terça-feira, dezembro 02, 2008

Moral Objetiva e Filosofia Moral

A distinção entre o certo e o errado é objetiva ou subjetiva? A moral ou tem origem subjetiva, na vontade humana (fruto de um acordo entre os homens, ou da imposição do mais forte) ou é objetiva, isto é, decorre da própria natureza humana. Vou, neste texto, responder às críticas feitas pelo Ricardo (nos comentários ao texto anterior) à idéia de que ela é objetiva.

Ele começa apontando um fato: o valor moral de uma ação não é algo diretamente perceptível pelos cinco sentidos. Nada a discordar aqui. Contudo, os cinco sentidos são apenas o canal pelo qual as informações externas chegam à nossa mente; todas as operações mentais mais importantes ocorrem depois. Exemplifico: o que recebemos da visão são apenas manchas de cor. Não é a visão em si que nos diz que essas manchas compõem uma árvore, e aquelas uma casa; não é ela que nos informa que o carro pequeno está longe e o grande está perto. Esse trabalho de interpretação é feito pelo intelecto, ou entendimento (num nível ainda instintivo, é verdade, dado que nem pensamos para fazê-la, assim como todos os animais). Se fôssemos apenas um receptáculo de informações sensoriais, nossa vida seria uma seqüência caótica de experiências sem sentido ou coerência nenhuma.

A distinção entre o certo e errado, o julgamento moral, também é feita pelo entendimento, que parte de uma base instintiva e vai além dela. Pela experiência, sabemos que algumas coisas contribuem para uma boa vida e outras são nocivas. Além disso, temos consciência de que nossas ações podem alterar a realidade: nossa vida e a vida de outras pessoas. A moral decorre daí: sabemos que algo é bom, e que nossas escolhas nos aproximam ou afastam dele. Deixar as obrigações sempre para a última hora resulta em muito estresse, em tarefas mal feitas e mancadas ocasionais. Está em nosso poder cultivar ou combater esse hábito. É, portanto, um mau hábito, e quem o cultiva age mal. Já salvar um bebê que se afoga é dar-lhe a vida, condição necessária para os outros bens; é, portanto, uma boa ação.

A interação entre os instintos humanos (que são a base sensível dos nossos desejos: alimentação, sexo, lazer, curiosidade intelectual, empatia, etc) e a experiência sobre como conciliá-los costuma dar conta da maioria dos problemas e das escolhas morais. Não é preciso ter estudado filosofia para saber que mentir, estuprar ou torturar por prazer é uma má ação. Aqui chegamos à segunda crítica apontada pelo Ricardo: muitos filósofos dizem coisas muito diferentes sobre a moralidade; não há um método racional universalmente aceito para se chegar à verdade no campo da moralidade.

Ao se fazer essa crítica, perde-se de vista que o juízo moral não depende de uma fina e precisa distinção de conceitos. Se assim fosse, apenas os filósofos seriam capazes de agir moralmente. Na realidade, os filósofos morais não têm como objetivo, via de regra, “descobrir” o que é certo e errado; suas conclusões já estão dadas. Se alguém afirma provar, de forma indubitável, que estuprar é certo e beber água é errado, não é preciso estudar sua teoria: ela é obviamente falha. Todos os grandes filósofos morais (posso incluir aqui Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino, Locke, Hume, Kant, Mill e muitos outros) tentavam, em seu trabalho, chegar àquilo que o senso comum mais ou menos já mostrava. Sua finalidade é explicitar a base racional que justifica os juízos morais. Além disso, visam apresentar-nos um método confiável para nos guiar em situações dilemáticas, para as quais o senso comum não basta.

Outra função da filosofia moral é corrigir o senso comum quando ele erra. Embora seja uma importante fonte de conhecimento para o direcionamento de nossas vidas, é inegável que a experiência partilhada de uma sociedade carrega erros ocasionais que, com o tempo, se tornaram normas de conduta aceitáveis ou até mesmo obrigatórias. É o caso da escravidão no Ocidente de poucos séculos atrás, do canibalismo dos povos americanos, ou do aborto no mundo atual.

Assim, a filosofia, embora importante, não é estritamente necessária para o julgamento moral. Podemos andar perfeitamente bem sem conhecer a mecânica por trás da nossa locomoção. Com esse conhecimento, é possível corrigir erros de postura ou de pisada, mas não foi com base em tratados de anatomia e física que demos nossos primeiros passos. O mesmo vale para a outra grande faculdade própria da razão humana: o conhecer. Os maiores filósofos discordam sobre como se dá e se embasa o conhecimento; mas nem por isso o ceticismo radical é a posição mais razoável. Da mesma forma, apesar de todas as discordâncias sobre como discernir o bem do mal, que tal distinção exista não só é evidente como é aceita, na prática (embora nem sempre na teoria), por todos os seres humanos.

5 comentários:

PRBobsin disse...

Prezado, na verdade não é bem isso...uma coisa é a moral e outra a filosofia;uma coisa é ter pensamentos outra coisa é pensar.Claro que não é tão simples assim como se apresenta!
Claro que inicialmente as coisas se apresentam ao intelecto como verdadeiras!Acontece que uma coisa é verificar moralmente se a minha conduta está correta.Como faço isso?Observando na tradição se a minha conduta corresponde com o que se espera de uma boa pessoa.Então eu verifico.É um pensamento de verificação.Onto-teleológico por natureza.
Outra coisa é pensar algo como possivelmente ainda não percebido
por nínguém.Filosofar não é ficar tendo pensamentos...

albert richerd carnier guedes disse...

Mas uma moral objetiva ou fica a cargo das criações sociais, ou da vontade do portador.
Num contexto de valores subjetivos, matar pra uma pessoa é errado, e pra outra é certo, em uma sociedade pode ser errado, em outra certo.
Se a moral é tão flexível e ao bel prazer do tempo, sociedade e vontade do portador, então ela nem é digna de estudo, já que ela não têm regras, apenas convenções.
Doutra forma, se ela é apenas convenção, o que impede uma pessoa de perguntar "porque devo fazer isso ?" e, dado esse ar convencionalista, ela chegar a conclusão "não preciso fazer isso porque não têm um porquê", é mais que natural. Portanto, quando existe apenas moral subjetiva, não existe obrigatoriedade de seguí-la também.
O que não acontece se a moral fosse objetiva. Ou seja, são regras comportamentais que todos devem seguir, independentes da época, da sociedade e da vontade do portador, porque a moral serve pra atingir um objetivo em comum. E ai sim, quando se pergunta "porque devo fazer isso ?" a resposta não é nula "deve fazer isso pra que tal objetivo seja alcançado". Então, a pessoa só não cumpre a regra moral por qualquer desculpa, menos porque não tinha um motivo racional pra fazê-lo.
Em resumo, numa sistema com moral subjetiva, ela não têm uma razão de ser, e por isso, nenhum motivo pra ser cumprida, num sistema com moral objetiva, é totalmente ao contrário, e a não realização dela é que é subjetiva.

albert richerd carnier guedes disse...

ERRATA: Na primeira frase quis dizer "moral subjetiva".

cobracegabr disse...

exatamente nao é minimamente digna de estudo, não existe moral objetiva vc mesmo ja mudou seu entendimento moral durante seu amadurecimento o que se deve estudar é etica essa sim pode ser objetiva, e para nao ser contraditoria tem q se basear num conceito de recursos escassos. Num sistema de moral subjetiva não é ela que deve ser cumprida e sim a etica, a lei. Se a moral religiosa ditasse a lei e em muitos casos ditam com no isla, moralmente é certo casar com meninas de 9 anos, quando sabemos que eticamente é errado tomar posse de outro ser humano. Não interessa se a moral permite a ética é a lei.

albert richerd carnier guedes disse...

@cobracegabr Seguir ou não uma norma ética é uma conveniência, não uma necessidade, moral religiosa é uma necessidade dentro dos cânones daquela religião.

Tanto que se eu violar uma norma ética isso não tem consequências religiosas ( a não ser que a norma ética seja igual a uma moral religiosa ), mas as normas religiosas tem consequência até mesmo para quem não é religioso.

Então você não vai conseguir convencer nenhum religioso que ele tem de preferir a ética a sua moral religiosa. No máximo vai conseguir convencer que a ética é igual a moral dele e só por isso ele deve acatá-la.