quarta-feira, outubro 17, 2007

Pelas Sendas da Economia

Finalmente acabaram 2 dias de extrema preocupação. Foi-se a ANPEC, prova para quem quer fazer mestrado de economia no Brasil. Quanto ao mestrado, já desisti dele há alguns meses (se bem que, dependendo da minha nota na ANPEC, quem sabe...?). As matérias pelas quais fui avaliado dão uma boa idéia de como é o mestrado, e de como é a ciência econômica hoje em dia.

Matemática e estatística. É nisso que se resume a economia acadêmica nos dias de hoje. Não devemos confundir as duas coisas; pelo contrário, são opostas enquanto métodos. A matemática, dedutiva e independente da experiência; a estatística, pura indução baseada nos dados empíricos.

Seguindo o que se chama de “abordagem neoclássica”, a ciência econômica tem como objetivo fazer previsões. É essa a definição de ciência, oriunda do positivismo, com a qual trabalha a maioria dos economistas: formular hipóteses que façam previsões empiricamente testáveis sobre a realidade. Por meio do teste da experiência, a hipótese pode ser rejeitada (se o que ela previr não ocorrer) ou ser aceita (na verdade não é tão simples assim, mas para este texto basta).

Para as ciências naturais isso é muito direto. Apesar de todos os problemas epistemológicos, não há muita dúvida de que esse método rende bons frutos. Mas e na economia? O economista depara-se com muitos problemas: os comportamentos humanos são altamente complexos e variáveis, e não parecem obedecer a nenhuma lei; há sempre incontáveis variáveis em operação; é impossível fazer experimentos em laboratório ou controlar as condições de um possível experimento.

O economista matemático (que é quem está por trás de toda a microeconomia) reconhece a impossibilidade de se lidar com a realidade em toda sua variabilidade. Mas, argumenta ele, isso seria, em todo caso, inútil; o objetivo da economia deve ser criar modelos que resultem em previsões precisas, usando o mínimo possível de informação. O mapa bom simplifica e diminui muito a cidade que ele visa mostrar; e se não fizesse isso não seria um bom mapa, seria uma fotografia gigantesca que em nada facilitaria a navegação.

Como proceder, então? Assumamos algumas hipóteses simplificadas sobre como se comportam as pessoas. Essas hipóteses serão falsas, não há dúvidas; mas serão jeitos de representar a realidade com uma certa simplicidade. Suponhamos que os homens agem de acordo com funções de utilidade, ou seja, que a preferência deles obedeça a certas equações matemáticas. Suponhamos também que eles tenham informação perfeita sobre o estado do mercado, que tenham os mesmos gostos, etc. Em suma, façamos um monte de suposições com o intuito de construir modelos matemáticos que nos dêem alguma base para fazer previsões sobre como a realidade se comportará. Assim, o mercado de produção agrícola comporta-se mais ou menos como um modelo de competição perfeita: livre entrada de competidores; produtores se deparam com preços dados de seus produtos, os quais são incapazes de alterar; a margem de lucro econômico sempre se aproxima do zero. Tudo isso é representado matematicamente. Se tivermos alguma idéia de come é a curva de demanda da sociedade, poderemos concluir quantas unidades do bem serão produzidas.

Isso foi só um exemplo. Para os economistas deve ter sido desnecessário, e para os não-economistas não deve ter ficado muito claro, mas sigamos em frente: o grande problema dessa metodologia toda é que ela tem deixado a desejar nas previsões, que são o objetivo dela. O caráter irreal e simplificador de suas suposições também garante que ela não seja um bom jeito de se entender como o mercado funciona na realidade.

Uma outra corrente, de importância crescente, toma o caminho oposto: o da estatística. As teorias abstratas dos economistas são furadas; partem de pressupostos falsos, fogem da realidade. É preciso ater-se a ela; é preciso testar todas as premissas e ficar só com o que se verifica nos fatos. É preciso parar de fazer “economia de poltrona” e passar a fazer econometria. É com base na correlação entre os dados observados e coletados que poderemos estabelecer relações de causa e efeito entre as diversas variáveis operantes no mercado; claro, algum insight puramente econômico sempre permanecerá, mas só teremos modelos úteis se abandonarmos a especulação abstrata e partirmos para a mensuração das variáveis. O que afeta a taxa de câmbio? Só uma regressão econométrica, que compare o comportamento da taxa de câmbio e o de muitas outras variáveis, poderá nos dizer. E mesmo esse resultado será fugaz; em outro período, as variáveis relevantes podem ser outras.

Em outro texto daqui já dei argumentos contrários ao uso que se tem feito da estatística como substituto da ciência econômica. Mas também não sou partidário da economia matemática neoclássica. Para onde ir? Existem outros caminhos? Existem. E eles se tornam mais claros ao questionarmos o objetivo fundamental da economia. Fazer previsões quantitativas precisas sobre o mercado e seus participantes, cientificamente, é impossível; talvez alguns discordem, talvez com razão. Em todo caso, ainda que não seja uma meta impossível, digo que não é a única meta que vale a pena ser perseguida. Mais importante e interessante do que fazer previsões quantitativas sobre os preços, a inflação e o câmbio, é entender como funciona o mercado. Qual o papel que os diversos participantes, preços e outra variáveis têm em coordenar a produção e distribuição de bens e serviços? São essas as questões que nos levam a todo um “novo” jeito (na verdade, é o jeito original) de se pensar a ciência econômica, já bem distante da corrente dominante. E com esse entendimento, estaremos inclusive em melhores condições de tentar prever o futuro.

domingo, outubro 14, 2007

Bertolt Brecht é um lixo

Sinto muito a todos que gostam dele, mas é um fato. É puro lixo. Não digo isso à toa. Ontem fui ver “Círculo de Giz Caucasiano”. Quase quatro horas perdidas (mais o horário de verão, cinco!). Não é minha primeira peça dele; já vi outras duas, que, por serem mais curtas, foram menos insuportáveis.

O grande “lance” do teatro de Brecht é fazer uma peça na qual os espectadores não se envolvam emocionalmente com a trama; assim, poderão ser observadores frios e racionais da situação apresentada. A situação consiste em relações de exploração levadas até o extremo. Por meio da ironia barata, toques de humor grosseiro, pseudo-discussões e recursos cênicos não-realistas, o espectador vê claramente o horror que se desenrola à sua frente, mas todos em cena reagem como se fosse uma relação cotidiana habitual. Sairá do teatro convencido de que a sociedade na qual ele próprio vive é sustentada sobre aquele tipo de exploração, tão bem explicitada pelo gênio de Brecht; e a vida só segue normalmente porque todos mantêm aquele mesmo cinismo dos personagens da peça.

O Círculo de Giz foge um pouco a esse modelo, pois é uma peça na qual vence o bem, a razão; é, na verdade, uma peça dentro de uma peça: depois de resolver racionalmente uma questão sobre a propriedade de uma terra, dois grupos de camponeses da URSS, para comemorar a solução pacífica, encenam essa peça, sobre uma mulher pobre, Gruxa, que, em meio a uma revolta, adota o filho bebê do governador, cuja mãe o abandonara. Depois de muito sofrer para cuidar do menino por anos, Gruxa é obrigada a ir a tribunal, pois a mãe biológica aristocrata voltou e o quer de volta.

O que é mais difícil de engolir na peça é a superficialidade dos personagens. Aliás, nem é possível chamá-los assim. São estereótipos, caricaturas de quinta categoria. A boa mulher pobre que se sacrifica pelo menino; a aristocrata desprezível; a camponesa aburguesada; o soldado valente e fiel; o príncipe ambicioso. Em uma linha: se pobres, santos; se ricos, demônios. Não poderia faltar ainda um padre debochado e aparentemente bêbado, que, apesar de sem graça, foi quem arrancou mais gargalhadas da platéia na curta cena que lhe coube (há algum motivo pelo qual piadas idiotas se tornem hilárias se feitas com a Igreja?).

A total ausência de personagens tornou o que poderia ter sido um enredo interessante em pura imbecilidade. Diferentemente do que eu esperava, não faltaram cenas de sentimentalismo meloso e barato, tentando em vão arrancar alguma lágrima da platéia; uma novela mexicana pareceria refinada em comparação. Fica claro que essa peça não passa de um panfleto ideológico das idéias de Brecht, e sua população-alvo devia ser os menos educados e incultos da sociedade; graças a Deus, o povo não está nem aí para Brecht e suas asneiras. São os intelectuais que fazem o papel vergonhoso de elevá-lo a gênio do teatro.

Já próximo do fim, delineou-se o que pareceu ser um raio de esperança. Depois da revolta na cidade, foi instaurado um juiz plebeu, Azdak, um pequeno intelectual da cidade, homem esperto, meio corrupto, mas, apesar disso, de coração bom. O novo juiz procede de forma chocante: aceita os subornos dos ricos, mas ao fim do julgamento sempre favorece a parte pobre, por mais que ela seja culpada. Um pobre é acusado de ter roubado uma vaca e um presunto; ele afirma que eles apareceram em sua casa por milagre, obra de “S. Banditus” (percebem o humor fino?). Azdak termina não só por declarar o réu inocente como pune os querelantes (ricos proprietários) por impiedade ao se negarem a aceitar o milagre. Fiquei surpreendido; não esperava de Brecht esse tipo de insight: mesmo com os pobres “no poder” (temporariamente), a injustiça continuaria a reinar, dessa vez viesada para o lado oposto.

Nada disso! Ao término da trama, após Azdak dar a guarda do menino a Gruxa, nos é revelado, com toda a seriedade e gravidade de fala conclusiva de peça, que o período no qual ele foi juiz foi para sempre lembrado como um no qual a verdadeira justiça reinou.

Viva! A justiça se fez! O menino ficou a mulher que verdadeiramente cuidou dele! A terra ficou com a população campesina que melhor cuidou dela, melhorando-a com inovações tecnológicas! Fora com os velhos conceitos burgueses de direito e propriedade! A cada um de acordo com sua habilidade! Assim termina a peça feita para ludibriar camponeses e operários; mas são apenas os intelectuais burgueses que a assistem e a consideram “genial”.

Faça um favor a você mesmo e não assista nada do Brecht. Pode ter certeza de que é muito ruim. Não é só porque uma peça é apologia do socialismo soviético que ela tem o direito de ser uma porcaria.

domingo, outubro 07, 2007

Tropa de Elite - Resenha

Acabei de ver Tropa de Elite. Como a Internet ferve com comentários sobre ele, aqui vai minha resenha.

Cinematograficamente, deixa a desejar. Depende excessivamente da narração em off para explicar a história e explicitar os pontos que as cenas deveriam estabelecer por si mesmas (um vício de todo o cinema nacional, aliás). Outro ponto fraco são os diversos elementos dramáticos extrínsecos à trama adicionados só para se obter um efeito sentimental, sem a articulação necessária com o resto da história (o bebê a nascer, o policial corrupto que serve de alívio cômico, etc). No quesito propriamente estético, outras falhas: diversas cenas são marcadas por um artificialismo claro; chamo atenção à aula de filosofia na faculdade (as opiniões e material ministrado estão corretas; mas quem está na faculdade sabe que aula de filosofia não tem aquela naturalidade e espontaneidade). O jeito de filmar e de contar a história não têm nenhuma inovação, e não se destacam por nenhum feito estético. Como filme, não há dúvidas de que Cidade de Deus foi superior.

No entanto, o conjunto é competente, e se não tem grandes méritos, também não é um obstáculo ao conteúdo, que é, no final das contas, o motivo da sua notoriedade. A grande sacada do filme é mudar o ponto de vista: Cidade de Deus tomava o ponto de vista da favela e seus moradores, com os quais o espectador logo se acostuma e identifica; o policial é sempre um personagem externo e distante, que entra na narrativa apenas quando entra na favela, e assim que deixa o morro deixa também o filme. Já em Tropa de Elite, o foco narrativo está nos policiais; é a favela que constitui o ambiente hostil e caótico (um verdadeiro campo de guerra) no qual eles e nós, que os acompanhamos, temos que entrar inúmeras vezes e do qual, assim que saímos, sentimo-nos aliviados.

Dessa mudança de ponto de vista decorre uma mudança de perspectiva moral. Se em Cidade de Deus e similares deparamo-nos com uma justificativa dos traficantes, que são no fundo pessoas que, sem qualquer perspectiva de vida, viram-se forçados a seguir por um caminho desastroso, agora encontramos uma justificativa da brutalidade policial: ou os poucos policiais bons torturam e executam, desprezando a lei positiva e convenções morais, ou a luta contra o tráfico será inútil.

A corrupção dentro da PM é onipresente; os policiais, mal-treinados e mal pagos, fazem acordos com traficantes para viver em paz e lucrar algo. Se um policial honesto tenta, pelos meios legítimos e institucionais, fazer o bem, é barrado pelo descaso da burocracia interna, toda ela corrompida. Se burla essas regras e frustra os esquemas de seus colegas, é logo eliminado. Sua única opção é integrar-se à tropa de elite, o BOPE, que une treinamento intensivo de guerra e zelo total em combater os traficantes.

Os policiais do BOPE têm duas opções: torturar e matar ou deixar o tráfico impune. Eles fazem sua escolha. Por mais que respeite os policiais e entenda sua situação, não posso compactuar com ações que os tornam pouco diferentes daqueles que eles combatem.

Muitos dos entusiastas do filme gostam de ver a execução de traficantes na tela. Dada a impunidade reinante e, pior, a defesa da criminalidade pelos intelectuais e ricos “conscientizados” em geral (cuja ridicularização é o ponto alto do filme), simpatizo com esse sentimento. Mas traficante também é ser humano; e a frieza e sadismo com que o BOPE tortura e mata são injustificados. Não é que os traficantes não mereçam morrer; é justo que muitos deles morram, por seus crimes hediondos; mas não é justo que os policiais os matem (fora de combate, claro). O próprio filme reconhece que há algo de errado; quando uma mãe, que perdeu o único filho, “fogueteiro” do tráfico, vem exigir ao capitão Nascimento que ele lhe entregue o corpo para que possa enterrá-lo, lembramo-nos que traficante também tem mãe, e que, por pior que tenha sido, ainda conserva sua dignidade humana. Comemoramos sua morte porque a sociedade agora está mais segura, e a justiça foi feita; mas, acima disso, lamentamo-la, pois é um homem que foi muito menos do que poderia ter sido, e de certa forma falhamos em ajudá-lo.

Ao mesmo tempo, os próprios policiais do BOPE transformam-se em pessoas muito piores do que eram. Matias, que estudava para se tornar advogado, acaba selando seu destino com uma execução sumária, destituído de todos os traços de caráter que antes faziam dele um ótimo ser humano. Já não é mais o amor à justiça que o move, mas o simples ódio aos injustos, dos quais ele, sem perceber, passa a fazer parte. Já o capitão Nascimento, incapaz de conciliar a vida na tropa com a vida familiar, vê sua própria saúde mental e sua família desmoronarem. O filme reconhece todas essas realidades decorrentes da vida no BOPE, mas ainda assim aceita-as como o preço pago para se fazer justiça.

E cabe o juízo: os meios empregados pelos policiais do BOPE atingem seus objetivos? A sociedade fica mais segura com seus ataques? Parece que não. Um traficante a menos não significa nada. Enquanto existir a demanda pelas drogas, o tráfico vai existir. E enquanto ele for proibido, vão existir as gangues (assim como existia a máfia americana com as bebidas). Não tenho nada além de desprezo por quem procura justificar o banditismo ou ainda demonizar a polícia, baseando-se em lamentáveis filosofias da moda (Nietzsche, Deleuze, Foucault eram os temas das aulas na faculdade de ricos no filme – tristes bases para se formar opiniões). Mas abdicar de toda a preocupação ética e aderir a um pragmatismo desumano em busca de resultados também não é a saída. Não são as condições sociais que obrigam os homens a cometer crimes; criminoso não é coitadinho. Mas nem por isso deixa de ser gente.