sábado, agosto 18, 2007

Enriquecer gastando?

Jornalistas da Globo, por favor! Parem de confundir a população com suas noções erradas! Consumo não gera crescimento. Consumo não sustenta economia nenhuma; não a “faz girar”.

O consumo é uma conseqüência, e nunca uma causa, do aumento da produção. Quem dera fosse o contrário! Bastaria irmos todos às compras que enriqueceríamos. Mantenha-se as “expectativas” boas, de modo que todos passem as tardes no Carrefour, que a prosperidade virá.

Se os shoppings andam vazios, não é pelo desprendimento ascético da população. Se não produzimos mais do que o atual, não é por falta de consumidores. Poucos são os que estão satisfeitos com o seu próprio consumo; sempre há desejos e necessidades insatisfeitos. “Propensão a consumir” não falta. O que falta é produção para satisfazer toda essa sede de consumo.

Se, sem nenhum aumento da oferta de produtos, mais bicicletas forem compradas, isso significa que outros produtos e serviços terão suas demandas reduzidas; carros, chapéus, bóias de piscina; sabe-se lá o quê. Ou então estão todos poupando menos, e, portanto, reduzindo sua capacidade de crescimento econômico no futuro. Ou então um outro grupo de pessoas tem poupado para que esses consumam. A conta virá.

Quem quer enriquecer deve poupar; e não aumentar seu consumo. Se a filha compra tantos vestidos que o cartão do pai entra no vermelho (isto é, pega emprestado de gente que restringiu o próprio consumo), eles passam por dificuldades. Se todas as filhas do país fizerem o mesmo, o efeito não muda. O consumo das filhas aumenta na mesma exata medida em que se restringem os investimentos e o consumo dos poupadores.

Se a realidade é essa, por que os jornalistas insistem em dizer que quem sustentou o crescimento global foi o consumo dos americanos? Se os americanos aumentam seu consumo, ou eles aumentaram também sua produção (e essa é a causa do crescimento), ou eles estão consumindo a própria poupança (diminuindo assim seu crescimento), ou então pessoas de outros países estão consumindo menos agora para emprestar esses recursos aos americanos, e esperam recebê-los com juros no futuro. O consumo americano não alimentou crescimento nenhum; Foi ou alimentado pelo crescimento ou tirou-lhe o alimento.

Mas as dívidas foram contraídas. Se o dinheiro foi investido, ou se consumido, não importa. Ou parte dos lucros dos investimentos pagará os juros, ou, na falta de tais investimentos, os devedores terão que diminuir seu próprio consumo para pagá-los. E se, com base em expectativas delirantes sobre o valor dos imóveis (e a causa de tais erros em expectativas é algo que merece estudo), aceitou-se casas comuns como se fossem de diamante, todos aqueles cuja fortuna consistia em imóveis ou dependia do valor deles, perceberá que é mais pobre do que julgava. Se amanhã acordarmos e ver que nossa riqueza não passava de ilusão, adeus passeios pelo Iguatemi; adeus consumo! Melhor preservar o pouco que temos.

Não dêem bola para o Jornal Nacional: sair às compras não cria riqueza.

9 comentários:

Anônimo disse...

Oi Joel, Como vai?
Achei muito interessante esse seu artigo e fiquei encucada com o seguinte, como considerar na sua análise aqueles que não consomem por falta de condições?
Qual o efeito disso na produção?
Digo o seguinte, porque eu não considero o consumo consequencia do mero aumento da produção porque sempre achei aqui na minha ignorância sobre o assunto, que isso não se reflete no poder aquisitivo das pessoas. Tipo, aumentar a produção em um país como o haití seria pedir para ir à falencia.
Será que fui clara na minha explicação?
E ae, como é que fica essa minha dúvida?
Bjus

Anônimo disse...

Outra dúvida que ficou é com relação ao paragrafo que se refere à afirmação de que o consumo dos americanos que estimulou o crescimento global.
Eu entendí a sua crítica, mas tbm não poderia ser entendido como o o seguinte, o consumo dos americanos gerou um fluxo do dinheiro que se encontrava nas mãos deles para aqueles que estão na outra ponta da relação de consumo?
Um exemplo bobo: eles aumentam o consumo de bolinhas produzidas na cochinchina. Isso gera um aumento de produção lá para poder satisfazer o mercado consumidor e à medida que eles vão adquirindo mais bolinhas naquele país há um fluxo de dinheiro para aquela região e acaba gerando crescimento economico naquela região. Pode ser isso????
Tipo, um exemplo pequeno que a gente pode pensar em esfera global. É possível?

Joel Pinheiro disse...

Olívia, obrigado pelos comentários.
Vamos às perguntas.

Todo mundo que gostaria de consumir mais e não o faz está nessa situação por falta de renda. E o que significa renda? Produção. Não têm a produção que os permitiria trocar pelo que querem consumir.

Um país ir à falência por produzir mais? Não entendo o que você tem em mente.

Sobre o comércio internacional: se um país importa produtos de outro, esse outro ganhará porque poderá, por sua vez, importar mais bens.
Não é o dinheiro em si que torna as pessoas mais ricas. É o fato de que, com esse dinheiro extra, elas poderão importar bens de outros países.
A Conchinchina, ao exportar bolinhas, manda parte de sua produção aos EUA. Em troca, ela poderá comprar parte da produção de outros países.

Lembre-se: a exportação é o preço que se paga pela importação.

Anônimo disse...

Eu não devo ter sido clara. Mas não falei em um país ir a falencia, mas a empresa.
Eu queria dizer que para o aumento da produção ocorrer, deve haver uma pré condição. Aumentar a produção do nada pode ser inconsequente. A empresa que se arriscar a fazer isso pode falir. É para isso que elas fazem pesquisa de mercado antes de abrir as portas, pq verificam se há condições de a demanda ser absorvida.
Digamos algum país do oriente médio exportador de petróleo por exemplo, o kwait, que apesar de ter um PIB considerável, ele não é distribuido entre a população, mas concentrado nas mãos de poucas pessoas. Apesar de ser um pais rico, não é desenvolvido. Como explicar a produção em um país em que apesar de ser rico, 90% da população não tem condições de consumir?
Sabe, eu entendí sua explicação, eu só acho que ela não se aplica a todas as realidades. Mas só em um lugar onde todos estejam empregados, produzindo e em condições de consumir.
Em um país onde a riqueza não é distribuida entre todos os setores sociais, não creio que isso possa valer. Pq ela, assim como o poder de consumo está nas mãos de poucos.
Mas pode ser que essa minha visão esteja errada, é por isso que estou te pedindo para me explicar melhor.
A sua ultima explicação me faz pensar que a riqueza está sempre em circulação na medida em que um país ganha exportando e depois importa de outro país. E ao contrário, eu acho que ela está concentrada. Que o mecanismo não é tão simples assim.

Fui clara dessa vez?
To cheia de dúvidas aqui...

Joel Pinheiro disse...

Ah sim! Agora entendo sua dúvida!

E ela é muito boa.

Num país pobre, onde as pessoas não têm dinheiro, como pode um novo investimento lucrar?

Duas são as respostas possíveis.

O primeiro caso é na ausência de aumentos de poupança, ou seja, na ausência de capital extra acumulado.
Nesse caso, um novo negócio só pode lucrar na medida em que outro tiver prejuízo.
Se eu consigo estabelecer com sucesso uma nova fábrica de carros, é porque os consumidores estão comprando menos carros de outras fábricas (ou menos de outros produtos). Não há capital novo à disposição, então cada empreendedor terá que direcionar para si capital que outros estão também tentando direcionar para si.
Esse "direcionamento" ocorre por meio das compras e abstenções de compra no mercado.
Ao comprar na minha loja e não na outra, o consumidor faz com que eu receba recursos e a outra loja não.

O segundo caso é quando, pela poupança, há aumento de capital disponível. Os empreendedores usarão esse novo capital para comprar/contratar meios de produção: máquinas, trabalhadores, terras, agências de propaganda, de distribuição, etc.

Ao fazer isso, os empreendedores aumentam a demanda por esses fatores de produção. Ao aumentar a demanda pelos fatores de produção, aumenta o preço deles. Ao aumentar o preço deles, aumenta a remuneração de seus donos.

Assim, conforme os empreendedores tentam lucrar, aumenta a renda dos donos dos fatores de produção: trabalhadores, capitalistas, donos de terra.
E é esse aumento na renda deles que permite que o consumo da sociedade aumente como um todo.

Ficou um pouco mais claro?

Anônimo disse...

Uma análise bastante bem argumentada e com a qual concordo plenamente. Aliás, acho piada à importância que se dá à balança comercial, vulgo exportacões-importações, como medidor do estado económico de um país.

De qualquer forma, relativamente ao post do Joel, há que notar que sim a produção da mais valia é o que garante o crescimento económico, mas a mais valia de um produto é apenas garantido pelo mercado, ou seja, pelo consumidor.

Isto quer dizer, não basta produzir a torto e a direito, há que produzir coisas que as pessoas realmente queiram comprar.

Joel Pinheiro disse...

Pois é, Ulaikamor. Desde o fim do século XVIII já foi provado que análise de "balança comercial" é algo absolutamente furado; um mero erro mercantilista. Mas, depois de alguns sérios retrocessos em ciência econômica no século XX, voltamos aos mesmos erros.

Eu só tomaria cuidado ao usar o termo "mais-valia", pois ele em geral se refere não à criação de valor, e sim a um conceito marxista: o de que parte da produção de valor do trabalhador é roubada pelo capitalista. E isso é algo que não existe na realidade.

Anônimo disse...

Po Joel, mais valia pra mim é o lucro. Ela não é roubada, mas sim apropriada pelo capitalista.
Mais uma dúvida que surgiu, pq a análise da balança comercial não é um bom referencial de crescimento econômco?
Afinal, como vc bem disse, desde muito antes do século XVIII, os estados já faziam um grande esforço através de medidas protecionistas para mantê-la em equilíbrio. O que é que explica isso?
Gostaria de saber tbm como um país pode crescer economicamente com uma balança comercial sempre negativa?
Por fim, é muito provável que essa reportagem da globo seja tendenciosa no sentido de procurar estimular o consumo, fazendo as pessoas crerem que estão ajudando a economia.

Joel Pinheiro disse...

A mais-valia é distinguida, no marxismo, do mero lucro que se tem na venda de um produto.

Ela é a diferença entre o valor do trabalho (quantidade de trabalho necessária para se sustentar o trabalhador), que é o que se paga pelo trabalho, e da quantidade de valor gerada pelo trabalho (afinal de contas, o valor de uso do trabalho advém, exatamente, da criação de valor).
É, é confuso mesmo... toda a teoria de valor-trabalho não faz sentido algum.

Neste próprio blog temos textos explicando como ambas as partes ganham com o comércio, e como as exportações são o pagamento pelas importações.

Pense na sua casa: você quer dar mercadorias para outras pessoas sem ganhar nada em troca? Se o fizesse, sua balança comercial seria positiva.
Por que você oferece mercadorias e serviços aos outros? Para poder, por sua vez, demandar outras mercadorias e serviços dos outros. Produz-se para consumir; exporta-se para importar.