segunda-feira, junho 25, 2007

A Greve Estudantil da Filosofia da USP

Há poucos dias acabou a ocupação da reitoria. A greve dos estudantes, espero, não durará muito mais. Não fui à reitoria ocupada, mas compareci, por acidente, a uma assembléia da Filosofia.

Tinha ido à faculdade ver se haveria aula. O corredor da minha sala estava preenchido, até onde os olhos alcançavam, por uma barricada de cadeiras do chão ao teto. Perambulando pelo prédio, cheguei à reunião do que deveria ser a assembléia dos estudantes; mas, das centenas de alunos da Filosofia, menos de 60 presentes. Ainda assim, o resultado das votações valeria para todos (afinal, era uma reunião à qual todos tinham sido convidados).

O primeiro assunto em pauta: os alunos da Filosofia manteriam ou não sua greve? Como ninguém se manifestava contra a greve, e para impedir que a decisão se desse por consenso, levantei a mão e disse que era contra. “Muito bem, você tem dois minutos para fazer a defesa”. Dei os argumentos já traçados no outro texto. Infelizmente, perdemos; só 4 votaram contra a greve.

Em seguida, decidiríamos se os alunos em greve fariam ou não piquete para impedir as aulas de acontecerem. Como pode alguém ter uma concepção tão distorcida da realidade a ponto de achar justo impedir professores de dar aula a estudantes que queiram assisti-la? Que façam greve! Mas nem todo mundo partilha da causa, e nem todo mundo aderirá. Quem não quer aula, que fique em casa e assuma as conseqüências de seus atos; é muita covardia que, ainda por cima, usem da violência contra quem discorde.

Mas a real violência, responderam-me, é ir à aula enquanto a greve ocorre. É um ato de violência cometido contra a coletividade dos alunos, representada, é claro, pela assembléia ali reunida. Em outra votação, ficou decidido que seria aberto processo administrativo contra um professor que apontou o dedo na cara e xingou de “babaca” a um estudante que invadira sua aula. Afinal, o estudante estava ali enquanto representante da coletividade dos alunos, e invadir qualquer aula para dar informe é um direito estabelecido em estatuto.

Essa é a estratégia maliciosa do movimento estudantil. Se infiltrar no aparato legal da faculdade, de forma a conseguir “direitos” que legitimem suas ações. Assim, passo a passo, qualquer oposição aos métodos e fins do movimento é automaticamente anulada. A própria legislação interna da faculdade está contra os alunos que defendem o funcionamento normal dela.

Esses “direitos” adquiridos são uma farsa; é a vontade descarada e totalmente injustificada de alguns estudantes travestida de moralidade objetiva e formalmente sancionada pela legislação vigente. A letra da lei supostamente define o que é ou não de direito, quando, na realidade, deveria ser o contrário: a lei positiva submetida à justiça, que independe dela.

Os mesmos alunos que se dizem revolucionários e que querem mudar um país tornam-se defensores implacáveis da aplicação rigorosa da letra das leis que representam seus próprios desejos. “É nosso direito! Quem discorda dispõe de meios legais para mudá-los, mas, até lá, que se faça a lei!” E assim um grupo de estudantes organizados consegue transformar sua vontade em lei. Impedir aulas à força pode; enfrentar os grevistas na mesma moeda, não. Qualquer ofensa ou oposição proporcional às suas ações é um ato de violência contra a “coletividade dos alunos”, de quem são a boca, as mãos e a cabeça.

13 comentários:

Sidarta Martins disse...

boa sorte na sua luta. Admiro sua coragem.

Anônimo disse...

É sempre estranho ver quem se submete à heteronomia de bom-grado, ainda mais em um curso de Filosofia. Ora, a liberdade de pensamento vira liberdade somente enquanto expressar a opinião de um "grupo", uma "coletividade", qualquer uma dessas farsas.

A vontade das pessoas passa a ser a vontade daquele que melhor controla o partido. A lei e a moral, igualmente, são justificáveis e até "lógicas" (dado o polilogismo da esquerda) apenas se forem tratadas "coletivamente", sendo tomadas numa assembléia que, por sua vez, está submetida ao poder institucionalizado de uma minoria.

Entre mentiras e dissimulações, o que sobra é a supressão (necessariamente autoritária) da liberdade e da própria racionalidade humanas.

Enfim, é bom saber que não sou o único leitor de Mises na Filosofia USP, nem o único que preza mais a autonomia do indivíduo do que o mito qualquer que venha a ser inventado pelo ME para justificar o autoritarismo (vestido de democracia), a violência fantasiada de pacifismo e a heteronomia tomada como liberdade e "interesse de grupo" - como o dizem: "o interesse coletivo é o seu interesse", portanto, vote a nosso favor; legisle contra si mesmo; coloque, pacificamente, os seus futuros grilhões".

Anônimo disse...

Perfeito, Joel. Acho que a idade agora avançada lhe deu maturidade de compreensão.

Anônimo disse...

Não estou discutindo a legitimidade ou não da greve, mas vou fazer alguns comentários de algumas coisa que vc disse.

"Em seguida, decidiríamos se os alunos em greve fariam ou não piquete para impedir as aulas de acontecerem. Como pode alguém ter uma concepção tão distorcida da realidade a ponto de achar justo impedir professores de dar aula a estudantes que queiram assisti-la?"

A que realidade vc se refere? A sua realidade? Você é por acaso detentor da verdade, ou melhor da realidade?
Você fala com se tivesse acesso privilegiado a realidade, nem vc nem ninguém tem esse acesso a realidade.
Alias, justiça é um conceito moral, se até a objetividade é relativa, imagine um conceito subjetivo.

Você pode não concordar com os valores que eles tem, mas não use como argumento esse suposto acesso a realidade que vc acha que tem.

"Essa é a estratégia maliciosa do movimento estudantil. Se infiltrar no aparato legal da faculdade, de forma a conseguir “direitos” que legitimem suas ações. Assim, passo a passo, qualquer oposição aos métodos e fins do movimento é automaticamente anulada. A própria legislação interna da faculdade está contra os alunos que defendem o funcionamento normal dela."

Sua mentalidade de dono da realidade continua aqui. O seu ideal de universidade é diferente de outras pessoas, pois fala como se fosse consenso essa sua ideia de universidade.
Mas não é, sempre vai ser um processo politico em que cada grupo vai reivindicar suas ideias, e nesse embate que vai se tomando o rumo da universidade.

E esse estado de normalidade que vc se refere, eu acho algo terrível. Ela deve ter um espaço permanente para a própria reflexão e sua inserção na sociedade. O que infelizmente não acontece.

"Esses “direitos” adquiridos são uma farsa; é a vontade descarada e totalmente injustificada de alguns estudantes travestida de moralidade objetiva e formalmente sancionada pela legislação vigente."

O que vc quer dizer com farsa? O que faz alguns direitos serem legítimos e outros uma farsa?
Se a legislação vigente aceita, é óbvio que usarão como poder politico. É ingenuidade sua achar que não.

Joel Pinheiro disse...

Desde quando "até a objetividade é relativa"?E por acaso a verdade não existe mais??

A defesa do relativismo tem apenas um fruto: instaurar a lei do mais forte. Se não há como avaliar, de forma objetiva e imparcial, todas as diferentes posições, então não há como afirmar que uma seja objetivamente melhor ou preferível a outra.
Assim, tanto faz qual ou quais delas tenham dominância do espaço público, ou quem detenha o poder e como use esse poder.
Assim, terá o poder para impor suas idéias aquele mais hábil em manipular e coagir os outros a aceitá-las.

Se você crê que não existe como se debater valores e propostas, então você crê que todo debate público é absolutamente inútil, dado que esse é o objetivo desse mesmo debate. Toda retórica sobre "questionamento" e "inserção social" é mera fantasia para mascarar o que não passa de sanha por poder.

Joel Pinheiro disse...

In other news, a greve dos estudantes finalmente acabou, para nossa felicidade!

Anônimo disse...

Podemos entender a palavra verdade em dois sentidos.
Um seria que a verdade é a realidade, ou seja o universo em si, só que essa realidade não é o entendimento humano do universo, e não podemos entender esse universo em si, pois não é inteligível. Mas podemos fazer de uma outra forma de entendimento de verdade.
E esse outro entendimento que chamamos verdade é uma explicação aceita por alguém, que é uma construção que fazemos a partir de nossos sentidos. Só que os nossos sentidos nos iludem, nunca podemos saber quando se trata de uma ilusão, ou seja, de um engano. Só nos deparamos com que foi uma ilusão no futuro, nunca no presente.

Nesse sentido podemos dizer que a verdade existe, mas é relativa. Ou como diria Huberto Maturana, é a objetividade-entre-parênteses. Pois podem existir várias verdades, mas todas válidas em seu próprio domínio.

Humberto Maturana é um biólogo chileno, pesquisador da percepção.

Anônimo disse...

"A defesa do relativismo tem apenas um fruto: instaurar a lei do mais forte. Se não há como avaliar, de forma objetiva e imparcial, todas as diferentes posições, então não há como afirmar que uma seja objetivamente melhor ou preferível a outra."

Justamente o contrário do que você disse.
Se a verdade é relativa e ninguém tem prioridade sobre ela, temos é que democraticamente discutir para analisar que valores e ideias que vão repercutir em nossa sociedade. É possível avaliar sim, por ser parcial é que devemos avalia-las ainda mais, sobre uma ótica múltipla, pois ninguém será dono da verdade.


"Se você crê que não existe como se debater valores e propostas, então você crê que todo debate público é absolutamente inútil, dado que esse é o objetivo desse mesmo debate. Toda retórica sobre "questionamento" e "inserção social" é mera fantasia para mascarar o que não passa de sanha por poder."

O que eu disse foi o contrário disso, que ao contrário do que vc fez, devemos é mostrar quais valores e desejos estão em jogo, para não cairmos num falso discurso da razão pura e dos privilegiados que tem acesso da verdade.

Djalma Rocha disse...

É aquele velho ditado . Para os meus amigos tudo e para os inimigos o rigor da Lei .

Anônimo disse...

Eu sou totalmente a favor da invasão da reitoria. Meu caro Joel, você não vê que eles estão tentando tirar nossa autonomia e liberdade de expressão. Esses "porcos capitalistas" e liberalistas só buscam a eficiência econômica enquanto a equidade social é deixada de lado. Por isso VAMOS DAR UM GRITO DE LIBERDADE! VAMOS DEFENDER UMA NOVA INVASÃO!

Anônimo disse...

Oi Joel, não lí os demais comentários. Não sei se é possível uma greve de estudantes. E até onde eu saiba a greve da usp foi aprovada por unanimidade do corpo docente.
Mas desta vez vc está de parabéns! Meeeesssssmo!
Não esquecendo, é claro, que as nossas leis tbm são a expressão da vontade de um grupo dominante sobre uma maioria. Não custa nada lembrar...
No mais, eu te dou os parabéns denovo! Não apenas por concordar com o que diz, mas pela coerência.
Bjus

Anônimo disse...

Esqueci de dizer que te dei parabéns apenas pelos 5 primeiros parágrafos. Vc poderia ter parado o texto alí. haha

Anônimo disse...

Olivia disse:
E até onde eu saiba a greve da usp foi aprovada por unanimidade do corpo docente.

A USP tem mais de cinco mil professores. A Adusp (Associação dos Docentes da USP) reuniu em sua assembléia entre 200 e 300 pessoas. Isso dá algo como 5% do total dos professores. Logo, pode ter havido unanimidade entre uma minoria de professores, mas não se pode dizer que houve unanimidade entre os professores da USP, mesmo porque a maioria ignorou a Adusp e continuou dando aula.