Devo confessar que senti uma certa alegria no fundo do coração no domingo, como sempre sinto em dia de eleição. Todo mundo saindo de suas casas para votar, acreditando poder mudar os rumos do país (bem, nesse caso, da cidade); ricos e pobres, homens e mulheres, patrões e empregados, todos têm a mesma voz na urna. Há um belo ideal aí. Mas a realidade do processo é bem menos bela.
A maioria dos que sai para votar vai obrigada. Muitos não têm condição alguma de deliberar sobre a administração pública, e poucos se dão ao trabalho de conhecer algo sobre os candidatos. Não que esse trabalho valha a pena, pois a qualidade dos políticos é lamentável. Todos dizem exatamente as mesmas coisas; as mesmas promessas e as mesmas acusações. Ninguém mais acredita neles, o que é bom. Contudo, a descrença nas promessas e nos ideais deu lugar ao oportunismo puro e simples, o que é ruim.
Quem usa ônibus, vota no candidato que der mais benefícios ao ônibus. Quem usa carro, vota naquele que prometer mais ruas. E é tudo assim. A política, pela natureza dela, sempre foi um jogo de interesses antagônicos; diferentes grupos lutando para decidir quem vai se beneficiar dos recursos públicos, e quem vai pagar por eles. A única diferença é que isso está cada vez mais claro e desavergonhado. A compra de votos é condenada como uma prática vergonhosa e anti-ética. Mas qual a grande diferença quando o pagamento pelo voto ocorre, não do bolso do político, mas dos cofres públicos, com transporte de graça, bolsa-família ou o que seja? Todos os candidatos querem comprar votos. O plano de governo é a tabela de preços que ele está disposto a pagar. Quem oferecer mais, e tiver uma propaganda eficaz, leva.
A revolta contra esse sistema é crescente, mas até agora ineficaz. O único efeito dela tem sido angariar votos de protesto para candidaturas humorísticas; vários candidatos a vereador apostaram suas fichas na comédia. A maioria deles perdeu (será que pelo excesso de opções? Se Sérgio Mallandro e Lacraia não tivessem dividido o eleitorado, quem sabe um deles chegasse à legislatura municipal...), mas a tendência deve crescer no futuro.
A corrupção, a falta de seriedade e de competência dos políticos explica, em parte, o nível a que chegamos. Há também quem veja em tudo isso reflexos de uma cultura “ibero-católica-personalista”, pouco afeita à racionalidade e ao trabalho. No entanto, a coisa não muda muito em outros países. Que importa se nas eleições americanas vencer Obain ou McCama? A história dos dois partidos mostra que são, salvo raras exceções, indistinguíveis um do outro. O mesmo vale para a Inglaterra, França e toda a Europa. Foi-se o tempo em que concepções diferentes de sociedade e governo, teorias diferentes sobre o funcionamento da ordem social, competiam por meio de argumentos para persuadir o eleitor sensato.
Hoje em dia faz-se política para as massas. E, creio, isso é uma causa relevante para o fim de todo debate de idéias. É eleito quem agradar mais às massas. Quem prometer mais, e de forma mais convincente, leva os votos da maioria. A grande maioria das pessoas não tem nem a capacidade nem o interesse de seguir um argumento lógico complexo, deixando-se levar pelas emoções momentâneas. É de se estranhar que a política, nessas condições, transforme-se em mera repetição de slogans populistas e acusações midiáticas?
Não sei quem teve a idéia de que a maioria sempre escolhe, ou tende a escolher, bem. A verdade é obviamente o contrário: a maioria escolhe mal. Por acaso deixamos a cargo das massas a resolução de uma polêmica científica? E por que deveria ser diferente com a gestão do governo e dos recursos públicos?
Os políticos querem o poder. Para isso, utilizarão os meios necessários. Hoje em dia, sob o sistema “um homem, um voto”, o meio necessário é prometer algo de bom ao maior número de pessoas. Como, de qualquer coisa boa, são poucos os que têm muito dela e muitos os que têm pouco, sempre valerá a pena prometer alguma nova redistribuição. Assim, fica impossível qualquer proposta que fuja ao esquema básico do welfare state contemporâneo. Todos os políticos, tanto aqueles que a mídia chama de neo-liberais, como aqueles chamados de socialistas radicais, têm propostas muito parecidas. Propostas que sempre tendem, gradualmente, ao socialismo; pois cada intervenção estatal redistributiva gera novos problemas para os quais a solução consistirá em novas intervenções.
Para reverter esse quadro, há apenas duas saídas: promover uma virada nos valores da população, utilizando os mesmos meios propagandísticos do populismo (com a desvantagem de que, ao contrário deste, a defesa do livre mercado não raro implica ir contra o ganho pessoal imediato), ou a mudança do sistema político para algo mais sensato. Não sei qual é mais improvável.
A maioria dos que sai para votar vai obrigada. Muitos não têm condição alguma de deliberar sobre a administração pública, e poucos se dão ao trabalho de conhecer algo sobre os candidatos. Não que esse trabalho valha a pena, pois a qualidade dos políticos é lamentável. Todos dizem exatamente as mesmas coisas; as mesmas promessas e as mesmas acusações. Ninguém mais acredita neles, o que é bom. Contudo, a descrença nas promessas e nos ideais deu lugar ao oportunismo puro e simples, o que é ruim.
Quem usa ônibus, vota no candidato que der mais benefícios ao ônibus. Quem usa carro, vota naquele que prometer mais ruas. E é tudo assim. A política, pela natureza dela, sempre foi um jogo de interesses antagônicos; diferentes grupos lutando para decidir quem vai se beneficiar dos recursos públicos, e quem vai pagar por eles. A única diferença é que isso está cada vez mais claro e desavergonhado. A compra de votos é condenada como uma prática vergonhosa e anti-ética. Mas qual a grande diferença quando o pagamento pelo voto ocorre, não do bolso do político, mas dos cofres públicos, com transporte de graça, bolsa-família ou o que seja? Todos os candidatos querem comprar votos. O plano de governo é a tabela de preços que ele está disposto a pagar. Quem oferecer mais, e tiver uma propaganda eficaz, leva.
A revolta contra esse sistema é crescente, mas até agora ineficaz. O único efeito dela tem sido angariar votos de protesto para candidaturas humorísticas; vários candidatos a vereador apostaram suas fichas na comédia. A maioria deles perdeu (será que pelo excesso de opções? Se Sérgio Mallandro e Lacraia não tivessem dividido o eleitorado, quem sabe um deles chegasse à legislatura municipal...), mas a tendência deve crescer no futuro.
A corrupção, a falta de seriedade e de competência dos políticos explica, em parte, o nível a que chegamos. Há também quem veja em tudo isso reflexos de uma cultura “ibero-católica-personalista”, pouco afeita à racionalidade e ao trabalho. No entanto, a coisa não muda muito em outros países. Que importa se nas eleições americanas vencer Obain ou McCama? A história dos dois partidos mostra que são, salvo raras exceções, indistinguíveis um do outro. O mesmo vale para a Inglaterra, França e toda a Europa. Foi-se o tempo em que concepções diferentes de sociedade e governo, teorias diferentes sobre o funcionamento da ordem social, competiam por meio de argumentos para persuadir o eleitor sensato.
Hoje em dia faz-se política para as massas. E, creio, isso é uma causa relevante para o fim de todo debate de idéias. É eleito quem agradar mais às massas. Quem prometer mais, e de forma mais convincente, leva os votos da maioria. A grande maioria das pessoas não tem nem a capacidade nem o interesse de seguir um argumento lógico complexo, deixando-se levar pelas emoções momentâneas. É de se estranhar que a política, nessas condições, transforme-se em mera repetição de slogans populistas e acusações midiáticas?
Não sei quem teve a idéia de que a maioria sempre escolhe, ou tende a escolher, bem. A verdade é obviamente o contrário: a maioria escolhe mal. Por acaso deixamos a cargo das massas a resolução de uma polêmica científica? E por que deveria ser diferente com a gestão do governo e dos recursos públicos?
Os políticos querem o poder. Para isso, utilizarão os meios necessários. Hoje em dia, sob o sistema “um homem, um voto”, o meio necessário é prometer algo de bom ao maior número de pessoas. Como, de qualquer coisa boa, são poucos os que têm muito dela e muitos os que têm pouco, sempre valerá a pena prometer alguma nova redistribuição. Assim, fica impossível qualquer proposta que fuja ao esquema básico do welfare state contemporâneo. Todos os políticos, tanto aqueles que a mídia chama de neo-liberais, como aqueles chamados de socialistas radicais, têm propostas muito parecidas. Propostas que sempre tendem, gradualmente, ao socialismo; pois cada intervenção estatal redistributiva gera novos problemas para os quais a solução consistirá em novas intervenções.
Para reverter esse quadro, há apenas duas saídas: promover uma virada nos valores da população, utilizando os mesmos meios propagandísticos do populismo (com a desvantagem de que, ao contrário deste, a defesa do livre mercado não raro implica ir contra o ganho pessoal imediato), ou a mudança do sistema político para algo mais sensato. Não sei qual é mais improvável.
Um comentário:
Boas reflexões, Joel.
Não há dúvida de que a democracia estimula o populismo e a demagogia. O voto da maioria das pessoas vai para aquele que promete beneficiá-las diretamente.
Agora, qual seria a alternativa?
Os liberais ficam isolados porque apoiar uma plataforma liberal é equalizar todos diante do estado, e a maioria não quer ser igual em direitos e deveres. A maioria quer privilégios, mesmo que considere tais privilégios como sendo "direitos".
Só com uma mudança da mentalidade dominante e com a falência do welfare state corporativista pra alterar essa tendência que vivemos atualmente.
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