domingo, novembro 26, 2006

Trocando vidas por sexo...

Continuando a análise de trabalhos relevantes sobre temas polêmicos, buscarei apresentar o resultado e o argumento central do estudo realizado por J. Donohue III e S. Levitt, em maio de 2001, no artigo "The Impact of Legalized Abortion on Crime". Para isso, complementarei o modelo da teria econômica do crime que utilizamos em posts anteriores.

Como vimos, a decisão de um indivíduo de realizar um crime é semelhante à de realizar um investimento, ele buscará maximizar os retornos futuros esperados dos seus atos considerando o risco envolvido e uma certa restrição moral. Basicamente, estará pensando nos ganhos esperados menos a probabilidade de ser pego e condenado que multiplica a punição esperada. Todos estes fatores são funções da gravidade do crime, isto é, quanto maior a gravidade, maiores os ganhos esperados, as chances de ser pego e condenado e a punição.

No momento da escolha o agente trará estas expectativas futuras a valores presentes, descontando os fatores por uma taxa que seria capaz de representar o seu grau de imediatismo ou inconseqüêncialismo. Criminosos, curiosamente, tendem a utilizar uma taxa maior para a punição, fazendo com que seu peso no momento da decisão seja subestimado. Assim, o crime poderia ser inibido com um aumento nas chances do indivíduo ser capturado, na eficácia investigativa, na severidade do castigo, na restrição ética (educação) ou então reduzindo o imediatismo, que é uma cegueira temporária capaz de obnubilar a moral.

Diversas evidências de que a legalização da prática do aborto contribuiu significativamente para a redução da criminalidade nos Estados Unidos, são apresentadas no artigo de Donohue e Levitt. Uma drástica redução nos crimes foi observada nos estados que legalizaram o aborto, cerca de duas décadas após a medida. O estudo mostra, estatisticamente, que metade desta redução pode ser atribuída à legalização.

Os autores apresentam explicações à idéia de que jovens nascidos após a legalização, em média, seriam menos propensos ao crime. Estas crianças não teriam crescido cercadas por condições desfavoráveis à formação ética e moral, não nutririam um sentimento de rejeição e não seriam criadas por mães muito jovens, solteiras, pobres e que utilizassem drogas, durante e após o parto. O aborto teria possibilitado um controle, um instrumento, para a escolha do momento ótimo para a gravidez, que seria determinado pela idade, educação e renda da mulher.

De acordo com o paper, a legalização do aborto teria feito com que pais que não desejassem seus já concebidos filhos, pudessem se livrar deles de uma forma legítima e, assim, não acabassem criando, com negligência, as futuras crianças. Deste modo, o número de jovens com traumas, distúrbios psicológicos, vícios e demais mazelas teria se reduzido significativamente no período analisado. Como os indivíduos com este tipo de perfil seriam os mais propensos ao crime, por preferirem, de uma forma desmedida, o agora ao futuro e serem incapazes de respeitar os princípios da honestidade e do pudor, a legalização teria diminuído esta problemática turba eliminando os potenciais imediatistas devassos.

Como descrita pelos autores, a análise feita é positiva e não normativa. Deste modo, o estudo não se preocupa com a questão das implicações éticas e morais do aborto. É certo que a legalização do aborto tenha criado uma opção segura às mães, que não estivessem preparadas para a formação de uma criança, de postergar o fardo da criação e evitado que jovens, desvirtuados e potencialmente perigosos à sociedade, viessem a existir. O problema é a omissão de que, num segundo momento, uma sociedade impulsiva, promíscua e irresponsável possa estar sendo formada, que despreza o valor da vida e não se importa com as consequências de seus atos. Na busca pela eliminação de imediatistas, novos inconsequentes podem estar sendo criados. Indivíduos formados deste modo sempre buscarão meios para consertarem seus erros, independentemente dos custos, e não para evitá-los. Poderão chegar a trocas mais absurdas do que a do sexo sem proteção pela vida de um (futuro) ser humano.

10 comentários:

Luiz Felipe Amaral disse...

Dois detalhes:

1) "De acordo com o paper, a legalização do aborto teria feito com que pais que não desejassem seus já concebidos filhos, pudessem se livrar deles de uma forma legítima(...)"

Eu tenho que ressaltar que a legalização do aborto não o legitima.

2) Na hora de ponderar entre os benefícios e os custos da legalização do aborto, Brunno, você (muito bem, aliás) colocou como custo uma possível sociedade irresponsável, sem valor pela vida que se formaria. É, de fato, uma possibilidade. Mas o custo de proposta é muito mais imediato. Basta se perguntar quantos abortos devem ser feitos hoje para impedir quantos crimes no futuro? Eu não fiz as contas, mas creio que o número de abortos é maior.

Fica claro, se minha suspeição estiver correta, que a proposta da legalização do aborto só traz benefício social quando se tem uma visão muito "água com açúcar" do aborto.

Joel Pinheiro disse...

Faltou equacionar o aumento muito grande no número de assassinatos quando o aborto é legalizado. Pois cada aborto mata o bebê ainda no útero.

Luiz Felipe Amaral disse...

É justamente esse o meu ponto, Joel. A proposta só diminui o número de assassinatos quando o aborto é visto como algo diferente do assassinato.

E Brunno, tente usar como sinônimos palavras que são sinônimos. É uma dica, hehe.

Anônimo disse...

Luiz,
O Brunno está certo com relação ao uso da palavra legítimo.

Legítimo:
1. Conforme a lei; legal
2. Fundado no direito, na razão ou na justiça
3. Que tem origem na lei, ou está protegido por ela
4. Autêntico, genuíno, lídimo
5. Lógico, procedente, concludente

(Definição extraída do Dicionário Folha/Aurélio)

Luiz Felipe Amaral disse...

Ensinemos escrita para as pessoas.

Textos diferentes têm propósitos diferentes, elucidados pela preponderância de algumas das funções da linguagem neles presentes. No texto poético, naturalmente, preponderará a a função poética, serão explorados os jogos de palávra, as figuras de linguagem e os diversos sentidos que têm os mesmos vocábulos.

No texto persuasivo, de convencimento, é situação é diversa. Para que se convença o leitor não se pode admitir ambiguidade no texto. E exatamente nesse ponto falhou nosso colega Brunno (com dois "enes"). Não há indicação nenhuma que a palávra "legítima" esteja sendo usada em alguma das suas três primeiras assepções.

Por fim, é mister lembrá-los que não existem sinônimos perfeitos. Por mais que Felipe Roitman Rothcild e Goiabão se refiram a mesma pessoa, essas palávras não são perfeitamente intercambiáveis. Coisa simples, aula de primeiro colegial.

Luiz Felipe Amaral disse...
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Anônimo disse...

Nossa Luiz!! Quanta novidade! Ja pensou em dar alguns cursos?? Hehehe! (acho que ja usei essa...)

E mancada o "goiabao"! Ele so estava mostrando que a palavra tbm tem aquele significado.

Abracos, meu querido amigo poodle-toy!

Luiz Felipe Amaral disse...

Argumentos, por favor.

Anônimo disse...

Brunno, não concordo plenamente com a idéia de o criminoso ser um indivíduo racional, que calcula dessa forma seus atos, como você descreveu. Uma série de estudos mostra (nem precisa ser estudos tão aprofundados, uma revista Veja já mostrou isso) que a maioria dos homicídios em São Paulo, por exemplo, são por motivos "fúteis". Uma briga entre duas pessoas que, momentos antes do assassinato, jogavam sinuca em um bar e eram amigas de longa data; alguém que estava andando com a camisa de um time e leva um tiro de um torcedor de outro; acerto de contas pelo fato de um ter mexido com uma mulher casada...
Os homicídios por latrocínio, no qual poderíamos pensar que o criminoso realmente poderia fazer um cálculo de quanto ele vai roubar para justificar o risco que corre são muitos, mas não os únicos. Mesmo assim, acho um pouco simplista fazer essa afirmação de que tudo é um cálculo racional, pois mesmo os criminosos vivem em sociedade e as relações sociais tecidas em seu interior não são calculadas matematicamente, elas têm valores, paixões, raivas irracionais contra grupos minoritários...
Se pensarmos apenas em cálculos, fenômenos como os genocídios ficam completamente obscurecidos. Qual foi o cálculo que Saddam fez ao matar milhares de Curdos? E de Hitler? Não me parece que esses genocídios tenham origem apenas em cálculos matemáticos.
Outro ponto. Seu próprio post, Brunno, ao fim e ao cabo, está defendendo um valor: a não legalização do aborto. Ou seja, se você fosse a todo momento racional e fizesse suas escolhas levando em conta apenas os números, você poderia ter contestado o artigo comentado apenas pelo modo como os autores analisaram as estatísticas e nunca partindo da premissa de que o aborto é antiético ou pouco moral.
Além disso, no caso brasileiro o aborto é uma realidade. Ocorrem muitos abortos, mesmo que ele sendo ilegal. O problema é que, as famílias com dinheiro pagam uma clinica particular e o fazem sem muitos riscos para a mãe. Já aquelas que não têm dinheiro acabam ou tentando fazer elas mesmas (há casos em que até agulha de crochê é utilizada como instrumento cirúrgico) ou pagam para pessoas não qualificadas em ambientes inadequados para que o aborto seja feito.
A discussão do aborto, portanto, tem no mínimo dois aspectos. 1) se é moralmente aceitável ou não. 2) Já que ele é feito em todas as classes sociais, por que as mulheres pobres devem correr o risco de morte e as mais ricas não? Isso é moralmente aceitável? Como resolver? Estas questões envolvem valores compartilhados socialmente e não apenas indivíduos encerrados em si mesmos, dotados de uma racionalidade matemática.

Joel Pinheiro disse...

Assassinatos são proibidos, mas ocorrem assim mesmo.
Quem é rico pode contratar um assassino profissional com alta chance de sucesso e assim ficar de mãos limpas.

Por outro lado, os pobres que querem matar outra pessoa são obrigados a usar armas muitas vezes precárias e ainda correm o risco de ser mortos pela vítima que se defende ou ainda presos pela polícia.

Nada disso dá razão nenhuma para se legalizar o homicídio.

Assim, fica claro que o que deve ser discutido mesmo é se o aborto é imoral ou não, e em nada importa se os pobres cometem abortos com mais ou menos risco do que os ricos.