terça-feira, junho 02, 2009

Cada um é dono do seu nariz

Entro feliz num bar, para uma reunião de amigos, quando me dou conta de estar em meio a fumantes, o que logo me deixa preocupado. O primeiro dos nada agradáveis sintomas é a irritação da garganta e dos olhos, que de tanto coçar transformam-se em chagas inflamadas de lágrimas e catarro, o que não é grave se comparado ao que se passa dentro de mim: à fumaça que entra em meu peito a cada respiração, e que me levará, em alguns anos, do bar à UTI, esquelético e careca depois de várias quimioterapias fracassadas, aguardando sozinho a morte de câncer pulmonar. Por pior que seja, contudo, câncer letal é pouco perto do pior efeito do tabaco: ao sair do bar, minhas roupas e corpo exalam um odor tão repulsivo que eu me sinto como o fundo de um cinzeiro lotado de bitucas amanhecidas. A única coisa a fazer é incinerar as roupas imediatamente e me esfregar com a bucha por duas horas no banho. Assim, não sou exatamente fã do cigarro. Mas há algo que eu odeio ainda mais: a lei anti-fumo de José Serra, nosso Stalin da saúde.

Onde foram parar o direito de propriedade e o direito de escolha? Um dono de bar tem o direito de escolher se permitirá ou não que se fume em seu estabelecimento. Não há maneira mais justa ou eficiente de se solucionar o problema.

Justa, porque respeita o direito de propriedade e autonomia de cada um. O dono de um estabelecimento pode decidir as regras que valem lá dentro, e quem não quiser segui-las, que não vá lá. Ninguém é obrigado a ir a bar ou balada nenhuma. Eu detesto música tecno e ambientes barulhentos e escuros; adivinha qual é minha conduta acerca da maioria das baladas que existem por aí? Peço ao Serra que imponha por lei um nível mínimo de luz e um nível máximo de ruído, bem como uma política de cotas para músicas de vários estilos em cada balada? Não; simplesmente não vou. E já que não conheço nenhuma balada próxima de mim que não seja assim, não vou a baladas e ponto final. Se quiser baladas diferentes, devo estar disposto a pagar por elas; não estou.

Essa solução é também a mais eficiente. Se eu terminantemente não quero contato com cigarro, não irei à casa de um fumante ou a um bar que permita o fumo. Se a ojeriza dos não-fumantes ao cigarro for tal que eles se recusem a ir a bares de fumantes, ou estejam dispostos a pagar a mais para ter seu “smoke-free environment”, então valerá a pena abrir bares onde é proibido fumar. Se tais bares não existem, então ou o os não-fumantes não se incomodam tanto assim com o cigarro, ou há oportunidades de lucro esperando os primeiros empreendedores a auferi-las. Provavelmente, o desgosto com o cigarro não é tal que justifique bancar estabelecimentos onde não se fume. Quem defende a lei quer, portanto, que os outros paguem por seu conforto e saúde.

Eu adoraria um mundo sem cigarros. Outras coisas que eu eliminaria de bom grado são o mau hábito de mascar chiclete e de homens adultos andarem por aí de bermuda. A externalidade negativa é real. Mas fazer o quê? Eles não violam meus direitos. Se a fumaça dos bares e baladas invadisse nossas casas e atacasse nossas crianças, daí sim haveria motivo para alguma medida legal entrar em vigor (punindo o estabelecimento responsável, e apenas ele). Como não é esse o caso, o governo deveria se manter bem longe da discussão. Se nós, não-fumantes, não estamos dispostos a arcar com o custo de estabelecimentos exclusivos para nós, com que direito os exigimos? Cada um é dono do seu nariz apenas; é uma pena que o Serra meta o dele onde não foi chamado.

13 comentários:

Fábio Lacerda disse...

Eu concordo.

Não consigo não pensar na relação entre a lei antifumo e a descrição de Tocqueville da onipotência da maioria. Assim como "ocorre certas vezes faltar força à lei, quando a maioria não a apóia", uma lei absolutamente estúpida e que atente contra o direito de propriedade pode muito bem vigorar. Desde que a maioria a apóie. E, bem, dado que vivemos sob a tirania da qualidade de vida, quem não vai apoiar uma lei antifumo?

Joel Pinheiro disse...

Para esse pessoal da saúde (Serra, Temporão, etc) até mesmo o direito à vida é algo a ser sacrificado pela "qualidade de vida" da maioria. É perverso.

Lei seca, antifumo. Isso vai diminuindo cada vez mais a autonomia de cada indivíduo. Daqui a pouco não se poderá mais servir batatas fritas em bar. Afinal, elas são nocivas à saúde, e os hospitais do governo já gastam recursos demais com pessoas com problemas no coração.
O princípio é rigorosamente o mesmo.

A única coisa que falta é uma leve "evolução" da mentalidade da maioria. Mas ela não tardará a vir.

Ruben Juliano disse...

"Por pior que seja, contudo, câncer letal é pouco perto do pior efeito do tabaco: ao sair do bar, minhas roupas e corpo exalam um odor tão repulsivo que eu me sinto como o fundo de um cinzeiro lotado de bitucas amanhecidas"; "...que de tanto coçar transformam-se em chagas inflamadas de lágrimas e catarro"; "...e que me levará (...) do bar à UTI, esquelético e careca depois de várias quimioterapias fracassadas, aguardando sozinho a morte de câncer pulmonar".

huahuahuauhuahua...O primeiro parágrafo do seu texto é de um exagero e tragicidade sem precedentes aqui nesse blog. Mas, se assim não fosse, também não seria tão poético!

Joel Pinheiro disse...

Heh, pois é, estou tentando mudar um pouco estilo, sair da chatice e da mesmice de sempre. Vamos ver se funciona.

ale disse...

Oi gostei muito do seu blog, a discussão sobre a lei antifumo atingiu limites bem mais amplos do que a superficialidade que a mídia vem tratando.
Eu sou fumante e saio muito a noite, a lei começa a vigorar hoje e estou com uma insônia inenarrável, imaginando como será daqui para frente.
Tenho dois links interessantes para passar. Um blog e um abaixo assinado:
Blog, terceiro post sobre lei antifumo:
http://ditaduraenrustida.wordpress.com/

Abaixo assinado:
http://www.petitiononline.com/antifumo/petition.html
Dêem uma olhada e comentem se quiserem, Se algum não fumante quiser assinar o abaixo assinado, pode, uma amiga minha que não fuma já assinou, isso é que é solidariedade.
Abraço

Unknown disse...

Bom, cada pessoa possui uma opinião Joel e eu discordo totalmente da sua apesar de respeitá-la. Como essa lei apenas me beneficia eu a defendo até que seja provado que estou sendo prejudicado.
Acho que economicamente falando é muito difícil, para não dizer impossível, calcular se está lei irá ou não trazer prejuízo a sociedade, como medir as externalidades negativas ou positivas do cigarro.!?
Pessoalmente acho que a diminuição na arrecadação com as empresas do setor e a redução no número de empregados da mesma, ou qualquer outro gasto gerado pela lei será compensado pela redução nos gastos diretos e indiretos na saúde, limpeza da cidade ( pense nas bitucas )e outros ..

Anônimo disse...

Joel, não achei válido seu argumento.

A música alta da balada é uma escolha - é sua vontade ir ou não à este tipo de lugar. Já a fumaça do cigarro não obedece a vontade de cada indivíduo e ela nada mais é que a imposição da vontade alheia sobre a sua.

Joel Pinheiro disse...

Anônimo, se a fumaça do cigarro saísse do estabelecimento e entrar na sua casa, daí sim, você teria razão.

Mas não é o caso. Aliás, a música da balada invade mais a propriedade alheia do que a fumaça do cigarro...

Você escolhe se vai ou não a um lugar com música alta. Você escolhe se vai ou não a um lugar com fumaça de cigarro. Simples assim.

E por acaso as ondas sonoras da música obedecem à vontade de cada indivíduo que está dentro da balada? Claro que não.

Sua distinção é sem base.

Paulo Jr. disse...

Será que o Joel é um liberal?
Não podemos tentar resolver todos os problemas da sociedade através da teoria econômica.
Deixar a mão invisível da economia resolver todos os problemas não funciona.
E olha que acredito no estado mínimo!

Nunca teremos estabelecimentos para fumantes e não fumantes. Pode até haver um ou outro, mas nunca teremos restaurantes japoneses p/ fumantes e outros p/ não fumantes. Pizarrias p/ fumantes e pizzariaspara não fumantes. Uma sociedade desse tipo nunca existirá. Muitas vezes dentro de uma família, há fumantes e não fumantes. Happy hour com os amigos do trabalho na sexta-feira? Melhor não ir né, já que com certeza alguem irá acender o cigarrinho. As pessoas não pensam assim, por que elas não são capazes de tangibilizar o custo de ser um um fumante passivo. Isso por que, o custo individual é muitas vezes menor que o social, e por que os custos são geralmente de curto prazo. Isso torna a discussão das externalidades fundamental.

Desta vez não posso concordar com você Joel.
Sorry

Rodrigo Garcia disse...

"Eu adoraria um mundo sem cigarros. Outras coisas que eu eliminaria de bom grado são o mau hábito de mascar chiclete e de homens adultos andarem por aí de bermuda. A externalidade negativa é real." Bom Joel, sobre a escolha do dono do bar poder escolher sobre seus clientes... não sei não. Mas achei bem legal sua opnião. Mas em relação aquele trecho ali em cima, " A externalidade negativa é real ". Poderia me explicar?

Forte abraço.

Joel Pinheiro disse...

Olá Rodrigo.

É, acho que devo explicar-me.
Externalidade é um termo da economia para significar os efeitos (positivos ou negativos) de um dado bem ou serviço que não estão contabilizados no preço.

Por exemplo, se eu compro uma casa e embelezo a fachada dela, isso embeleza a rua como um todo e aumenta o valor das casas próximas. Esses benefícios que a minha obra trouxe à rua (tornar o passeio mais agradável, aumentar o valor das casas) não foram pagos pelos moradores que os receberam. Diz-se, então, que esse embelezamento da fachada tem externalidades positivas, isto é, efeitos positivos para outras pessoas.

Já homens adultos, maduros, andando por aí de bermuda, tornam a vida (ao menos a minha) uma experiência menos agradável, bem como pessoas que mascam chiclete (fazem barulho, colam o chiclete embaixo de mesas e cadeiras, etc). Essas ações têm externalidades negativas, isto é, impactam outras pessoas de maneira negativa. E as pessoas que agem dessas formas não pagam um preço por isso (um preço para compensar o impacto negativo do que elas fazem).

Joel Pinheiro disse...

Paulo, tudo o que você diz apenas ilustra o que eu falei:

SE as pessoas se incomodassem tanto assim com o cigarro, estariam dispostas a pagar mais caro por um lugar que proibisse a entrada de fumantes, e então seria lucrativo ter um lugar assim. Já que, creio, não é esse o caso, isso significa que as pessoas NÃO se incomodam tanto com o cigarro assim.

Mas existe sim algum desconforto de não-fumantes com relação a fumantes, e é por isso que muitos estabelecimentos têm áreas de fumantes e de não-fumantes.

No livre mercado, são os consumidores que decidem quanto, como e o quê será produzido e servido.

Se você acha que os não-fumantes que aceitam entrar num bar com fumantes estão fazendo uma grande besteira, e que estão botando a vida delas em risco, você é livre para falar com elas e convencê-las usando os melhores argumentos que tiver.

A lei, embora pequena, parte de um princípio ditatorial, e é mais um sintoma de muitos dos males que assolam as mentes hoje em dia: o Estado como organizador da sociedade, o culto à saúde como o bem máximo (é tão incompreensível assim imaginar que uma pessoa saiba dos riscos do cigarro e MESMO ASSIM continue a fumar devido os benefícios que ele traz para ela?) e o moralismo politicamente correto que substituiu a verdadeira preocupação de se ser uma boa pessoa.

Wesley Snipes disse...

"à fumaça que entra em meu peito a cada respiração, e que me levará, em alguns anos, do bar à UTI, esquelético e careca depois de várias quimioterapias fracassadas, aguardando sozinho a morte de câncer pulmonar."

Todo seu argumento é concluído de maneira válida. No entanto, nao existem estudos conclusivos acerca dos males causados pelo cigarro para os fumantes e, muito menos, para o chamado "fumo passivo"