sexta-feira, novembro 10, 2006

Vale a Pena?

O tema escolhido para este texto, certamente, passou pela mente de todos os que se mantiveram pelo menos um pouco informados esta semana. A condenação de Saddam Hussein à forca me fez pensar na necessidade da pena capital, os seus resultados práticos, os modos com os quais as principais religiões tratam a condenação... Buscarei, agora, trazer um pouco do que encontrei à respeito do assunto.

Creio que a exposição do tema poderá ser feita de uma maneira mais concisa e que as abordagens deontológicas, morais ou religiosas poderão ser deixadas em segundo plano (e até evitadas, dada a extensão do tema e as poucas linhas disponíveis) se apenas a face econômica for analisada. Tratarei, então, das relações entre pena de morte e utilidade, considerando o uso de recursos e os incentivos gerados.

O Utilitarismo, como um critério de sustentação de preferências e validação, requer intrusões e juízos de valor mínimos. Considerando a relação custo-benefício busca a maximização da utilidade, isto é, dos benefícios gerais, das boas consequências, da felicidade, do prazer e do bem estar. Pela sua objetividade, é também aplicado em certas questões jurídicas. É possível, portanto, analisar a questão da pena capital sob a ótica da utilidade gerada. Veremos se utilizando a lógica e/ou estudos empíricos conseguimos diferenciar, em termos de utilidade, situações com e sem a presença da pena de morte.

A prisão perpétua pode ser considerada um meio "substituto imperfeito" para a pena de morte. Defensores do encarceiramento mostram que os processos judiciários de casos relacionados à pena de morte são mais dispendiosos e exigem um maior tempo de análise por se tratar de uma tomada de decisão irreversível. Por outro lado, os que defendem a pena colocam que os custos extraordinários na corte são compensados pela colaboração que o réu busca e é encorajado a demonstrar, uma vez que facilitar a investigação e se declarear culpado fazem com que ele não seja condenado a pena capital (no caso dos EUA), e pela economia de recursos que acontece, pois a pena seria capaz de deter novos crimes do acusado (considerando-se eventuais fugas e problemas dentro do cárcere) ou desincentivar novos crimes, por ser um exemplo forte de castigo. Não existem estudos que sejam capazes de concluir quais dos métodos de punição é o mais eficiente.

Como vimos no texto "O funcionamento de uma mente criminosa" (Tavista, 20 de maio de 2006), de Werther Vervloet, a decisão de um indivíduo de realizar um crime é semelhante à de realizar um investimento. O agente, involuntariamente, estará pensando em algum retorno esperado dado um certo nível de risco. Ponderará seus possíveis ganhos com a probabilidade de ser pego, de ser condenado e com a punição que receberia. O que inibiria o crime? Um aumento nas chances dele ser capturado, na eficácia investigativa ou então na severidade do castigo.

Faz todo o sentido, então, pensar que a mais rigorosa punição seja capaz de desincentivar a criminalidade. Contudo, isto não é observado empiricamente, pelo menos não de uma forma conclusiva. Isaac Ehrlich (1975) analisou a questão dos incentivos, considerando os benefícios e punições esperados dos criminosos. Apesar de obter resultados favoráveis à influência da pena na redução dos homicídios, críticas ao modelo utilizado nas regressões e à um provável viés na escolha do período estudado fazem com que as conclusões percam credibilidade.

Thorsten Sellin (1967) realizou quatro testes comparando: perídos de tempo em que a pena seria abolida e depois restaurada, regiões com e sem a pena de morte, momentos antes e após execuções amplamente divulgadas e números de mortes de políciais em regiões onde assassinatos de policiais eram e não eram casos castigados com a pena final. Ele não encontrou evidências do efeito preventivo gerado pela existência da pena de morte. Porém, críticos argumentam que ele não distinguiu os tipos de homicídos no estudo (que alterariam o tipo de punição) e não manteve o ceteris paribus, entre outros equívocos.

Richard Lempert (1981) demonstrou que, curiosamente, na Grã-Bretanha, um grau elevado da austeridade penal, a pena capital, reduzia as chances do preso ser condenado por homicídio, grande parte era considerada insana. A partir de 1965, quando a pena foi abolida, a relutância por parte do juízes à condenação não mais existia e os números mostram que o número de condenados por homicídio se elevou, assim como o número de criminosos incapacitados mentalmente sofreu uma drástica queda.

Como pudemos ver, não é possível fazer conclusões definitivas quanto às utilidades geradas pelos métodos de punição analisados (considerando o requerimento de recursos e criação de desincentivos). Edward Leamer (1983) econométricamente evidencia como os estudos relacionados ao tema são viesados e os resultados são sensíveis às crenças prévias dos pesquisadores. Além deste entrave à conclusões mais robustas, a escassez de dados também impossibilita análises mais precisas.

3 comentários:

Joel Pinheiro disse...

Penso que, quanto à pena de morte, existam duas questões fundamentais.
A primeira: a pena de morte é justa?
Essa eu não hesitaria em responder que sim. Afinal de contas, a pena deve ser proporcional ao crime.
Crime de gravidade máxima, pena máxima.
O maior dos bens temporais que temos é a vida, do qual dependem todos os outros.
Não é nada injusto que aquele que voluntariamente tirou a vida de outros de forma fria e completamente injustificada também perca a sua.

A segunda questão é: seria a pena de morte desejável?
Essa considero mais passível de discussão.
Contudo, na sociedade brasileira, responderia com um "sim" enfático.
Até quando permitiremos que Beira-mares e Marcolas continuem a comandar o crime de dentro das prisões? Quantas pessoas mais terão que morrer antes que decidamos que Marcola e Beira-Mar, além de obviamente merecer a morte por seus crimes, oferecem um grave perigo à sociedade?

Se a pena de morte não é uma possibilidade, o criminoso que já recebeu a pena máxima prevista por lei pode fazer o que bem quiser.

Obrigado, Brunno, por trazer esse interessantíssimo tema para discussão.

Werther Vervloet disse...

Brunno, gostei do seu texto. Só tenho uma resalva a fazer. Além dos problemas de metodologia que você aponta nos estudos econômicos nessa área, existe um mais importante.

Não podemos nos basear nos efeitos que a pena de morte tem nos EUA para analisar a sociedade brasileira. Como conversamos em sala, no EUA acho que a pena de morte não serve como um "redutor" de criminalidade, pelo simples motivo de que lá pouquíssimos casos recebem a pena capital como punição e, normalmente, são crimes tão brutais e insanos que apenas pessoas realmente más e "doentes" os cometem. Esse tipo de pessoa não dá muito valor a sua vida, são os ditos "animais".

Caso semelhante, acontece no Brasil. Quem viu aquele documentário, "Falcão: meninos do tráfico", salvo engano, viu que existem jovens, com menos de 16 anos, falando que sabiam que iam morrer antes dos 18, e que não se importavam. Ou também o Champinha. Muito provavelmente, a existência da pena de morte não impediria um sujeito daqueles de fazer o que fez.

Certamente, para esses, a pena capital de pouco adiantaria. Porém, hoje, no Brasil, existem muitos daqueles que se importam com suas vidas, e que se encontram na bandidagem por saber que mesmo se forem presos, de um modo ou de outro, irão se safar e ter uma punição ridícula.

Além, é claro, do que o Joel disse. Certamente uma legislação mais rígida, que pegue pesado com a liderança do crime organizado e preveja a pena de morte para esses elementos, teria um grande efeito. Pois influenciaria diretamente em seu processo decisório, transformando a prática criminosa em algo bem mais custoso.

Em suma, acredito que dada a situação existente no Brasil, aonde há quase que um total desrespeito pelas leis e uma grande impunidade, punições mais severas, como a pena de morte, certamente teriam um impacto positivo no combate ao crime.

Anônimo disse...

Uma coisa que eu atento muito nos textos que costumo ler é o título. E o desse artiguinho é um convite à reflexão. Ficou muito bacana! =D

Durante muito tempo eu defendí a pena de morte motivada por um revanchismo pessoal, assim como a maioria das pessoas que já foram vítimas da violência.
Depois que comecei a estudar sociologia jurídica e modernas políticas criminais (minhas pretenções para um mestrado) comecei a ver que a opção pela pena de morte ou qualquer forma de endurecimento das penas não resolve o problema da criminalidade, serve apenas para dar uma satisfação à sociedade, que faz pressão e cobra de nossas lideranças políticas alguma solução, pois não age nas causas da violência. E nesse aspecto eu discordo com o Joel e o com Lego, pois temos como exemplo a lei de Crimes Hediondos (ou que tranformou aviolencia doméstica em crime de maior potencial ofensivo) que não surtiu nenhum efeito em termos de redução das práticas dos crimes nela elencados.

Eu realmente não sei o que pensar, mas comecei a ver as coisas por um outro ângulo e apesar de não ter mais uma opinião definida sobre o assunto, acho que voltar com as penas corporais ou de morte no Brasil é um retrocesso.

Pode ser que as circuntâncias me façam mudar de idéia novamente, mas nesse exato momento é assim que eu penso... (eu tenho dificuldades até em escrever a respeito).

Outra coisa importante que o Lego colocou é que não podemos nos basear numa realidade totalmente distinta da nossa para pensar em quais seriam os seus efeitos aqui no Brasil. Mas de qualquer forma, serve sim como uma importante fonte de reflexão, com os devidos cuidados, é claro! Por exemplo, eu ví um estudo que demonstra que a pena de morte não diminuiu a criminalidade nesses lugares. Será que devemos desconsiderar isso só porque diz respeito a uma sociedade que não é a nossa?

Eu continuo em dúvida é a respeito dos criminosos como Fernandinho Beira-mar, que mesmo de dentro da cadeia continuam dando ordens de execução de pessoas e comandando o tráfico numa clara demonstração de que são casos de disperdício de dinheiro público mantê-los nas cadeias, que se tranformaram em verdadeiros depósitos humanos e não regeneram ninguém. O que fazer com essa gente (se é que podemos chamá-los assim)???

Acho que este é um daqueles temas que toda vez que emitir qualquer tipo de opinião a respeito, não terei muita certeza do que estou falando...

Por fim, parabéns ao autor pelo artigo! =D