quarta-feira, abril 18, 2007

Ouro VS. Papel

Mesmo antes da existência do dinheiro os homens já trocavam. Faziam o que chamamos hoje de “escambo”. Se um indivíduo tivesse uma cesta de frutas e quisesse um machado, teria que achar alguém que tivesse um machado e quisesse uma cesta de frutas. Assim, poderiam trocar. Tudo muito bom, mas temos aí uma dificuldade gritante para realizar essa transação: a probabilidade de se encontrar alguém que tenha o que queremos e queira aquilo que temos, é muito baixa; especialmente nesse caso da cesta de frutas e do machado, que são bens de circulação, em geral, restrita.

Outros bens, por sua vez, por serem úteis à maioria das pessoas, eram constantemente demandados e estavam sempre à mão. Era o caso, por exemplo, de cabeças de gado em sociedades primitivas. Assim, o indivíduo do exemplo inicial encontraria maior facilidade de realizar sua troca se encontrasse, em primeiro lugar, alguém que quisesse sua cesta de frutas e oferecesse um bezerro em troca. Com esse bezerro agora em mãos, nosso personagem poderia agora procurar, com maior chance de sucesso, alguém que tivesse o machado e que aceitasse trocá-lo por um bezerro. Nesse exemplo, o bezerro serviu como meio de troca para que o sujeito pudesse, finalmente, trocar sua cesta de frutas por um machado.

E foi assim, conforme as pessoas utilizavam algum bem disponível e valorizado por todos como meio de troca, que surgiu o dinheiro. Ou seja, longe de ser a criação de um planejador, o dinheiro nada mais é do que um meio que cada pessoa encontrou de facilitar suas trocas. O exemplo do bezerro não foi escolhido ao acaso: nas primeiras sociedades a moeda era de fato cabeças de gado. Mas o uso de bois como moeda traz consigo alguns inconvenientes: bois nascem, crescem e morrem, nem sempre é fácil ou prático transportá-los e não podem ser divididos com exatidão. Outro bem, no entanto, parece ser perfeitamente adaptado ao papel de dinheiro: os metais preciosos: fáceis de carregar, duráveis e divisíveis. Não foi à toa que todas as culturas e sociedades que tinham acesso a ouro e prata acabaram por usá-los como moeda.

Assim, fica claro que o dinheiro, o bem usado como meio de troca, é um bem como qualquer outro. Um bem que tem valor independentemente de ser ou não usado como meio de troca (aliás, é só porque ele tem valor que ele pôde ser utilizado como dinheiro).

Mas hoje em dia a realidade é outra: usamos como dinheiro um papel colorido com o carimbo do governo que não tem valor algum a não ser como meio de troca. Ninguém aceitaria esse papel como pagamento se não acreditasse que o resto da sociedade continuará a aceitá-lo. Ou seja, o valor do papel-moeda dura apenas enquanto cada pessoa acreditar que o resto da sociedade ainda dá algum valor a ele. O papel continua a ser dinheiro apenas enquanto durar essa ilusão coletiva.

É por esse motivo que na imposição do padrão fiduciário, isto é, do papel-moeda, os governos tiveram que criar leis para proibir o uso de moedas alternativas e para obrigar todas as pessoas a aceitar o papel-moeda. Sem essas leis, estaria com os dias contados.

E qual o motivo da imposição do papel-moeda, se os metais desempenhavam tão bem sua função de dinheiro? Quais as vantagens que isso traz à população em geral? Absolutamente nenhuma. Muito pelo contrário: o governo, que é quem controla as prensas dessa nova moeda, pode produzir para si (ou para grupos ligados a ele) quanto dinheiro quiser; ou seja, se financiar a custo zero. Quem paga por esse financiamento é o resto da sociedade, como já foi mostrado em outros artigos aqui no blog.

A existência do dinheiro em nada depende do governo, e sua intervenção nesse setor tem apenas um objetivo: favorecer a si e aos seus em detrimento de toda a sociedade. Portanto, todos aqueles preocupados em formar uma sociedade mais justa e próspera deveriam denunciar a fraude do padrão fiduciário e defender o retorno ao padrão-ouro.

14 comentários:

Werther Vervloet disse...

Joel, concordo em partes. Mas hoje em dia é raro um governo que imprima indiscriminadamente papel moeda para se financiar. Existem diversas restrições quanto a isso.
Além disso, sua historinha deu um salto. Inicialmente, o papel moeda representava uma quantia em ouro. Qualquer um poderia ir a um Banco e trocar dinheiro por ouro. Após um tempo foram percebendo que não havia a necessidade de se manter essas reservas em ouro, e então isso foi abolido, restando apenas a o papel moeda em si.

Não se tratou de algo maquiavelicamente arquitetado e tirado da cartola um dia pensando apenas em ludibriar a população. Foi fruto de um lento processo evolutivo.

Assim como os metais preciosos apresentavam vantagens em relação às cabeças de gado, o papel moeda apresenta vantagens sobre os metais preciosos.

É mais fácil de se transportar, de se substituir, não está sujeito a problemas de liquidez, etc, etc.

Enfim. Se usado com a devida cautela, o papel moeda não é algo ruim para a economia.

Joel Pinheiro disse...

De fato, passei por cima do processo histórico.
Mas você também passou por cima de um passo importante: "Após um tempo foram percebendo que não havia a necessidade de se manter essas reservas em ouro"

Não foi bem assim que aconteceu. Os bancos e o governo paravam de devolver o ouro a seus clientes, o que causava grande celeuma na população.
Inicialmente os governos apenas deixavam de redimir as notas em ouro em tempos de guerra ou crise. Mas a coisa foi ficando mais comum até que, no século XX, foi final.

Mas nunca houve essa percepção por parte da população de que não "precisava" de suas reservas em ouro. Pelo contrário, protestava bastante e discutia-se muito.

Sim, hoje em dia não se emite indiscriminadamente. Mas ainda assim se emite; o governo ainda usa o que se chama de política monetária, o que perturba o sistema de preços.
E pior ainda, os bancos emprestam muito além do que têm para emprestar, o que acaba causando os malfadados ciclos econômicos com os quais estamos tão acostumados...

Quanto à facilidade do transporte, isso não era problema. Era por isso mesmo que existiam depósitos à vista: paga-se para armazenar o dinheiro.

E isso em nada mudou. Entre os países o papel de cada um não vale absolutamente nada, e portanto o armazenamento e transporte de ouro ainda ocorre.

Todo dinheiro que não é um bem com valor além do fato de servir como meio de troca é uma construção puramente artificial e ilusória, fadada a perder seu valor até que ninguém mais o aceite.

Anônimo disse...

OI Joel, anos passado tive uma aula sobre isso e é curioso perceber, por exemplo, que as notas de 20 valem mais do que as de um real porque acreditamos nisso, pois não existe nas notas nada que lhe agregue esse valor.

No mais, eu ia postar aqui o que achei sobre seu artigo, mas ví o lego falando sobre processo histórico e fiquei surpresa! =D
Não entendí muito bem o seu comentário à resposta dele... Mas acho que a única coisa que posso acrescentar é que logo na sua primeira frase do artigo faz parecer que o homem realiza trocas desde que passou a existir e não é bem assim. Como o lego falou, a natureza não dá saltos, existe o tal do processo histórico!
Já houve uma época em que se o dono do machado quisesse uma cesta de frustas ele ia lá e plantava, produzia o seu próprio alimento.
Um beijo! =***

Joel Pinheiro disse...

O homem nunca viveu isolado, Sonja.

Mas isso também não importa.
O que importa é que os homens estão melhores trocando entre si do que não.
Se você tivesse que produzir tudo o que consome, não teria nem 1/1000 das coisas que você tem, e assim com todo mundo. E é por isso que as pessoas não abandonam a sociedade para viver como heremitas.

Anônimo disse...

Com certeza. E se eu tivesse que produzir computadores, cadernos, roupas e tudo mais que a vida moderna me proporciona, certamente eu não viveria. Mas o homem em sociedades antigas e mesmo o medievo não eram como nós, certo? As cidades não existiam. Eram distantes, os meios de transporte e comunicação não eram desenvolvidos, o consumo de produtos e bens não eram como o de hoje em dia...
Não estou dizendo que os homem não viviam em sociedades, pq somos essencialmente sociais. Mas que as sociedades de outrora não eram como a nossa!
Mas isso não invalida o que vc propõe no seu artigo. =D
No mais, pq vcs não escrevem sobre atualidade? Questões e fatos do cotidiano... Dai sai um pouco desses textos que parecem acadêmicos e se posiciona sobre questões que estão nas capas dos jornais, nos noticiários da tv...
Seria interessante ver o que vcs tem a dizer sobre, por exemplo, a questão da redução da maioridade penal. Como não estou podendo mais frequentar o site como antes, pode ser que já tenha escrito algo, mas é só uma sugestão!
Bjus

Leo Monasterio disse...

"...todos aqueles preocupados em formar uma sociedade mais justa e próspera deveriam denunciar a fraude do padrão fiduciário e defender o retorno ao padrão-ouro."

Pergunta: quando vigorava o padrão-ouro quão próspero e justo era o mundo?

André disse...

Resposta do Leonardo: em primeiro lugar, sua colocação da "justiça" mundial me parece um tanto materialista e marxista; se assim for, graças a Deus naquela época o marxismo era inexistente. Finalmente, o mundo era próspero sim, tão próspero que o desenvolvimento dos séculos XIII, XIV e XV culminou nas explorações ultramarinas do século XVI. Infelizmente, ao mesmo tempo que ocorriam esses grandes acontecimentos, crescia o absolutismo monárquio e tomava forma o mercantilismo, o que decididamente contribuiu para destruir os bons frutos que todo o progresso daquele tempo poderia ter proporcionado.

Leo Monasterio disse...

Andre, meu querido, eu só falei de "próspero e justo" porque isso estava no post original! Pô, tomei até o cuidado de reproduzir entre aspas...Relaxa, moço, eu nunca fui marxista (talvez no verão de 87, mas isso é outro assunto).
Voltando ao mundo real, vocês realmente acham que o Estado foi melhor com padrão-ouro? O que afinal os espanhóis vieram fazer na ALatina, hem?
André, sugiro que você dê uma olhadinha em um livro de história econômica para rever a tua visão sobre prosperidade no mundo. (Sugiro Angus Maddison "Ehe World Economy: a millenial perspective").

Voltando ao assunto, mesmo não sendo especialista em economia monetária, eu tendo a ser a favor de free-banking. Ler o que Hayek escreveu sobre o tema é uma ótima pedida.
Espero ter tenho sido útil.Abraços,

Joel Pinheiro disse...

Leonardo, na sua pergunta fica implícita uma falácia.

Quão próspero era o mundo na época do padrão-ouro?
Certamente era menos rico que hoje em dia.
Na verdade, se fôssemos mais longe, veríamos que foi a criação de riqueza daquela época que permitiu que a humanidade chegasse ao nível de riqueza material atual.

Em todo caso, correlação não implica causalidade.
Sim, hoje em dia, sem padrão-ouro, o mundo é mais rico do que era no passado, com padrão-ouro.
O que isso prova? Nada.

Eu poderia dizer que foi a bomba atômica que trouxe a riqueza para muitos países.
Afinal de contas, a maioria dos países era mais pobre até os anos 40, sem bomba atômica, do que é hoje em dia, com bomba atômica.

Mas ninguém seriamente acredita que a invenção da bomba atômica tenha enriquecido a população mundial.

O que tentei fazer em meu texto é mostrar que o padrão-fiduciário é desnecessário e nocivo, e que é instituído para beneficiar os governos às custas das sociedades.

Quanto ao pensamento de Hayek: não posso falar com conhecimento sobre ele, a não ser muito superficialmente.
Sou a favor do free banking? Sim, desde que seja de fato livre. Ou seja, nada de banco central para garantir liquidez para ninguém.

Como mostrou Ludwig Von Mises, se houvesse livre concorrência entre os bancos, não haveria incentivos para eles emprestarem seus depósitos à vista, pois assim que uma nota de um banco caísse em outro, esse outro banco iria querer resgatar o dinheiro do banco original.

Na prática, o livre mercado leva ao padrão-ouro (ou, se houver algum bem mais indicado para a função de dinheiro, esse outro bem). Sobre se devemos ter uma lei que exija 100% de compulsório ou não é uma questão menor.

Leo Monasterio disse...

Caro Joel,

Nao precisa ficar buscando falacias no meu raciocinio. Afinal foi voce quem veio com essa relacao tortuosa entre padrao-ouro, justica e prosperidade.

O imposto inflacionario, como lembrou o Werther, nao eh mais uma forma relevante do Estado extrair recursos dos individuos. O estado agora tem sistemas tributarios bem desenvolvidos, ora. Eh uma tremenda inocência achar que a regressão ao padrão-ouro melhoraria em algo o mundo.

Sugiro mesmo que vc leia menos o von mises e mais Hayek ou Friedman. Aih vc vera o quanto anacronica e eh a sugestao de padrao-ouro.

Um abraco,

André disse...

Leonardo, devolvo a recomendação para calma, pois continuo tão calmo como antes do comentário anterior. Foi apenas uma observação, e ainda tomei o cuidado de condicionar a minha observação, justamente porque não tinha certeza. O fato de você ter feito uma citação não me disse nada, pois muitas vezes fazemos citações justamente para negar o autor, evidenciando uma possível contradição dele.

Quanto a "rever a minha visão sobre prosperidade" através da "história econômica", digo que isso de nada adianta para os séculos de XIII a XVI. A grande motivação para a colonização da América foi religiosa, até mesmo porque a exploração econômica era duvidosa e extremamente custosa.

O que impulsionou os europeus em geral para arriscarem demasiadamente na América foram as almas dos nativos, a possibilidade de conversão deles ao cristianismo. Porém, toda empresa humana sofre corrupção, em variados níveis, e a colonização não foi diferente.

É claro que os exploradores procuravam lucros, e não há nada de errado nisso, tendo em vista os altos riscos que aceitavam correr. Isso sempre foi assim e sempre foi bom que fosse assim. A novidade era o desejo do lucro em si mesmo; uma novidade mercantilista.

O mercantilismo corrompeu o elo entre economia e moral que a Igreja havia edificado e mantido durante toda a Idade Média.

Aliado ao absolutismo monárquico, o mercantilismo foi um dos pilares da sociedade moderna e a conduziram ao capitalismo desenfreado, sem limites morais e voltado a si mesmo.

O papel-moeda é mais uma forma de dominação que o Estado, predador e absolutista, que se vê como fim de si mesmo, exerce sobre os cidadãos para melhor controlá-los e manter essa dominação ao longo do tempo. Isso já não é ruim o bastante?

Joel Pinheiro disse...

Leonardo, o problema principal do padrão-fiduciário não é o imposto inflacionário. É a expansão da oferta de moeda por meio do crédito artificialmente baixo.

Sim, seu raciocínio anterior era falacioso, e agora você adotou um novo que não o é. No entanto, ele parte de premissas erradas: que, uma vez que o governo não mais arrecada muito com o imposto inflacionário, o padrão-fiduciário já não tem nenhum grande efeito prático negativo.
Mas isso é falso. E a oposição de Mises ao padrão-fiduciário e a todo aparato de controle central da moeda era exatamente para acabar ou ao menos conter a reserva-fracional dos bancos.
É esse processo de barateamento artificial do crédito, causado pelo aumento da oferta de moeda, que causa os infames ciclos econômicos.

Você me recomenda que leia Friedman. Ora, Friedman concordaria em parte com o que venho dizendo (que não são idéias minhas, por sinal). Ele também era contrário à existência de política monetária propriamente dita.
No entanto, ele via uma certa estabilidade de preços como um objetivo a ser alcançado. Assim, a oferta de moeda deveria estar em constante expansão para compensar o aumento do produto (e nada além disso), e assim manter os preços constantes.

Leo Monasterio disse...

Joel,

Friedman era um opositor ferrenho do padrão-ouro.

André,
Desculpe, mas não tem como ter diálogo.

Com isso, me voy para nao voltar mais. Boa sorte nos estudos de Economia de voces.
Abracos,

Joel Pinheiro disse...

Para os (possíveis) leitores do blog: sim, Friedman era opositor do padrão-ouro, mas sua própria proposta monetária tinha como objetivo a segurança e confiabilidade econômica que, segundo outros autores, nos quais me baseio (mais notadamente Ludwig Von Mises), era alcançada mais eficazmente pelo padrão-ouro.

A grande diferença é que para ele o sistema monetário deve garantir estabilidade de preços, e para esse fim justificava um aumento da oferta de moeda conforme crescia o produto.