terça-feira, outubro 28, 2008

Eleição e Massificação

Devo confessar que senti uma certa alegria no fundo do coração no domingo, como sempre sinto em dia de eleição. Todo mundo saindo de suas casas para votar, acreditando poder mudar os rumos do país (bem, nesse caso, da cidade); ricos e pobres, homens e mulheres, patrões e empregados, todos têm a mesma voz na urna. Há um belo ideal aí. Mas a realidade do processo é bem menos bela.

A maioria dos que sai para votar vai obrigada. Muitos não têm condição alguma de deliberar sobre a administração pública, e poucos se dão ao trabalho de conhecer algo sobre os candidatos. Não que esse trabalho valha a pena, pois a qualidade dos políticos é lamentável. Todos dizem exatamente as mesmas coisas; as mesmas promessas e as mesmas acusações. Ninguém mais acredita neles, o que é bom. Contudo, a descrença nas promessas e nos ideais deu lugar ao oportunismo puro e simples, o que é ruim.

Quem usa ônibus, vota no candidato que der mais benefícios ao ônibus. Quem usa carro, vota naquele que prometer mais ruas. E é tudo assim. A política, pela natureza dela, sempre foi um jogo de interesses antagônicos; diferentes grupos lutando para decidir quem vai se beneficiar dos recursos públicos, e quem vai pagar por eles. A única diferença é que isso está cada vez mais claro e desavergonhado. A compra de votos é condenada como uma prática vergonhosa e anti-ética. Mas qual a grande diferença quando o pagamento pelo voto ocorre, não do bolso do político, mas dos cofres públicos, com transporte de graça, bolsa-família ou o que seja? Todos os candidatos querem comprar votos. O plano de governo é a tabela de preços que ele está disposto a pagar. Quem oferecer mais, e tiver uma propaganda eficaz, leva.

A revolta contra esse sistema é crescente, mas até agora ineficaz. O único efeito dela tem sido angariar votos de protesto para candidaturas humorísticas; vários candidatos a vereador apostaram suas fichas na comédia. A maioria deles perdeu (será que pelo excesso de opções? Se Sérgio Mallandro e Lacraia não tivessem dividido o eleitorado, quem sabe um deles chegasse à legislatura municipal...), mas a tendência deve crescer no futuro.

A corrupção, a falta de seriedade e de competência dos políticos explica, em parte, o nível a que chegamos. Há também quem veja em tudo isso reflexos de uma cultura “ibero-católica-personalista”, pouco afeita à racionalidade e ao trabalho. No entanto, a coisa não muda muito em outros países. Que importa se nas eleições americanas vencer Obain ou McCama? A história dos dois partidos mostra que são, salvo raras exceções, indistinguíveis um do outro. O mesmo vale para a Inglaterra, França e toda a Europa. Foi-se o tempo em que concepções diferentes de sociedade e governo, teorias diferentes sobre o funcionamento da ordem social, competiam por meio de argumentos para persuadir o eleitor sensato.

Hoje em dia faz-se política para as massas. E, creio, isso é uma causa relevante para o fim de todo debate de idéias. É eleito quem agradar mais às massas. Quem prometer mais, e de forma mais convincente, leva os votos da maioria. A grande maioria das pessoas não tem nem a capacidade nem o interesse de seguir um argumento lógico complexo, deixando-se levar pelas emoções momentâneas. É de se estranhar que a política, nessas condições, transforme-se em mera repetição de slogans populistas e acusações midiáticas?

Não sei quem teve a idéia de que a maioria sempre escolhe, ou tende a escolher, bem. A verdade é obviamente o contrário: a maioria escolhe mal. Por acaso deixamos a cargo das massas a resolução de uma polêmica científica? E por que deveria ser diferente com a gestão do governo e dos recursos públicos?

Os políticos querem o poder. Para isso, utilizarão os meios necessários. Hoje em dia, sob o sistema “um homem, um voto”, o meio necessário é prometer algo de bom ao maior número de pessoas. Como, de qualquer coisa boa, são poucos os que têm muito dela e muitos os que têm pouco, sempre valerá a pena prometer alguma nova redistribuição. Assim, fica impossível qualquer proposta que fuja ao esquema básico do welfare state contemporâneo. Todos os políticos, tanto aqueles que a mídia chama de neo-liberais, como aqueles chamados de socialistas radicais, têm propostas muito parecidas. Propostas que sempre tendem, gradualmente, ao socialismo; pois cada intervenção estatal redistributiva gera novos problemas para os quais a solução consistirá em novas intervenções.

Para reverter esse quadro, há apenas duas saídas: promover uma virada nos valores da população, utilizando os mesmos meios propagandísticos do populismo (com a desvantagem de que, ao contrário deste, a defesa do livre mercado não raro implica ir contra o ganho pessoal imediato), ou a mudança do sistema político para algo mais sensato. Não sei qual é mais improvável.

sexta-feira, outubro 17, 2008

Algumas considerações sobre a crise atual

Este blog não morreu! Estava apenas hibernando. Acontece que ruídos alarmantes penetraram sua caverna, e é hora de voltar, espero, à ativa.

Nada mais propício do que voltar ao bom e velho tema da economia, que agora está na boca e, em menor grau, na cabeça de todo mundo. O trabalho do economista é curiosamente anti-cíclico; quando as coisas vão mal, aí que suas opiniões se valorizam! Ainda há muito espaço nessa crise para minha opinião se valorizar, mas dado que nada receberei por ela de qualquer jeito, este parece ser um bom momento.

O ex-presidente do Banco Central americano (FED), Alan Greenspan, afirmara “central banking is largely a theatrical business”, querendo dizer que, em larga medida, o papel dele é produzir as emoções certas nos participantes do mercado. Mais importante do que as medidas e previsões exatas, que são em todo caso inalcançáveis, é manter o otimismo dos investidores.

Nem isso os Bancos Centrais têm conseguido. Ninguém mais acredita em seu poder de reverter a crise. Poder que eles nunca tiveram, embora afirmassem e afirmem o contrário. A crise atual tem causas objetivas; não é mero fruto de mudanças de expectativas. As contas não serão pagas com otimismo, e não é a confiança no futuro que criará riqueza onde ela não existe. O pessimismo do mercado não é a causa; é a conseqüência. Outra coisa que não é a causa é a ganância dos investidores e especuladores. Não que eles não sejam gananciosos (a crise, inclusive, é uma boa oportunidade para muitos repensarem suas prioridades). A ganância existe, e é grande, mas não é a culpada. A raiz deste mal não é o amor ao dinheiro.

Qual é, então? Os próprios bancos centrais. Não podem remediar o que poderiam ter prevenido. São eles, hoje em dia, por trás daquilo que se chama, na ciência econômica, de ciclo de negócios: período de prosperidade seguido de queda abrupta dos valores de muitos ativos, e possivelmente de recessão (período de estagnação econômica); o boom seguido do crash. Inicialmente, parece que nada pode dar errado: todos os ativos se valorizam, a bolsa sobe a galope, todo mundo ganha. Subitamente, a bolha explode, e a mula empaca. O que aconteceu? Para onde foi a riqueza? Mas o momento da crise não destrói riqueza nenhuma. Antes, revela que a riqueza existente é muito menor do que se acreditava, e que muitos investimentos que pareciam valer a pena, não valem. O que criou essa ilusão coletiva foi a política inflacionista dos bancos centrais, especialmente do FED.

Hoje em dia, “inflação” quer dizer aumento geral dos preços; originalmente, significava a criação de mais dinheiro sem lastro (por exemplo, impressão maciça de novas cédulas). O aumento dos preços é a conseqüência natural disso, embora possa ter outras causas. A mudança no uso do termo apenas confundiu o entendimento do processo, ao se fixar na conseqüência e se esquecer da causa. Neste texto, utilizo “inflação” no sentido original do termo.

Há dois meios de se inflacionar a moeda: o primeiro é a emissão simples. Essa, ao mexer com o valor do dinheiro (mais unidades de dinheiro, menor o valor de cada unidade), danifica o funcionamento de todo o sistema de preços da economia, mas não gera o ciclo de negócios. A inflação que o gera é aquela criada por meio do crédito, ou seja, quando um empréstimo é feito a investimentos para o qual não existe poupança. Os bancos centrais incentivam essa prática ao manter os juros artificialmente baixos e dar aos bancos comerciais a garantia de que, se estiverem insolventes, receberão ajuda.

Com os juros artificialmente baixos devido à abundância do crédito, muitos maus investimentos são feitos. Ativos altamente arriscados parecem um ótimo negócio; sobra capital. Mas é tudo ilusório; ilusão que dura apenas enquanto dura a política inflacionista do banco central. Quando cessa a inflação - e ela tem que cessar eventualmente, porque senão todo o sistema econômico colapsaria - a real situação da poupança nacional fica aparente; o crédito tem que contrair. Os maus investimentos que foram feitos têm que ser liquidados. Não há outra saída.

Tudo o que o governo e banco central podem fazer é: inflacionar ainda mais, o que aumenta e empurra a crise para um futuro incerto; ou impedir, por meio de novos gastos e regulamentações, que os maus investimentos sejam liquidados, o que impede que os recursos da economia rendam frutos para a população, às custas dos contribuintes e de todo mundo que sair perdendo com o aumento de preços que resultará da inflação.

O melhor a fazer é fazer nada. Deixar quebrar quem precisar quebrar, e facilitar o redirecionamento do capital e do trabalho para novas finalidades. É hora também de cortar impostos e gastos do governo, para permitir que as pessoas tenham mais recursos à sua disposição nesses tempos de reajuste.