domingo, outubro 14, 2007

Bertolt Brecht é um lixo

Sinto muito a todos que gostam dele, mas é um fato. É puro lixo. Não digo isso à toa. Ontem fui ver “Círculo de Giz Caucasiano”. Quase quatro horas perdidas (mais o horário de verão, cinco!). Não é minha primeira peça dele; já vi outras duas, que, por serem mais curtas, foram menos insuportáveis.

O grande “lance” do teatro de Brecht é fazer uma peça na qual os espectadores não se envolvam emocionalmente com a trama; assim, poderão ser observadores frios e racionais da situação apresentada. A situação consiste em relações de exploração levadas até o extremo. Por meio da ironia barata, toques de humor grosseiro, pseudo-discussões e recursos cênicos não-realistas, o espectador vê claramente o horror que se desenrola à sua frente, mas todos em cena reagem como se fosse uma relação cotidiana habitual. Sairá do teatro convencido de que a sociedade na qual ele próprio vive é sustentada sobre aquele tipo de exploração, tão bem explicitada pelo gênio de Brecht; e a vida só segue normalmente porque todos mantêm aquele mesmo cinismo dos personagens da peça.

O Círculo de Giz foge um pouco a esse modelo, pois é uma peça na qual vence o bem, a razão; é, na verdade, uma peça dentro de uma peça: depois de resolver racionalmente uma questão sobre a propriedade de uma terra, dois grupos de camponeses da URSS, para comemorar a solução pacífica, encenam essa peça, sobre uma mulher pobre, Gruxa, que, em meio a uma revolta, adota o filho bebê do governador, cuja mãe o abandonara. Depois de muito sofrer para cuidar do menino por anos, Gruxa é obrigada a ir a tribunal, pois a mãe biológica aristocrata voltou e o quer de volta.

O que é mais difícil de engolir na peça é a superficialidade dos personagens. Aliás, nem é possível chamá-los assim. São estereótipos, caricaturas de quinta categoria. A boa mulher pobre que se sacrifica pelo menino; a aristocrata desprezível; a camponesa aburguesada; o soldado valente e fiel; o príncipe ambicioso. Em uma linha: se pobres, santos; se ricos, demônios. Não poderia faltar ainda um padre debochado e aparentemente bêbado, que, apesar de sem graça, foi quem arrancou mais gargalhadas da platéia na curta cena que lhe coube (há algum motivo pelo qual piadas idiotas se tornem hilárias se feitas com a Igreja?).

A total ausência de personagens tornou o que poderia ter sido um enredo interessante em pura imbecilidade. Diferentemente do que eu esperava, não faltaram cenas de sentimentalismo meloso e barato, tentando em vão arrancar alguma lágrima da platéia; uma novela mexicana pareceria refinada em comparação. Fica claro que essa peça não passa de um panfleto ideológico das idéias de Brecht, e sua população-alvo devia ser os menos educados e incultos da sociedade; graças a Deus, o povo não está nem aí para Brecht e suas asneiras. São os intelectuais que fazem o papel vergonhoso de elevá-lo a gênio do teatro.

Já próximo do fim, delineou-se o que pareceu ser um raio de esperança. Depois da revolta na cidade, foi instaurado um juiz plebeu, Azdak, um pequeno intelectual da cidade, homem esperto, meio corrupto, mas, apesar disso, de coração bom. O novo juiz procede de forma chocante: aceita os subornos dos ricos, mas ao fim do julgamento sempre favorece a parte pobre, por mais que ela seja culpada. Um pobre é acusado de ter roubado uma vaca e um presunto; ele afirma que eles apareceram em sua casa por milagre, obra de “S. Banditus” (percebem o humor fino?). Azdak termina não só por declarar o réu inocente como pune os querelantes (ricos proprietários) por impiedade ao se negarem a aceitar o milagre. Fiquei surpreendido; não esperava de Brecht esse tipo de insight: mesmo com os pobres “no poder” (temporariamente), a injustiça continuaria a reinar, dessa vez viesada para o lado oposto.

Nada disso! Ao término da trama, após Azdak dar a guarda do menino a Gruxa, nos é revelado, com toda a seriedade e gravidade de fala conclusiva de peça, que o período no qual ele foi juiz foi para sempre lembrado como um no qual a verdadeira justiça reinou.

Viva! A justiça se fez! O menino ficou a mulher que verdadeiramente cuidou dele! A terra ficou com a população campesina que melhor cuidou dela, melhorando-a com inovações tecnológicas! Fora com os velhos conceitos burgueses de direito e propriedade! A cada um de acordo com sua habilidade! Assim termina a peça feita para ludibriar camponeses e operários; mas são apenas os intelectuais burgueses que a assistem e a consideram “genial”.

Faça um favor a você mesmo e não assista nada do Brecht. Pode ter certeza de que é muito ruim. Não é só porque uma peça é apologia do socialismo soviético que ela tem o direito de ser uma porcaria.

8 comentários:

Ruben Juliano disse...

"Não é só porque uma peça é apologia do socialismo soviético que ela tem o direito de ser uma porcaria".

Sim, Joel, acho que ambos concordamos que generalizações desse tipo não costumam funcionar.
Da mesma forma, acho que não é só porque você assistiu a três peças do Brecht e não gostou, que você tem o direito de chamar Brecht de "puro lixo". Faço questão de dizer que sou um completo ignorante em relação a Brecht, nunca assisti nada, e nunca li nada teórico dele. Mas se eu assistisse a uma peça e a detestasse, talvez eu me perguntasse se não é a adaptação que foi feita de modo simplista e babaca. Você conhece a obra do Brecht o suficiente pra vociferar com tanta segurança? Talvez você me responda algo como: "Bom, eu não preciso conhecer TUDO o que é ruim pra saber que É ruim. Eu não preciso passar fome pra saber que é ruim passar fome. Eu não preciso me tornar um alcoólatra pra saber que é ruim ser alcoólatra. Eu não preciso me atirar do telhado da minha casa pra saber que eu posso me machucar". Mas acho que estamos tratando de algo um pouco diferente, não é mesmo? A obra do Brecht não é igual a uma doença, ou a um ferimento: não basta vê-la superficialmente para concluir que é horrível. Eu acredito que o que existe de deficiente na obra do Brecht precisa ser devidamente observado e devidamente criticado. Com certeza tem muita coisa dele que você não conhece, e que você pode até gostar se algum dia vier a conhecer.

Também faço questão de dizer que eu NÃO acho que TODA generalização é ruim. Às vezes, as generalizações são necessárias, sim. Mas, com todo o respeito, Joel, a generalização que você fez aqui foi histérica e infantil. Pôxa vida, cara, você não precisava ter pegado tão pesado! Eu tenho certeza de que você consegue ser muito mais ponderado do que isso. Sem ofensa, mas o jeito histérico e categórico dessa resenha me lembrou até o estilo da VEJA (a começar pelo título): "Bertolt Brecht é um lixo"; "É puro lixo"; "caricaturas de quinta categoria"; "A total ausência de personagens" (por que TOTAL AUSÊNCIA? Personagens alegóricos também não são personagens?); "...foram menos insuportáveis"; "Faça um favor a você mesmo e não assista nada do Brecht. Pode ter certeza de que é muito ruim". Não, Joel. Eu NÃO posso ter essa certeza. Muito menos quando o conselho parte de alguém que está com os nervos à flor da pele. A desclassificação sumária e impulsiva que você fez mostra que você saiu realmente irritado. É como eu te falei: eu não conheço Brecht. Mas acho que, de maneira geral, você costuma ser agressivo e arredio em relação a temas que você desconhece. Sempre que algo te causa um estranhamento inicial, você já desclassifica tudo, já sai execrando logo de cara, em vez de tentar conhecer melhor (e insisto em dizer que assistir 3 peças do Brecht é pouco). Enfim, essa é uma impressão que eu sempre tive, desde que eu te conheço.

Vamos tentar ir com mais calma, né?! Na próxima resenha, que tal levar um pouco mais a sério o lema do seu blog, e colocar OS PÉS NO CHÃO pra valer?

Ruben Juliano disse...

Ah, e muito obrigado pelo conselho. Agora sim é que eu faço questão de conhecer a obra do Brecht e ter alguma opinião a respeito dela. Eu não sei o que se passou pela sua cabeça quando você escreveu esse artigo, mas com certeza foi uma forma muito eficiente de me fazer pensar sobre o assunto e, principalmente, de despertar em mim a curiosidade sobre Brecht.

Obrigado (e eu NÃO estou sendo irônico, caramba!) e um abraço!

Joel Pinheiro disse...

Hahaha! Pode ser.

Pode ser que as três peças que eu tenha assistido sejam exceções à regra. Pode ser que haja um tesouro escondido ali. Mas até onde cavei, só lama!

Não escrevi com os nervos à flor da pele, não; mas um dia depois da apresentação, tomando tempo para lembrar dela e observá-la com alguma distância.

Sinto muito, mas é muito ruim!

Já li um livro dele também, que não é muito melhor.

Minha linguagem hiperbólica te chocou. Ora, é claro que existem coisas boas na obra dele; não existe mal absoluto. Mesmo na pior obra de arte, mesmo num texto ruim como esse meu, algo de bom há.

Mas é indesculpável se focar apenas no pouco bom e deixar de mencionar o gigantesco e óbvio mau que existe lá, e que parece que ninguém vê.

Não fosse pela história de Brecht como propagandista da URSS, ninguém daria valor nenhum às suas peças. Todo o seu prestígio deve-se ao fato de ele ter sido patrocinado pela União Soviética, e ter, portanto, uma aura de subversivo.

Eu poderia ter escrito mais um texto "crítico" a Brecht, como tantos outros que há por aí. "Olha, parece que o texto dele hoje em dia ficou um pouco desatualizado; não envelheceu bem; ficou meio simplório."
Mas dizer isso é tapar os olhos para o fato de que é péssimo. Não está meramente "desatualizado"; isso não foi bom nem no meio do século XX, e nem o seria em qualquer outra época da história da humanidade.
Maniqueísmo do mais grosseiro, ausência de qualquer psicologia, exageros e inverossimilhanças tratados como normais; e tudo isso só para propagandear a ideologia dele.

Toda e qualquer arte que seja veículo de propaganda ideológica (seja a ideologia qual for) é ruim. É essa uma das características da arte fraca: constrói tudo para defender uma tese que o autor gosta. Falsifica a realidade em benefício da propaganda.

Os personagens da peça não são alegorias. São tentativas de personagens, mesmo; mas personagens pessimamente construídos.

Vá assistir às peças dele. Essa está em cartaz no TUSP, na Maria Antônia (atores bons; só a protagonista que me incomodou pelas caras e bocas e gestos exagerados dela). Tire a conclusão por você mesmo.

Joel Pinheiro disse...

Surfando na Internet, encontrei, curiosamente, uma opinião diametralmente oposta à minha, da mesma montagem:

http://perdidotraducao.blogspot.com/2007/09/o-crculo-de-giz-caucasiano-bertolt.html

Ruben Juliano disse...

Sim, sim, claro. Dar enfoque apenas ao que existe de bom é errado, assim como ignorar tudo o que existe de bom também é errado. O que a princípio era a resenha de UMA PEÇA do Brecht, se transformou em um insulto generalizado a toda a obra dele. Acho que os argumentos que você utilizou são pertinentes para criticar A PEÇA (eu inclusive concordo com muitos deles), mas não sustentam a tese de que Brecht é "puro lixo".

Mas enfim, que bom que vc reconhece a possibilidade de haver coisas boas no Brecht. Eu acabei me chocando com a sua linguagem hiperbólica porque é um estilo q vc utilizava mais nos primeiros dias do seu blog. Com o tempo, vc foi refinando a sua linguagem. Aí de repente, vc aparece disparando pra todos os lados, acaba assustando. Pareceu, pra mim, uma involução em relação aos seus outros textos, q estão muito bons na sua maioria. Mas enfim, nem sempre agente escreve do mesmo jeito.

E o seu texto deu a entender que se tratava de alegorias por causa dos termos que vc usou: "A boa mulher pobre", "O soldado valente", "O príncipe ambicioso", "A aristocracia", "A camponesa". Um dos conceitos de alegoria que agente aprendeu no colégio já traz os estereótipos implícitos (mas não necessariamente o maniqueísmo). Eu peguei como referência "A farsa de Inês Pereira", que, de acordo com a definição das aulas de português, usava alguns personagens alegóricos. Assim como os personagens dessa peça (ou tentativas de personagens, como vc preferir...nem vou discutir isso pq eu não vi a peça...), as alegorias da citada farsa eram representativas de um segmento social: "O burguês", "O nobre", "O sacristão" etc. É nesse sentido que eu quis dizer alegoria. Mas se houver algum erro no meu raciocínio, por favor me corrija.

Abraço,

Ruben.

Joel Pinheiro disse...

Tem razão. Errei na mão nessa crítica.

Anônimo disse...

olá joel me desculpe ,mas tenho uma opinião totalmente contrária e não grotesca como a sua faço teatro e estou participando de uma peça que Brecht escreveu , se tiver oportunidade leia mais sobre brecht para ter propriedade suficiente e sim se manifestar. BRecht tem uma ideologia fantastica se vista por vários anglos que é o o que o autor pretende passar ao espectador uma reflexão sobre o homem em si próprio enquanto vive em sociedade......bem não sou dona da verdade aceito sim as pessoas que não gostam de brecht mas acredito que você agiu com ignorância e pouco argumento ao se referir ao mesmo.

Grupo Isso e Ocio disse...

Sinto muito, mas a sua crítica é absurdamente superficial, mas na minha opinião é válida por que neste caso se fez o teatro. Você completou a obra de arte. E não gostou. Paciência. Tem quem goste. Mas o exagero está em dizer que toda a obra de Brecht é ruim. Eu li toda a obra dele e assisti algumas coisas. Tem peças que eu gosto como "Terror e miséria no III reich" e peças menos felizes como "Aquele que diz sim e aquele que diz não". Por vezes também pode ser que a encenação que você assistiu tenha sido ruim mesmo. Isso pode acontecer e acontece com mais freqüência do que gostaríamos. Enfim, só podia pegar mais leve, ou entender que parte do teatro de Brecht é panfletário mesmo. Mas, é isso. Abraço.