A alma é, hoje em dia, vista exclusivamente como objeto da religião. E sem dúvida a religião tem muito a dizer sobre ela. No entanto, poucos sabem que, tradicionalmente, a alma era objeto da filosofia.
Platão e Aristóteles pensaram e escreveram exaustivamente sobre o tema. No final das contas, a visão platônica acabou dominando o imaginário popular. Se imaginamos a alma como um fantasma, ou como um “eu” que controla o corpo assim como um motorista guia um carro, é a concepção platônica que temos em mente. E é natural que uma pessoa, ao ouvir falar desse conceito de alma como fantasma que vive no corpo, se pergunte “que evidências temos de que tal coisa exista?”; e que, na falta de tais evidências (que de fato não existem), acabe por concluir que a alma não exista.
Totalmente diferente é a concepção aristotélica. Segundo ela, a alma é o princípio vital do ser vivo. Mas o que isso quer dizer? Melhor do que tentar explicar em termos abstratos é mostrar concretamente, para que do caso concreto cheguemos ao conceito geral.
Um ser vivo unicelular e um coacervado (entidade não-viva mais próxima do ser vivo) têm muitas semelhanças. Ambos são constituídos por um conjunto de componentes que desempenham certas atividades; mas qual a diferença entre os dois? No coacervado todos os componentes se comportam de forma caótica, enquanto que no ser vivo todos eles são ordenados ao mesmo fim: a sobrevivência do indivíduo e a preservação da espécie. Esse ordenamento interno é a vida do ser. Ele não é causado por nada material (não é nem um corpo nem uma energia); necessita, portanto, de um princípio distinto da matéria que faz do indivíduo um todo organizado. Esse princípio ordenador, ou princípio vital, é a alma.
Todo ser vivo, portanto, tem alma, que é a responsável por sua organização. E essa atividade ordenadora da alma manifesta-se em diversas funções. Nos seres mais simples, elas se resumem apenas à nutrição, metabolismo, crescimento e reprodução (é o caso das plantas). Os animais, por sua vez, têm sentidos, movimento próprio (auto-iniciado), memória. Mas notem que todas essas variadas atividades dependem necessariamente da matéria: sem olho não pode haver visão, e tampouco pode haver movimento sem um corpo que se move.
O ser humano é ele também um animal. Mas sua alma possui uma atividade que lhe é única: a razão, ou seja, a capacidade de especulação, de raciocínio, de abstração. Não somos, portanto, um fantasma preso à matéria; somos o próprio composto de alma e corpo: um corpo vivo, sensível e pensante. Corpo e alma estão intimamente ligados, de modo que um está constantemente agindo sobre o outro, mas são, ainda assim, princípios distintos.
A alma humana sem corpo é um ser incompleto. Não somos intelectos etéreos que habitam um corpo temporariamente, e tampouco somos animais de existência puramente material. Somos animais racionais, capazes de pensar racionalmente, de forma abstrata, e de escolher nossas ações (ainda que essa decisão sofra todo tipo de influência corpórea não-racional). Tendo feito essa breve incursão filosófica, não parece mais tão estranha a crença cristã de que, ao final dos tempos, terá lugar a ressurreição da carne, na qual todas as almas serão re-unidas aos seus corpos. Só assim pode o homem existir plenamente enquanto tal.
Platão e Aristóteles pensaram e escreveram exaustivamente sobre o tema. No final das contas, a visão platônica acabou dominando o imaginário popular. Se imaginamos a alma como um fantasma, ou como um “eu” que controla o corpo assim como um motorista guia um carro, é a concepção platônica que temos em mente. E é natural que uma pessoa, ao ouvir falar desse conceito de alma como fantasma que vive no corpo, se pergunte “que evidências temos de que tal coisa exista?”; e que, na falta de tais evidências (que de fato não existem), acabe por concluir que a alma não exista.
Totalmente diferente é a concepção aristotélica. Segundo ela, a alma é o princípio vital do ser vivo. Mas o que isso quer dizer? Melhor do que tentar explicar em termos abstratos é mostrar concretamente, para que do caso concreto cheguemos ao conceito geral.
Um ser vivo unicelular e um coacervado (entidade não-viva mais próxima do ser vivo) têm muitas semelhanças. Ambos são constituídos por um conjunto de componentes que desempenham certas atividades; mas qual a diferença entre os dois? No coacervado todos os componentes se comportam de forma caótica, enquanto que no ser vivo todos eles são ordenados ao mesmo fim: a sobrevivência do indivíduo e a preservação da espécie. Esse ordenamento interno é a vida do ser. Ele não é causado por nada material (não é nem um corpo nem uma energia); necessita, portanto, de um princípio distinto da matéria que faz do indivíduo um todo organizado. Esse princípio ordenador, ou princípio vital, é a alma.
Todo ser vivo, portanto, tem alma, que é a responsável por sua organização. E essa atividade ordenadora da alma manifesta-se em diversas funções. Nos seres mais simples, elas se resumem apenas à nutrição, metabolismo, crescimento e reprodução (é o caso das plantas). Os animais, por sua vez, têm sentidos, movimento próprio (auto-iniciado), memória. Mas notem que todas essas variadas atividades dependem necessariamente da matéria: sem olho não pode haver visão, e tampouco pode haver movimento sem um corpo que se move.
O ser humano é ele também um animal. Mas sua alma possui uma atividade que lhe é única: a razão, ou seja, a capacidade de especulação, de raciocínio, de abstração. Não somos, portanto, um fantasma preso à matéria; somos o próprio composto de alma e corpo: um corpo vivo, sensível e pensante. Corpo e alma estão intimamente ligados, de modo que um está constantemente agindo sobre o outro, mas são, ainda assim, princípios distintos.
A alma humana sem corpo é um ser incompleto. Não somos intelectos etéreos que habitam um corpo temporariamente, e tampouco somos animais de existência puramente material. Somos animais racionais, capazes de pensar racionalmente, de forma abstrata, e de escolher nossas ações (ainda que essa decisão sofra todo tipo de influência corpórea não-racional). Tendo feito essa breve incursão filosófica, não parece mais tão estranha a crença cristã de que, ao final dos tempos, terá lugar a ressurreição da carne, na qual todas as almas serão re-unidas aos seus corpos. Só assim pode o homem existir plenamente enquanto tal.
6 comentários:
Muito bom texto. De uma clareza e lucidez incoparáveis.
Gostei do texto, Joel. É uma linha argumentativa interessante.
Concordo plenamente com o começo, mas não "comprei" muito a idéia de que o ser humano seja completo somente se possuir alma e corpo.
Por exemplo, você afirma que sem olho não há visão, e que sem corpo não há movimento. Posso estar enganado, mas a própria doutrina católica atribui sentidos à alma, não? Afinal, como poderiam as almas condenadas aos suplícios do inferno sofrerem de fato seus castigos se não sentissem nada? Ou elas só podem chegar ao inferno após o fim dos tempos, quando estiverem reunidas aos seus corpos?
Em suma, embora tenha entendido o nexo entre corpo e alma, a maneira como se relacionam e como um afeta o outro, não consegui enxergar a necessidade de ambos para a completude do ser humano.
O que sobra da alma sem o corpo?
Vejamos primeiro no caso de um ser vivo simples, como a planta:
bom, sem o corpo da planta, a alma não terá como desempenhar as atividades de nutrição, crescimento, reprodução, etc.
Em suma, todas as atividades da alma cessarão. A própria alma, portanto, não mais existirá.
No caso do homem é diferente.
O homem tem uma atividade de sua alma que, apesar de usar o corpo aqui nessa vida, não depende necessariamente dele: é a própria razão, nosso intelecto que pensa abstratamente.
Claro que todos os nossos pensamentos aqui em vida baseiam-se de uma forma ou outra no que os sentidos apreendem e a memória guarda. E, portanto, danificando-se essa base física dos nossos pensamentos, danifica-se também o nosso próprio pensamento.
Mas a atividade de pensamento abstrato, em si mesma, independe da matéria. Não há nenhuma conexão necessária entre ela e algum componente físico do corpo.
Por isso, a alma humana não deixa de existir quando se separa do corpo. Ela continua a existir e preserva as características que a haviam individuado durante sua existência corpórea.
Assim que a pessoa morre sua alma vai para seu destino eterno (Inferno ou Céu ou temporariamente Purgatório e depois Céu).
Se a alma for para o Inferno, ainda não sofrerá nenhuma punição física, mas apenas espiritual, pois é seu espírito que estará lá.
E aqui preciso fazer duas explicações: a primeira é que a natureza das punições no Inferno não é definida pela Igreja, e portanto há espaço para especulação, e a segunda é que essas punições podem perfeitamente consistir apenas nas conseqüências diretas da escolha do indivíduo de rejeitar a Deus em vista de um bem menor, ou seja, que não necessariamente há uma causa extrínsica da dor daquelas almas no inferno.
Me parece que a dificuldade aí é encontrar onde se divide a alma e o corpo. Aristóteles era um filósofo mais... científico que Platão. Sempre que eu vejo ele recorrendo à metafísica, encontramos um ponto onde ele mesmo não consegue realmente explicar cientificamente o evento. O que a ciência, ao meu ver, colocou, ao invés da alma do primeiro ser vivo unicelular, foi o simples acaso darwiniano. Ou seja, um desses coacervados, ao acaso, encontrou e integrou em si mesmo uma partícula de ácido nucleico que permitiu sua reprodução/organização. Assim, seria o acaso, e não a alma que organizou esse nosso distante ancestral.
Voltando à questão que coloquei no início, como saber se faz parte da alma do ser humano a razão? Como saber se, na verdade, todos os seres vivos não têm almas idênticas ou equivalentes, e que a única diferença no caso do ser humano, é o cérebro? Se a resposta for "porque a alma é que organiza o corpo, e, assim, o cérebro"; me parece que a ciência já tem uma alternativa a isso, que são os próprios ácidos nucleicos, príon, etc... Além, é claro, do próprio acaso (apesar de que, às vezes, também me parece que o acaso é para a ciência o que a alma era para Aristóteles: uma forma de explicar aquilo que se não entende ou que não se tem certeza).
Boas indagações, Gillon.
Não poderia a vida ser obra do acaso?
Não. Podemos atribuir ao acaso movimentos que foram de um jeito mas poderiam ser de outro, mas não uma organização que coordena o movimento de diversas coisas de forma que elas formem um todo coeso.
E é isso que acontece no ser vivo.
Os seres vivos não são como engrenagens que, uma vez acionado uma roda, todas as outras giram de acordo; são muito mais próximos de um sistema retoralimentativo que precisa de todas as suas partes funcionando conjuntamente e em equilíbrio. Se esse equilíbrio, essa ordem, é quebrado, e uma das partes age mais ou menos do que deveria, o ser vivo rapidamente morre.
E uma vez morto, ou seja, uma vez que a alma deixa de agir sobre o corpo, ele também deixa de ser corpo; perde sua unidade interna, virando um amontoado de matéria que logo se decompôe e fragmenta.
Obviamente a realidade é mais complexa do que o que acabei de descrever, com muito mais nuances e passagens graduais do que rupturas precisas e absolutas. Mas, além da variedade dos eventos individuais, é essa regularidade, essa ordem, que se consegue inteligir.
E uma possibilidade teórica: pode ser que não exista ordem alguma, e que essa regularidade observada não passe de uma conjunção ocasional de eventos randômicos? Afinal, é possível (improvável, mas possível) que macacos digitando em máquinas de escrever datilografem a obra completa de Shakespeare.
Ainda que beirando o absurdo, seria possível sustentar isso para as formas de vida que não nós mesmos. Mas para nós mesmos mesmo esse argumento é inaceitável, pois temos confirmação direta que nossas ações não são obra do acaso; ou seja, escolhemos com base em nossas preferências, pensamos e chegamos a conclusões, etc.
Brunno:
-sobre se a mente pode ser apenas o resultado do funcionamento do cérebro, ou de algum outro fator físico, peço que aguarde o meu próximo texto, que será exatamente sobre isso.
-sobre como se deu a "evolução das almas", respondo que ela não se deu. Sua indagação já capta uma verdade profunda: parece estranho falar de uma alma virando outro tipo de alma.
Ou seja, se é que ocorreu de fato a evolução das espécies, a passagem de não-vida para vida, de vida vegetativa para sensitiva, e de sensitiva para racional não podem ser explicadas por qualquer mecanismo de seleção natural, dado que essas almas operam em níveis ontologicamente distintos.
É possível imaginar (não quer dizer que tenha ocorrido de fato) que após muitas mutações favoráveis uma população de animais passe a ter asas e voar. Nesse caso, apesar de as funções dos organismos terem mudado, não apareceu nada que requeira um grau de organização superior à própria alma do animal; são todos desdobramentos do movimento auto-iniciado.
Mas para uma planta se tornar um animal, ou para um animal irracional se tornar racional, temos aí um salto impossível, pois envolve adicionar à alma potencialidades que superam aquelas que ela já tem. É subir um degrau na escala da ordem.
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