um “eu” que controla o corpo assim como um motorista guia um carro, é a concepção platônica que temos em mente. E é natural que uma pessoa, ao ouvir falar desse conceito de alma como fantasma que vive no corpo, se pergunte “que evidências temos de que tal coisa exista?”; e que, na falta de tais evidências (que de fato não existem), acabe por concluir que a alma não exista.

Totalmente diferente é a concepção aristotélica. Segundo ela, a alma é o princípio vital do ser vivo. Mas o que isso quer dizer? Melhor do que tentar explicar em termos abstratos é mostrar concretamente, para que do caso concreto cheguemos ao conceito geral.

Um ser vivo unicelular e um coacervado (entidade não-viva mais próxima do ser vivo) têm muitas semelhanças. Ambos são constituídos por um conjunto de componentes que desempenham certas atividades; mas qual a diferença entre os dois? No coacervado todos os componentes se comportam de forma caótica, enquanto que no ser vivo todos eles são ordenados ao mesmo fim: a sobrevivência do indivíduo e a preservação da espécie. Esse ordenamento interno é a vida do ser. Ele não é causado por nada material (não é nem um corpo nem uma energia); necessita, portanto, de um princípio distinto da matéria que faz do indivíduo um todo organizado. Esse princípio ordenador, ou princípio vital, é a alma.

Todo ser vivo, portanto, tem alma, que é a responsável por sua organização. E essa atividade ordenadora da alma manifesta-se em diversas funções. Nos seres mais simples, elas se resumem apenas à nutrição, metabolismo, crescimento e reprodução (é o caso das plantas). Os animais, por sua vez, têm sentidos, movimento próprio (auto-iniciado), memória. Mas notem que todas essas variadas atividades dependem necessariamente da matéria: sem olho não pode haver visão, e tampouco pode haver movimento sem um corpo que se move.

O ser humano é ele também um animal. Mas sua alma possui uma atividade que lhe é única: a razão, ou seja, a capacidade de especulação, de raciocínio, de abstração. Não somos, portanto, um fantasma preso à matéria; somos o próprio composto de alma e corpo: um corpo vivo, sensível e pensante. Corpo e alma estão intimamente ligados, de modo que um está constantemente agindo sobre o outro, mas são, ainda assim, princípios distintos.

A alma humana sem corpo é um ser incompleto. Não somos intelectos etéreos que habitam um corpo temporariamente, e tampouco somos animais de existência puramente material. Somos animais racionais, capazes de pensar racionalmente, de forma abstrata, e de escolher nossas ações (ainda que essa decisão sofra todo tipo de influência corpórea não-racional). Tendo feito essa breve incursão filosófica, não parece mais tão estranha a crença cristã de que, ao final dos tempos, terá lugar a ressurreição da carne, na qual todas as almas serão re-unidas aos seus corpos. Só assim pode o homem existir plenamente enquanto tal.

domingo, novembro 26, 2006

Trocando vidas por sexo...

Continuando a análise de trabalhos relevantes sobre temas polêmicos, buscarei apresentar o resultado e o argumento central do estudo realizado por J. Donohue III e S. Levitt, em maio de 2001, no artigo "The Impact of Legalized Abortion on Crime". Para isso, complementarei o modelo da teria econômica do crime que utilizamos em posts anteriores.

Como vimos, a decisão de um indivíduo de realizar um crime é semelhante à de realizar um investimento, ele buscará maximizar os retornos futuros esperados dos seus atos considerando o risco envolvido e uma certa restrição moral. Basicamente, estará pensando nos ganhos esperados menos a probabilidade de ser pego e condenado que multiplica a punição esperada. Todos estes fatores são funções da gravidade do crime, isto é, quanto maior a gravidade, maiores os ganhos esperados, as chances de ser pego e condenado e a punição.

No momento da escolha o agente trará estas expectativas futuras a valores presentes, descontando os fatores por uma taxa que seria capaz de representar o seu grau de imediatismo ou inconseqüêncialismo. Criminosos, curiosamente, tendem a utilizar uma taxa maior para a punição, fazendo com que seu peso no momento da decisão seja subestimado. Assim, o crime poderia ser inibido com um aumento nas chances do indivíduo ser capturado, na eficácia investigativa, na severidade do castigo, na restrição ética (educação) ou então reduzindo o imediatismo, que é uma cegueira temporária capaz de obnubilar a moral.

Diversas evidências de que a legalização da prática do aborto contribuiu significativamente para a redução da criminalidade nos Estados Unidos, são apresentadas no artigo de Donohue e Levitt. Uma drástica redução nos crimes foi observada nos estados que legalizaram o aborto, cerca de duas décadas após a medida. O estudo mostra, estatisticamente, que metade desta redução pode ser atribuída à legalização.

Os autores apresentam explicações à idéia de que jovens nascidos após a legalização, em média, seriam menos propensos ao crime. Estas crianças não teriam crescido cercadas por condições desfavoráveis à formação ética e moral, não nutririam um sentimento de rejeição e não seriam criadas por mães muito jovens, solteiras, pobres e que utilizassem drogas, durante e após o parto. O aborto teria possibilitado um controle, um instrumento, para a escolha do momento ótimo para a gravidez, que seria determinado pela idade, educação e renda da mulher.

De acordo com o paper, a legalização do aborto teria feito com que pais que não desejassem seus já concebidos filhos, pudessem se livrar deles de uma forma legítima e, assim, não acabassem criando, com negligência, as futuras crianças. Deste modo, o número de jovens com traumas, distúrbios psicológicos, vícios e demais mazelas teria se reduzido significativamente no período analisado. Como os indivíduos com este tipo de perfil seriam os mais propensos ao crime, por preferirem, de uma forma desmedida, o agora ao futuro e serem incapazes de respeitar os princípios da honestidade e do pudor, a legalização teria diminuído esta problemática turba eliminando os potenciais imediatistas devassos.

Como descrita pelos autores, a análise feita é positiva e não normativa. Deste modo, o estudo não se preocupa com a questão das implicações éticas e morais do aborto. É certo que a legalização do aborto tenha criado uma opção segura às mães, que não estivessem preparadas para a formação de uma criança, de postergar o fardo da criação e evitado que jovens, desvirtuados e potencialmente perigosos à sociedade, viessem a existir. O problema é a omissão de que, num segundo momento, uma sociedade impulsiva, promíscua e irresponsável possa estar sendo formada, que despreza o valor da vida e não se importa com as consequências de seus atos. Na busca pela eliminação de imediatistas, novos inconsequentes podem estar sendo criados. Indivíduos formados deste modo sempre buscarão meios para consertarem seus erros, independentemente dos custos, e não para evitá-los. Poderão chegar a trocas mais absurdas do que a do sexo sem proteção pela vida de um (futuro) ser humano.

domingo, novembro 19, 2006

In Memoriam

“Underlying most arguments against the free market is a lack of belief in freedom itself.”
(Milton Friedman)



Infelizmente, morreu na última quinta-feira um dos defensores da liberdade: o economista Milton Friedman. Friedman, não obstante sua permanente “ideológica” luta pelo livre-mercado e pelas liberdades individuais, é certamente um dos maiores economistas do século XX, tendo feito importantíssimas contribuições à ciência. Contudo, busco neste texto atentar não para tais contribuições, mas para três propostas do gigante economista que objetivam maximizar a liberdade individual, com base na diminuição do Estado, na melhora de sua eficiência e na liberdade de escolha.

A primeira delas diz respeito à política monetária e ao controle da inflação. Um dos motes da obra de Friedman foi elucidar a dificuldade dos programas de estabilização da economia, além do poder que tem a autoridade monetária de gerar instabilidade. Com base nisso, Friedman advoga uma regra clara e consistente de expansão da oferta de moeda. O argumento subjacente é que como a regra é sabida pelo mercado, não haverá diferença entre as expectativas de preço e a inflação efetiva. Logo, variações na oferta de moeda não terão impacto sobre a atividade econômica, poupando a sociedade das roubo que é a inflação.

Uma segunda proposta é a introdução de school vouchers (vales-escola), para aprimorar a qualidade do ensino e ceder a todos os pais, independentemente da renda, a liberdade de escolher a educação dos filhos. Ao invés de prover gratuitamente educação, o Estado cederia vouchers às famílias com crianças em idade escolar, sendo os vouchers direito de adquirir uma quantidade de dinheiro em educação. As vantagens imediatas dessa proposta seriam colocar as escolas públicas em situações de concorrência aprimorando sua qualidade e dar liberdade de escolha para os pais, inclusive para inteirar com a própria renda o poder de compra dos vouchers para adquirir educação melhor ainda.

Por fim, há a proposta do imposto de renda negativo. Tal proposta tem como objetivo diminuir a pobreza e funciona de forma simples: estabelece-se uma renda anual como renda mínima para que uma família viva (o equivalente a uma cesta de consumo que garanta suas necessidades básicas) e aquelas famílias com renda menor a essa recebem a quantia complementar como transferência de renda do Estado. Essa configuração tem a grande vantagem de permitir a total saída do Estado da provisão de serviços não essenciais à sua natureza, como educação, saúde e previdência.

Certamente, minhas palavras e o exíguo espaço não são capazes de demonstrar a lucidez dos argumentos de Friedman. Para aqueles que desejam saber mais, a leitura recomendada é o livro Capitalism and Freedom.

quarta-feira, novembro 15, 2006

Welfare ou Warfare: Triste Escolha

Há poucos dias o partido Democrata americano obteve uma importante vitória eleitoral: conseguiu a maioria de representantes no congresso e no senado. Isso não é mérito algum do partido. Muito pelo contrário: ele se encontra desestruturado, suas propostas falham em animar a população americana e figuras importantes cometem gafes grosseiras (John Kerry insinuou que quem serve no exército o faz por não ter tido educação de qualidade; o que obviamente pegou muito mal).

O motivo dessa virada eleitoral tampouco foi uma grande mudança de crenças ou valores da população. Interpretou-se que talvez os americanos estivessem desistindo da recente guinada conservadora e voltando aos ideais liberais, mas isso não é o caso; ao mesmo tempo em que os democratas venceram as eleições, os referendos sobre o casamento homossexual deram vitória conservadora. O grande culpado pela virada dos Democratas nos EUA é o partido Republicano. E a causa é uma: a guerra no Iraque.

Saddam Hussein era um tirano violento. Um dos poucos pontos positivos da guerra foi sua queda; mas como o presente nos mostra, a retirada desse mal liberou males novos, talvez até mais perigosos do que o velho ditador. Pois uma coisa é certa: se a maioria xiita, até então oprimida, conseguir impor seu ideal de governo ao país, então a ditadura secular de Saddam será lembrada com saudades dentro e fora do Iraque. Mas aqui já sonho alto demais, dado que não há qualquer perspectiva de instalação de um governo iraquiano estável e independente do poder americano.

Para os EUA a situação também é terrível. Vidas são perdidas e uma quantidade inconcebível de recursos é gasta (o que fez com que o governo se afunde em dívidas). O Partido Republicano tem aparecido como defensor da moral tradicional e de uma economia menos controlada pelo Estado. Isso na teoria. Na prática, ambos esses objetivos foram sacrificados para sustentar uma guerra sem sentido e sem possibilidade de sucesso. Os Republicanos mostram-se tão estatizantes quanto os Democratas; nos EUA há a escolha entre dois matizes de intervencionismo: “welfare” e “warfare”.

Os democratas, com sua defesa do Estado de bem-estar social, de salários mínimos mais altos, de extensa redistribuição de renda, de regulamentações e impedimentos ao livre mercado, representam o “welfare”: sob o pretexto de construir uma sociedade mais justa e com melhor qualidade de vida, promovem a pobreza generalizada, o desemprego e a falta de oportunidades. Já os republicanos representam o “warfare”: sob o pretexto de tornar o mundo um lugar melhor e de proteger o país de seus inimigos externos promovem guerras sanguinárias e extremamente custosas. Uns empobrecem a sociedade torrando seus recursos em políticas que pioram a vida de todos; os outros empobrecem-na gastando sua renda para explodir casas e matar famílias a milhares de quilômetros dali.

Mas tenho dado crédito demasiado ao discurso dos dois partidos. Há muitos eleitores que votam em um dos dois exatamente por defender o “welfare” em oposição ao “warfare” ou vice-versa. Mas no final das contas ambos são iguais: os Republicanos continuam as políticas sociais dos Democratas, e criam novas, e os Democratas mantêm as guerras, isso quando não são eles que as declaram.

A derrota dos republicanos não foi uma derrota do livre mercado e da moral cristã. Foi a derrota do fracassado “warfare” e a concessão de mais uma chance ao “welfare”; a permuta de duas posições que, na prática, são indistinguíveis.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Vale a Pena?

O tema escolhido para este texto, certamente, passou pela mente de todos os que se mantiveram pelo menos um pouco informados esta semana. A condenação de Saddam Hussein à forca me fez pensar na necessidade da pena capital, os seus resultados práticos, os modos com os quais as principais religiões tratam a condenação... Buscarei, agora, trazer um pouco do que encontrei à respeito do assunto.

Creio que a exposição do tema poderá ser feita de uma maneira mais concisa e que as abordagens deontológicas, morais ou religiosas poderão ser deixadas em segundo plano (e até evitadas, dada a extensão do tema e as poucas linhas disponíveis) se apenas a face econômica for analisada. Tratarei, então, das relações entre pena de morte e utilidade, considerando o uso de recursos e os incentivos gerados.

O Utilitarismo, como um critério de sustentação de preferências e validação, requer intrusões e juízos de valor mínimos. Considerando a relação custo-benefício busca a maximização da utilidade, isto é, dos benefícios gerais, das boas consequências, da felicidade, do prazer e do bem estar. Pela sua objetividade, é também aplicado em certas questões jurídicas. É possível, portanto, analisar a questão da pena capital sob a ótica da utilidade gerada. Veremos se utilizando a lógica e/ou estudos empíricos conseguimos diferenciar, em termos de utilidade, situações com e sem a presença da pena de morte.

A prisão perpétua pode ser considerada um meio "substituto imperfeito" para a pena de morte. Defensores do encarceiramento mostram que os processos judiciários de casos relacionados à pena de morte são mais dispendiosos e exigem um maior tempo de análise por se tratar de uma tomada de decisão irreversível. Por outro lado, os que defendem a pena colocam que os custos extraordinários na corte são compensados pela colaboração que o réu busca e é encorajado a demonstrar, uma vez que facilitar a investigação e se declarear culpado fazem com que ele não seja condenado a pena capital (no caso dos EUA), e pela economia de recursos que acontece, pois a pena seria capaz de deter novos crimes do acusado (considerando-se eventuais fugas e problemas dentro do cárcere) ou desincentivar novos crimes, por ser um exemplo forte de castigo. Não existem estudos que sejam capazes de concluir quais dos métodos de punição é o mais eficiente.

Como vimos no texto "O funcionamento de uma mente criminosa" (Tavista, 20 de maio de 2006), de Werther Vervloet, a decisão de um indivíduo de realizar um crime é semelhante à de realizar um investimento. O agente, involuntariamente, estará pensando em algum retorno esperado dado um certo nível de risco. Ponderará seus possíveis ganhos com a probabilidade de ser pego, de ser condenado e com a punição que receberia. O que inibiria o crime? Um aumento nas chances dele ser capturado, na eficácia investigativa ou então na severidade do castigo.

Faz todo o sentido, então, pensar que a mais rigorosa punição seja capaz de desincentivar a criminalidade. Contudo, isto não é observado empiricamente, pelo menos não de uma forma conclusiva. Isaac Ehrlich (1975) analisou a questão dos incentivos, considerando os benefícios e punições esperados dos criminosos. Apesar de obter resultados favoráveis à influência da pena na redução dos homicídios, críticas ao modelo utilizado nas regressões e à um provável viés na escolha do período estudado fazem com que as conclusões percam credibilidade.

Thorsten Sellin (1967) realizou quatro testes comparando: perídos de tempo em que a pena seria abolida e depois restaurada, regiões com e sem a pena de morte, momentos antes e após execuções amplamente divulgadas e números de mortes de políciais em regiões onde assassinatos de policiais eram e não eram casos castigados com a pena final. Ele não encontrou evidências do efeito preventivo gerado pela existência da pena de morte. Porém, críticos argumentam que ele não distinguiu os tipos de homicídos no estudo (que alterariam o tipo de punição) e não manteve o ceteris paribus, entre outros equívocos.

Richard Lempert (1981) demonstrou que, curiosamente, na Grã-Bretanha, um grau elevado da austeridade penal, a pena capital, reduzia as chances do preso ser condenado por homicídio, grande parte era considerada insana. A partir de 1965, quando a pena foi abolida, a relutância por parte do juízes à condenação não mais existia e os números mostram que o número de condenados por homicídio se elevou, assim como o número de criminosos incapacitados mentalmente sofreu uma drástica queda.

Como pudemos ver, não é possível fazer conclusões definitivas quanto às utilidades geradas pelos métodos de punição analisados (considerando o requerimento de recursos e criação de desincentivos). Edward Leamer (1983) econométricamente evidencia como os estudos relacionados ao tema são viesados e os resultados são sensíveis às crenças prévias dos pesquisadores. Além deste entrave à conclusões mais robustas, a escassez de dados também impossibilita análises mais precisas.

segunda-feira, novembro 06, 2006

A imprensa e o totalitarismo

Ao tratarmos de governos totalitários, é comum vermos que um de seus primeiros passos sempre é, de alguma forma, restringir a liberdade de imprensa. Fato esse que, nada mais é do que uma necessidade para que tal governo mantenha-se no poder. A mídia, por meio dos meios de comunicação em massa, é a maneira mais eficiente de difusão do conhecimento. Nada mais razoável, então, que regimes autoritários e antidemocráticos exerçam controles sobre os meios de comunicação visando manter longe do conhecimento popular fatos que lhe seriam prejudiciais. Desse modo, o ataque à liberdade de imprensa é um forte indício de que algo mais assustador está por vir.

Assim sendo, ao olharmos para o Brasil, temos motivos para começar a nos preocupar. No curto período de tempo entre a reeleição de nosso Presidente e o dia de hoje, já são contabilizadas algumas agressões diretas a órgãos de imprensa, ditos oposicionistas, por parte do governo ou de pessoas ligadas a ele. São ataques contra vários meios, imprensa escrita, revistas, periódicos eletrônicos e assim por diante. Grandes, pequenos. Regionais ou nacionais, tanto faz. A única semelhança que guardam entre si, é que não se omitem em informar os escândalos nos quais está envolvido o atual governo. A seguir comentarei dois fatos de maior relevância.

O primeiro ocorreu no dia seguinte ao segundo turno da eleição presidencial, na chegada de Lula à Brasília. Militantes petistas e acessores de membros do governo hostilizaram jornalistas e repórteres que, como eles, aguardavam a chegada do presidente, mas não para festejar e sim para cobrir o evento. Em um certo momento, os petistas em questão decidiram ser uma afronta ao PT a presença de jornalistas de “entidades contra o Presidente Lula e o PT” e resolveram partir pra cima de alguns jornalistas. Ao ser indagado sobre o assunto, Marco Aurélio Garcia, presidente do PT disse ser o fato um sinal para que a imprensa inicie um processo de “auto-reflexão”. Enquanto hostilizavam os jornalistas, os petistas exclamavam, entre outras asneiras, que o povo havia absolvido o Lula e não existia mais lugar para abutres como eles no Brasil e que entre uma ditadura e dar liberdade para a imprensa, eles ficavam com a ditadura.

Já o segundo caso é muito mais preocupante. Sob o pretexto de ouvir depoimentos para uma suposta investigação interna, a PF intimou jornalistas da revista Veja a depor. Chegando lá, os jornalistas viram que não se tratava de nada daquilo que foi dito. Era, na verdade, uma represália contra algumas matérias que haviam sido publicadas por eles na revista. Foram coagidos, ameaçados e intimidados por membros da PF, que faziam perguntas referentes a assuntos que em nada se relacionavam com o tema central da investigação de fachada. Somado a isso, ainda foram impedidos de consultar seus advogados ou falar com outras pessoas que não os agentes federais. Para mais detalhes sobre o assunto: aqui e aqui.

Esses dois fatos, somados ao passado de declarações anti-imprensa de Lula e do PT - e seus inúmeros projetos que visam “democratizar”, “descentralizar”, “moralizar” e “fiscalizar”, entre tantas outras coisas, a imprensa- mostram uma grave tendência que vem surgindo em nosso país. Se antes da reeleição Lula e seu partido usavam da máquina pública para beneficiar os veículos de mídia que os apoiavam, agora estão usando-a para atacar aqueles que lhes opõe. O que muitos temiam, e poucos alertavam, de fato ocorreu. Aos petistas, a estrondosa vitória no segundo turno soou não só como uma absolvição dos crimes cometidos no passado, mas também como um aval para que se cometam crimes no futuro.

Se no passado o PT já demonstrou ter pouco apreço à democracia, agora ele dá mostras de nem saber de sua existência. E, com isso, vai, passo-a-passo, minando as bases do Estado de Direito. Claro que a situação ainda está longe de ser crítica, mas aqueles com olhares mais atentos já começam a perceber os traços do projeto de poder que está em andamento no Brasil. Essa foi apenas mais uma peça que se encaixa no quebra-cabeça que é o plano dos petistas para o futuro do Brasil.

quarta-feira, novembro 01, 2006

A Estabilidade de Preços Não Pode Ser Proposta Política

Há no pronunciamento feito no início dessa semana pelo governador eleito do Estado de São Paulo, José Serra, uma frase muito interessante:

“Devemos a Fernando Henrique Cardoso a obra monumental que devolveu ao Brasil o valor da moeda. Obra que seu sucessor preservou, à qual felizmente associou-se.”

A estabilidade de preços (ausência de inflação) faz parte também da campanha petista. O presidente recém reeleito reiterou nos debates, repetidamente, como feito seu a manutenção da estabilidade de preços em seu governo. Argumenta-se neste texto que a estabilidade de preços não pode ser tida como proposta política e que seu uso eleitoral não passa de um embuste, ludibriando os mais ignorantes.

Primeiramente, deve-se esclarecer que a ausência de inflação não é um benefício concedido pelo Estado, como a redistribuição de renda. A causa da inflação, grosso modo, é uma oferta de moeda acima da demanda por moeda, diminuindo seu valor. Uma vez que o responsável pela oferta de moeda é o Estado, é ele o causador da inflação. Estabelecido esse ponto, usar a estabilidade de preços como proposta política é argumentar “vote em mim porque, se eleito, eu não estuprarei sua mulher”, ou seja, estelionato.

Esclarecido o ponto acima, pode-se pensar em como inflação aparece pela primeira vez. Em um contexto monetário arcaico, no qual a moeda é um meio de troca baseado em quantidades de metal; para garantir a qualidade e peso de cada moeda, o Estado passa a as marcar. Assim, surgem as diferentes moedas (o pence, o xelim, etc) cada uma representando uma quantidade de metal. Nesse caso, a inflação surge quando o Estado diminui a quantidade de metal na moeda, sem alterar seu valor nominal. É natural, portanto, que o mercado ajuste os valores por um aumento de preços, de forma que os mesmos bens sejam trocados pelas mesmas quantidades de metal. Nesse caso, fica claro que a inflação não passa de um roubo que o Estado promove, o “imposto inflacionário.” Como se pode usar como ponto de campanha eleitoral uma promessa desse tipo?

Fica claro, portanto, que a estabilidade de preços é da mesma natureza do direito à vida e à propriedade, inclusive se confundindo com o último se a interpretarmos à luz do parágrafo acima. Vender a ausência de inflação como o bolsa-família e como cotas raciais no ensino superior não passa de enganação eleitoral.

Ademais, é forte nesse país a corrente econômica que acredita, contrariando ampla evidência empírica, que a inflação é fenômeno correlacionado ao crescimento econômico e que deve se subordinar a ele.

Por esses motivos, no Brasil, a estabilidade monetária é vendida como proposta política. A inflação está sob controle há mais de uma década e ainda assim é um tema central do debate econômico, em detrimento das causas da estagnação econômica do país, por exemplo. E o é justamente porque não se entende que a estabilidade de preços é um direito tão natural quanto o direito á propriedade.

A estabilidade de preços, logo, não deve ser usada como proposta política.