quinta-feira, novembro 01, 2007

Pirataria: Crime ou Utilidade Pública?

Se as gravadoras acham que conseguirão impedir a pirataria e a cópia de música pela Internet, podem perder as esperanças. Também duvido que as campanhas de ética terão muito efeito. Para começar, usam argumentos furados. “A produção de um CD oficial utiliza seis trabalhadores; a do CD pirata só um” (isso foi veiculado numa propaganda anti-pirataria na TV há um tempo atrás). Se isso é verdade, é motivo para comprar CD pirata: é uma indústria mais eficiente, que libera mão-de-obra para trabalhar em outros setores da economia, satisfazendo demandas da população que antes não eram satisfeitas; a sociedade enriquece.

“Ao comprar CD pirata, você financia a prostituição, as drogas, o terrorismo internacional e, de quebra, um traficante seqüestra e mata um jovem da classe média”. Ao se comprar CD pirata, financia-se o tráfico de CDs piratas. Não outros negócios. Alguém poderia dizer que o vendedor vai usar o dinheiro conseguido com o CD para fazer outras coisas. Mas nesse caso a mesma objeção vale para todas as atividades. Se o seu médico usa seu dinheiro para comprar drogas, então você, ao se consultar com ele, financia o tráfico de drogas. A não ser em casos em que haja algum tipo de proximidade pessoal e o consumidor saiba o que o produtor faz com o dinheiro, não há como responsabilizar o consumidor.

É claro que as gravadoras usarão todos os meios disponíveis para reservar para si o mercado da música, inclusive influenciar a legislação e construir argumentos espúrios para desqualificar moralmente a concorrência. Que isso não nos iluda fazendo crer que a razão realmente esteja com elas.

Não nego que haja um problema moral com a venda de CDs piratas. Afinal, parece injusto que um vendedor lucre com o trabalho de uma artista, que não recebe nada. Ele tem que ser, de alguma forma, pago. Mas e a gravadora? Qual a função dela agora?

Antes do file-sharing e dos CDs graváveis, a gravadora tinha um papel fundamental: produzir as cópias dos discos de seus artistas e vendê-las. Agora, qualquer um faz uma cópia a custo baixíssimo. Por que um artista não poderia negociar diretamente com um estúdio de gravação, gravar seu material e a produção dos CDs físicos fica a cargo de milhares de produtores e usuários?

A máquina de Xerox, ao contrário do que se temia, não destruiu o mercado editorial. O produto do Xerox é muito inferior ao livro comprado na loja, e, portanto, as editoras ainda desempenham a função importante; não precisam, por ora, temer que a demanda por seu produto acabe. Já o produto das gravadoras em pouco se diferencia do CD pirata; e é muito mais caro. Eu nunca comprei CD pirata, e ainda compro oficiais; prefiro uma caixa direita, com encarte, foto nítida, CD de qualidade. Mas a grande maioria das pessoas não liga para esses detalhes; o que as gravadoras têm a lhes oferecer? Aparentemente nada, ao menos não ao preço que cobram hoje em dia; se assim não fosse, não precisariam da lei para proteger seu negócio.

Ou encontram algum serviço de qualidade que possam oferecer aos consumidores, ou saem do mercado. É inadmissível que sustentemos essas mega-empresas apenas porque a lei nos obriga, e que elas tenham demanda apenas por possuir o monopólio legal, por décadas (unidade de tempo que, com a tecnologia atual, é totalmente descabida), dessa ou daquela música.

Em todo caso, com lei ou sem lei, já não há mais volta. A cópia de música é uma realidade e vai apenas crescer. Resta a nós elaborar leis que se adeqüem a isso (e não tentar forçar a estrutura produtiva a se adequar a leis anacrônicas) e que permitam, se é que isso será um problema, que artistas sejam remunerados por seu trabalho.

9 comentários:

ricardo disse...

Eu gosto dos textos do Joel. Eles têm uma qualidade que eu aprecio: são claros e diretos. É lícito também dizer que concordo com alguns pontos de vista dele, ao que me parece, principalmente no que toca à economia liberal e sua defesa. Mas, sendo pessoas diferentes, discordamos também em alguns temas. O da pirataria é certamente um deles.
Comentemos então, parágrafo por parágrafo, ainda que brevemente, de modo a conservar a ordem.
No primeiro parágrafo, é apresentado um argumento já utilizado pela indústria da música legalizada, e que é rechaçado, sobre o pretexto de que a indústria ilegal é mais eficiente. Bem, acredito que o argumento seja refutável de maneira mais interessante se lembrarmos da fábula das abelhas de Mandeville. Se temos vários pequenos produtores, que agem primeiramente no interesse próprio , ou "vícios privados", como disse Mandeville, estes trabalham também em prol da sociedade, ainda que inconscientemente, na sua operação e desenvolvimento, ou seja, são economicamente ativos, na medida em que têm renda. Ora, se houvesse um esforço e incentivo para que cada copiador de CDs se tornasse um pequeno empresário, um pequeno copiador e distribuidor agindo de forma legal, não só os preços naturalmente abaixariam, devido ao aumento da oferta, como haveria também, por exemplo, um incremento na arrecadação oficial que, num país onde as instituições do Estado democrático de direito funcionassem, seria revertido em bens e serviços para a população.
O lobby existe. Isto é um fato. Enquanto opera dentro dos limites da lei, é uma prática válida. Se extrapola estes limites, deve ser averigüado pelos meios dos quais dispõe o Estado no qual o abuso ocorre. Até certo ponto, pode-se dizer que é uma prática saudável. Vide o poder de lobby junto aos deputados que têm algumas associações civis nos E.U.A, e.g., American Rifle Association, que age de maneira a assegurar o direito do cidadão americano ao porte de armas de fogo (neste caso, os deputados são obviamente republicanos).
Nada posso dizer sobre a questão moral de lucrar de maneira ilegal. Certamente existem boas considerações filosóficas sobre a questão, mas pessoalmente desconheço. Mas, se pensarmos num estado contratado, que assim o é para o próprio bem daqueles que nele habitam, agir de modo ilegal buscando o benefício próprio não parece interessante, à partir do momento em que o vizinho faria o mesmo. Aproximando-nos então do imperativo moral kantiano, fica claro que é uma atitude moralmente inaceitável, ou antes, amoral.
No quinto parágrafo, a questão me parece similar a do primeiro parágrafo, que deseja-se replicada a contento. Uma consideração que pode ser feita é que, bem como a bioética e a ética médica têm de repensar seus posicionamentos em virtude do advento da tecnologia da clonagem, ou o direito que se especializa em áreas como o direito que concerne às questões digitais, ou seja, ligadas a crimes cometidos através da internet, a questão da propriedade intelectual deve ser reconsiderada, de modo a assegurar os direitos, bem como regular os deveres, daqueles que julgam ter tais direitos.
No parágrafo que segue, é colocada uma questão especialmente interessante. É claro que o "xerox" (SIC) não acabou com o mercado editorial, bem como a oferta de “e-books” não o fez, nem tampouco me parece provável que venha a fazer. Do mesmo modo, há pessoas que se interessam por ter os produtos originais, no caso, cds, porque são produtos de procedência conhecida - afinal, o que é o selo de uma gravadora, senão um atestado de boa procedência? - com um encarte contendo informações, fotos, letras das canções e etc. Obviamente isso não tem nada a ver com a ridícula idéia do "fetiche da mercadoria". Na medida em que esses são os produtos que, bem ou mal, pelo menos do ponto de vista jurídico, podem ser chamados de normais, são os que devem ser normalmente desejados e, posteriormente, adqüiridos. Não há nada de errado nisso. Mas não nos esqueçamos nem por um momento que, por vezes, o mesmo cidadão que compra um CD, DVD ou o que quer que seja original, trata de compartilhar o produto com os seus amigos e conhecidos. E, neste momento, ele entra também no circuito da pirataria. O que ele compartilha hoje pode estar amanhã nas calçadas da Teodoro Sampaio ou na Praça da República. Ainda que não, se o sujeito compartilhar uma música com três amigos, e cada um destes com outros três...
No próximo parágrafo, sou obrigado a discordar veementemente de uma posição assumida por meio do seguinte argumento: "Ou encontram algum serviço de qualidade que possam oferecer aos consumidores, ou saem do mercado." Joel, pergunto-lhe humildemente: Por que cargas d'água o senhor compra os CDs originais se, parece, o senhor não os considera "serviços de qualidade"? Por que você os preferiria aos piratas se, ao menos para você, não fossem artigos de qualidade maior? Me parece que houve uma relativização indevida neste ponto.
Quanto ao fechamento, devo concordar, embora acredite que há questões mais urgentes na atual sociedade brasileira. E digo mais! Por revolucionário que pareça, e os que me conhecem sabe o quanto isso me soa repulsivo, no atual estado das coisas, penso seriamente na legalidade da contribuição fiscal, tendo em vista posições políticas e parceiros da classe política brasileira, em especial a situação do executivo federal.

João Emiliano Martins Neto disse...

Parabéns pelo artigo, amigo Joel. Cds e DVDs são caros mesmo e não fossem alguns detalhes seriam similares aos originais. Mais, o povo está cada vez mais empobrecido por causa do desemprego, causa direta do aumento do Estado e dos impostos daí fica difícil mesmo comprar um produto oficial.

Mas, fico pensando no artista que não sairá ganhando nada com a pirataria. Vejo como grande culpado nisso tudo, mais uma vez, o Leviatã petista de nosso país que só tem engordado na era Lula. Até quando??

Anônimo disse...

Fora a questão qualitativa(importantíssima), o maior mal da pirataria é sua ilegalidade. Que a lei deve ser mudada é fato, mas não posso compactuar com algo enquanto essa mudança não for feita.
Pareceu-me em seu texto, Joel, que se os piratas tivessem qualidade você os adquiria, ainda que ilegal.

Joel Pinheiro disse...

Ricardo, obrigado pelos comentários.
Não vou dar uma resposta exaustiva, mas apenas delinear alguns caminhos de resposta.

O primeiro parágrafo, o "argumento da eficiência", era só para mostrar como a indústria fonográfica usa de argumentos falaciosos para sustentar suas conclusões. O comercial queria fazer a população crer que, ao comprar CD pirata, estava aumentando o número de desempregados, pois a indústria legal contratava 6 vezes mais gente. Nada mais falacioso.

E é natural que seja assim, pois o lobby não tem bons argumentos para defender seus interesses. Usa qualquer falácia que consegue encontrar.

Você me diz que, se houvesse mais gente legal, a concorrência seria benéfica. É verdade. Mas o que as gravadoras querem é exatamente tornar ilegal qualquer concorrência. Elas querem ter o monopólio sobre as músicas dos artistas, ou seja, impedir que "pequenos copiadores" possam "agir de forma legal".

Eu considero CDs originais algo que valha a pena comprar. Por isso os compro. Mas muita gente não. Para a empresa fonográfica se manter, não basta que uma pessoa se disponha a pagar por seu produto.

Eu não estou propondo que se elimine as gravadoras. Estou propondo que elas não recebam proteção legal, ou seja, que não tenham mais o monopólio sobre a reprodução de música alguma.

Meu foco aqui é na atividade de vender, com lucro, CDs copiados.

Não entro no ponto da pessoa que copia músicas para uso pessoal, pois não vejo grande problema moral nenhum aí. Posso fazer, na minha casa, um cópia da Mona Lisa e pendurar na minha parede; não roubo nada de ninguém ao fazer isso. Se eu tiver um robô que faça a cópia do quadro para mim (e uma cópia perfeita, ou quase perfeita), é a mesma coisa.
Se eu memorizo um poema, ou se copio ele numa folha de papel, ou se copio ele no Word com a mesma formatação de um livro que eu vi, também não roubei nada de ninguém.
Por que seria diferente quando se trata de fazer cópia de uma música?

A grande questão, a meu ver, é compra e venda dessas cópias; pois se está lucrando sobre o trabalho de alguém que não está sendo remunerado: o artista.

Por fim, não basta que uma pessoa (eu) esteja disposta a pagar por um CD oficial para que se justifique a posição de poder da gravadora. Se o serviço que ela presta for valioso aos olhos da sociedade, ela continuará a ter a demanda que cubra os custos mesmo sem a proteção estatal.
Eu gosto de CDs com encarte. Mas seria um erro forçar o resto da população a pagar a mais, a comprar CD com encarte, quando eles estaria satisfeitos pagando menos e levando um CD sem encarte.

Joel Pinheiro disse...

Carla,

É uma questão relevante.
Pessoalmente, parece-me que essa lei está tão fora dos padrões e gera tantos malefícios à população que quebrá-la, desde que sem escândalo (ou seja, discretamente), não é algo errado.

Seria como, digamos, uma auto-estrada com um trecho em que, inexplicavelmente e sem motivo algum, o limite de velocidade é 10 km/h. Quebrar esse limite é quebrar a lei, mas o motorista que o faz não age mal.

Em geral, o mero fato de se quebrar a lei já é uma consideração que deveria convencer-nos de que não devemos agir de uma dada maneira, independente de outras considerações. Mas há casos em que a lei está tão errada e inapropriada que não há grandes problemas em quebrá-la. Aliás, na medida em que ajude a mudar a lei, pode até ser bom.
Eu certamente não vejo absolutamente nada de errado com a população que compra CDs e DVDs piratas; o preço deles no mercado legal é tão alto que já excluiria a maior parte da população.
Quanto aos produtores e vendedores ilegais, se

E, se o único motivo pelo qual consideramos uma dada ação imoral for o fato, acidental, de ela ser proibida pela lei, então que essa lei seja abolida o quanto antes!

Anônimo disse...

quando o CD é de um dos meus artistas favoritos, eu compro original. quand é só um CD legal, eu copio no pc. não vou gastar 30, 40 reais por "nada"! eu acho injusto os artistas não receberem nada, mas o CD tá muito caro, credo... não vale tudo isso, não! muito mais nacional, nem teve que importar nem nada. sei lá, acho que quem diz que é contra a pirataria é meio hipócrita, porque até baixar música na internet pode ser considerado piratear. melhor mesmo é os artistas arranjarem um jeito de ganhar dinheiro com isso. mas as pessoas sempre vão comprar CDs!

Anônimo disse...

Caro Joel,

Mais uma vez parabéns por mais um excelente post de grande interesse. No entanto, ficam aqui uns comentários meus nos sítios onde a minha opinião diverge da tua.

O ponto fundamental de que discordo tem a ver como argumento usado que "o CD pirata é o produto de uma indústria mais eficiente e portanto deve ser ela a vingar." Isto parece-me o mercado livre levado ao extremo, em que não existem regras para garantir que o mercado seja livre.

Ora, isto não pode ser assim. Há que haver regras e há que haver limitações para o que seja uma indústria eficiente aceitável. E a primeira regra a ser violada aqui são as leis que protegem a propriedade privada.

De certo que já estarás bastante bem informado de como estas leis são fundamentais para o bom funcionamento da economia e para a produção de riqueza, que afinal de contas é aquilo que pretendemos.

E nesta perspectiva, quer nós queiramos quer não, as discográficas são proprietárias desse produto e o seu direito tem que ser protegido segundo a lei. Como as discográficas conseguiram os direitos de propriedade sobre o produto musical é outro assunto e acredito que é aí onde mudanças são necessárias.

No entanto, não acho que as discográficas sejam completamente inúteis. Sem querer defendê-las, pois gostaria muito de ver o seu monopólio quebrado, as discográficas fazem muito para tornar os artistas conhecidos. Muitos são os casos de artistas talentosos que nunca conseguiram singrar apenas porque não conseguiram um bom contracto com uma discográfica.

Gostaria de adicionar apenas uma nota relativamente ao futuro da pirataria: acredito que a pirataria vai acabar ou tornar-se bastante reduzida, quer seja pela força do cumprimento da lei, quer seja pela criação de um processo de criação do produto que o torne difícil ou mesmo impossível de piratear.

Quem está dentro do mundo do software, mais especificamente jogos, de certeza que conheceu o malogrado "Starforce", um sistema de protecção de jogos que causou graves dores de cabeça a muito boa gente. O sistema acabou por não vingar, dado ter também causado muitas dores de cabeça aos clientes que compraram o produto de forma legal. No entanto, a caixa está aberta: existe uma forma de dificultar bastante a pirataria!

Joel Pinheiro disse...

Obrigado pelos comentários, Ulaikamor. Tenho apenas alguns breves pontos em resposta:

Direitos de propriedade devem existir onde há escassez. Não me parece ser esse o caso.

Quanto à divulgação, essa é uma velha crítica que se fazia às gravadoras. Elas manteriam muita gente talentosa sem divulgação e privilegiariam os piores.
Mas você tem razão: elas divulgaram muitos artistas.

Ora, a Internet acabou com a necessidade da gravadora para a divulgação. Se tem uma coisa que indubitavelmente melhorou, e se tornou muito mais barata, com a cópia gratuita e pirataria, foi a divulgação de artistas.

shikida disse...

bom blog.

pirataria é inevitável.

músico vai ter de viver de show.

as grandes gravadoras vão quebrar, igual as lojas de CD já estão quebrando.

e as pessoas vão ter que desistir desse negócio de propriedade intelectual (teoricamente protegeria o criador, é verdade)

lembrando que os velhos vinis eram desculpa para vender toca-discos ;-)