terça-feira, julho 06, 2010

Meditações Futebolísticas

Um dia negro foi a sexta passada nesta maldita Jabulândia. Queria ver bandeiras a meio-pau, roupas pretas e luto público; revolta popular e banho de sangue cairiam bem. Os jogadores que voltam para casa são desertores vergonhosos, culpados de alta traição; já para o pelotão! Minha geração nunca tinha passado por duas derrotas seguidas na Copa; é desumano. Naqueles últimos minutos... ah, os últimos minutos! No peito, o desejo de estourar uma bomba e estragar o dia de alguém. Calma. Respire fundo e conte até dez. Quase que a alma vai embora junto do hexa.

O que tem o futebol que mexe assim com os ânimos? Há o gosto universal pela competição e pela adesão a um grupo, claro. Mas por que o futebol e não outro esporte? Algumas características o distinguem. É um jogo de times (representam algo maior do que um indivíduo, como um tenista, que só muito secundariamente representa seu país), dinâmico, barato de jogar, estratégico mas com espaço para o talento individual. Acho que o aspecto essencial, contudo, é que pontuar é difícil. Um gol no futebol vale muito mais que uma cesta no basquete ou um ponto no vôlei. Nesses, a não ser que seja no momento da decisão, pouco importa uma pontuada, e por isso o jogo é menos empolgante. No futebol, há muito menos pontos, mas a possibilidade do gol sempre existe, o que cria uma tensão permanente. Um gol muda tudo, e por isso a explosão de alegria (ou ódio, ou frustração) quando acontece. Uma consequência disso é a possibilidade real da zebra: pequenos deslizes aqui ou ali dão a vitória ao time mais fraco; um gol na hora errada desmoraliza uma equipe forte e bota tudo a perder. A garra e a raça importam tanto quanto o talento, a estratégia e a técnica. O único que pode concorrer com o futebol em matéria de espetáculo público é o futebol americano - a tática amarradíssima e o mérito individual extraordinário na corrida rumo ao triunfo que é o touchdown; um jogo de gigantes. Mas o alto custo é um grande obstáculo a sua universalização.

Só consigo torcer de verdade na Copa. Cada seleção representa uma história, uma cultura, um povo, uma raça. Cada povo coloca ali os seus melhores para um duelo altivo, orgulhoso, uma verdadeira guerra patriótica onde nada menos que a honra de nações inteiras está em jogo. Claro que essa bela ilusão só perdura enquanto olhamos de longe. Chegando perto, que diferença! Quem são os franceses da França? E os alemães da Alemanha? E, mais grave, que tipo de gente compõe essa aristocracia esportiva? Olhem a cara de um Rooney e digam se ele aparenta qualquer traço de civilidade. De hedonismo troglodita talvez? A gota d’água é a glorificação das imagens dos craques nas campanhas publicitárias, na FIFA e na ONU. Beckham, Zidane, Ronaldo, astros Nike e Pepsi, modelos da juventude, nossos heróis; pose, atitude, aparência, mediocridade; a essência do marketing. A maioria deles nem sequer leva o país a sério, dando mais valor aos contratos com os times comerciais. Se Kaká se quebra na Copa, adeus Real Madrid.

O que me traz ao tema insondável da relação do torcedor com seu time, que não se associa a nenhuma população ou a o quer que seja. O que leva um paulistano a ser são-paulino, corintiano ou palmeirense? Os jogadores de cada time não obedecem a nenhum critério de origem; não há divisão por bairro, por etnia, por profissão, por nada. No passado, o Palmeiras era um time da imigração italiana; fazia todo sentido, então, que o descendente de italianos fosse palmeirense. Hoje ninguém representa nada. Quem ontem era de um time hoje é de outro. São só camisetas coloridas e publicidade. Simples assim. Quando assisto a um jogo de times, descubro para quem torço só durante a partida, o que pode inclusive mudar ao longo do jogo, tão subjetivo e aleatório é o torcer. É como escolher uma marca, Coca ou Pepsi, sem que haja refrigerante a ser provado. Prefiro Coca porque acho o gosto melhor; quem torce prefere seu time porque... o prefere; porque os pais torcem, porque os amigos torcem, porque ganhou um campeonato; nenhum motivo diretamente ligado ao torcedor. Devo admitir: sou santista - mas santista não-praticante! Se ouço dizer que o Santos vai bem, meu coração é tomado de uma leve alegria, que beira a indiferença. Há quem chore, grite, urre de alegria, brigue, mate e morra de frustração. Ou o homem é um bicho irremediavelmente esquizofrênico, ou há aí uma carência por algo maior, mais real, pelo qual sonhar, matar e morrer.

3 comentários:

Rodrigo disse...

interessante!!!

Anônimo disse...

Sobre o porquê de pessoas hoje torcerem para times sem nenhum motivo "especial", acho que isso é o mesmo que ocorre com outros elementos da cultura: as pessoas, geração após geração, simplesmente copiam o que os demais fazem.

Claro, inicialmente as coisas surgem, sim, por algum motivo "especial", mas depois que surgem com relativa força, acabam se mantendo por si sós. Como você observou, antigamente era regra descendentes de italianos serem palmeirenses (e palmeirenses serem descendentes de italianos), porque esse time foi formado pela comunidade italiana paulista. Havia um "motivo" para isso. Com o tempo, os gerações seguintes simplesmente copiavam o amor ao clube, independente de ainda haver algum traço de italianismo em sua cultura ou mesmo genes. As práticas criam vida própria.

Joel Pinheiro disse...

É, mas isso não explica porque o amor por um time é algo tão pessoal e forte. Não é a mera repetição de uma tradição já desenraizada. Aliás, essas têm sumido com grande facilidade de umas décadas para cá. O amor aos times acho que aumentou, com muita gente preferindo-os às seleções.

O mistério persiste...