sexta-feira, julho 06, 2007

Os limites da ciência natural

Cada campo do saber humano tem critérios próprios, e métodos próprios, para que se alcance o conhecimento. Isso não significa que as descobertas, digamos, da química, possam contradizer as da matemática; afinal, a realidade é uma só. Significa que o modo de proceder de um matemático pode ser (e de fato é), diferente do de um químico. Se uma dessas ciências impusesse seus critérios e método sobre a outra, o conhecimento humano sairia perdendo.

Mas o que ocorre hoje em dia com as ciências é exatamente isso: os métodos de um grupo delas são tomados como os únicos capazes de se chegar à verdade em todas elas.

Os cientistas naturais adotam diversos postulados metodológicos para melhor responder à pergunta: “como o universo material funciona?”. Um deles é a negação de qualquer teoria que não faça previsões empiricamente testáveis; outro, a exclusão de qualquer apelo à finalidade nos processos naturais.

Esses postulados fazem todo o sentido. Por muito tempo a ciência natural teve seu desenvolvimento atrasado pela insistência da metafísica em explicar a natureza em termos de finalidade; assim, as pedras caíam porque tendiam para seu lugar natural e os peixes tinham brânquias para poder respirar na água. Essas explicações podem até ser verdadeiras; mas um cientista natural que as fizesse não estaria realizando seu trabalho direito. Também estaria falhando em seu trabalho se propusesse uma nova teoria que não resultasse em nenhuma previsão testável; uma teoria assim não nos daria nenhum conhecimento novo sobre o funcionamento do universo.

No entanto, é um erro universalizar esse método para todas as áreas do saber. Se antes a metafísica impôs certas barreiras ao desenvolvimento da ciência natural, hoje ocorre o inverso: as ciências naturais vêm invadindo o campo da metafísica, e não só dela: também da religião e até mesmo das ciências humanas.

Toda afirmação que não diz respeito a realidades observáveis é considerada impossível de ser racionalmente avaliada; joga-se fora grande parte da filosofia como inútil. Procura-se a finalidade do homem com os métodos da ciência natural; com tais métodos, é óbvio que nenhuma finalidade será encontrada.

O famoso cientista Richard Dawkins escreveu um livro no qual tenta refutar a existência de Deus, e por conseqüência qualquer crença religiosa. Ele procura por evidências empíricas de Deus. Comete um grande engano: tenta descobrir algo não-observável com os métodos próprios para se investigar o que é observável.

Essa crença absoluta nos métodos das ciências naturais à exclusão de todos os outros tem causado danos sérios ao saber humano. Se todo nosso saber for reduzido ao que eles nos permitem conhecer, então teremos apenas o conhecimento sobre a realidade observável; saberemos como funciona o universo, e como produzir tecnologias fantásticas. Mas será que isso basta ao ser humano? Tenho certeza que não. Nas palavras do filósofo Ludwig Wittgenstein: “Mesmo que todas as questões científicas possíveis tenham obtido resposta, nossos problemas de vida não terão sido sequer tocados”.

6 comentários:

Anônimo disse...

O texto levanta uma questão importante, no entanto devo assinalar algumas coisa:

Vc confunde teoria por hipótese. Hipótese é uma proposta qualquer para explicar algum fato observado. Se as previsões propostas da hipótese se mostrarem condizentes ela é então aceita como teoria. Em outras palavras, teoria é um conjunto de idéias válidas (através de testes ou de observações empíricas) que explicam satisfatoriamente um fenômeno natural qualquer.

Veja que para uma teoria as previsões não precisam ser necessariamente testáveis. Muitas vezes é impossível se testar algumas previsões. A título de exemplo fica a seleção natural como mecanismo de especiação. Não podemos esperar o tempo necessário para que uma espécie dê origem a outra, no entanto podemos concluir que se isso de fato ocorre deveríamos ter registro fóssil do processo. Temos tais registros fósseis e portanto a teoria é considerada válida, mesmo sem testes.

Eu não concordo que as ciências naturais estejam invadindo o campo da metafísica ou da religião. Pelo contrário, já perdi as contas de quantas novas crenças e religiões que se utilizam de teorias científicas (como a física quântica e mesmo a seleção natural) para fundamentar seus dogmas. É fato que para tal essas crenças acabam distorcendo as teorias ou omitindo partes fundamentais.

O livro citado de Dawkins não é um tratado que busca refutar Deus. Muito embora eu considere o Dawkins um tanto extremista em seu ponto de vista, existe nos EUA um movimento muito forte contra o ensino da evolução em detrimento da criação bíblica. Os defensores da criação não raro argumentam que a evolução não explica satisfatoriamente o mecanismo que dá origem a novas espécies, alegando que a criação bíblica toma este papel de forma muito mais apropriada.

Veja que para se estabelecer tal relação é preciso nivelar ambas as propostas, o que acaba dando espaço para a análise científica de Deus. Fica ai mais um exemplo em que a ciência natural tem seu espaço invadido e não o contrário, como defendido em seu texto.

Evidente que concordo com vc no sentido de que os métodos das ciências naturais não devem reinar absolutos.

A ciência não se presta a explicar tudo, nunca assumiu tal compromisso e nem seria capaz de tal feito.

Joel Pinheiro disse...

Obrigado pela correção na diferenciação entre hipóteses e teorias.

No que diz respeito à perda de espaço dos outros campos do saber para a ciência, no entanto, discordamos.
Sim, as religiões (e também a metafísica, as ciências humanas, etc) se utilizam das descobertas científicas, e isso é muito positivo.

Mas não é disso que falo.
Falo do uso indevido dos métodos (e não das teorias ou descobertas) das ciências naturais; isso ocorre quando, por exemplo, alguém exige evidências empíricas de Deus ou da alma, ou diz que afirmações acerca do que não pode ser observado não podem ser racionalmente avaliadas.

Também na economia isso acontece muito. A tentativa de se validar ou refutar teorias econômicas com métodos empíricos tem sido fonte de diversos erros.

Joel Pinheiro disse...

Para complementar meu texto, uma explicação mais filósofica, de alguém bem mais qualificado do que eu:

"Outro perigo a ser considerado é o cientificismo. Essa concepção filósofica recusa-se a admitir, como válidas, formas de conhecimento distintas daquelas que são próprias das ciências positivas, relegando para o âmbito da pura imaginação tanto o conhecimento religioso e teológico, quanto o saber ético e estético. (...)

Na sua perspectiva, os valores são reduzidos a simples produtos da emotividade, e a noção de ser é posta de lado para dar lugar ao fato puro e simples. A ciência prepara-se assim para dominar todos os aspectos da existência humana, por meio do progresso tecnológico.
(...)

Infelizmente, deve-se constatar que o cientificismo considera tudo o que se refere à questão do sentido da vida como fazendo parte do domínio do irracional ou da fantasia. Ainda mais decepcionante é a perspectiva por essa corrente de pensamento a respeito dos outros grandes problemas da filosofia que, quando não passam simplesmente ignorados, são analisados com base em analogias superficiais, destituídas de fundamentação racional. Isso leva ao empobrecimento da reflexão humana, subtraindo-lhe aqueles problemas fundamentais que o animal rationale tem se colocado constantemente, desde o início da sua existência sobre a terra. Na mesma linha, ao pôr de lado a crítica que nasce da avaliação ética, a mentalidade cientificista conseguiu fazer com que muitos aceitassem a idéia de que aquilo que se pode realizar tecnicamente torna-se por isso mesmo também moralmente admissível."

-João Paulo II, encíclica "Fides et Ratio"

Tati disse...

Oi Joel, e que tijolo você jogou!
muito obrigada pelas boas vindas!
Já estou sofrendo com a Economia. hehe

Anônimo disse...

Oi, Joel

Em relação ao livro "Deus, um delírio" do cientista Richard Dawkins, concordo plenamente com vc.E acrescento que os métodos científicos são insuficientes para captar toda a realidade. isso porque o conhecimento empírico vem através dos cinco sentidos humanos, que sabe-se serem imperfeitos (alguns animais têm sentidos mais aguçados que os nossos). Como o conhecimento humano só nos chega por eles,esse conhecimento tem lá seus limites. Existe um campo extra-sensorial inatingível,e o conhecimento que está nesse campo é inacessível aos seres humanos. Concluindo, podemos dizer que existe muito conhecimento importante que está além da capacidade humana de descobrir.Nesse campo pode estar o conhecimento de Deus e quem sabe muitos outros que o cientificismo humano desconhece totalmente.Nesse contexto, usar os métodos limitados da ciência humana para julgar outros campos (como faz Dawkins e outros eruditos)é, na verdade, uma grande ignorância e insensatez.

Anônimo disse...

Sobre o livro citado de Dawkins, me parece que teve uma leitura um tanto equivocada. Ele não tenta refutar Deus empiricamente, justamente o contrário: refuta que Deus possa ser "provado" empiricamente (como, por exemplo, Templeton tentou fazer com os estudos sobre oração direcionada).

Concordo que ele é extremo algumas vezes, mas interpreto isso como uma reação proporcional à essa posição religiosa igualmente extrema que vêm se tomando pelo mundo (principalmente nos EUA). É importante contextualizar historicamente essa "cruzada atéia" antes de tecer comentários.