Idéias boas podem ser defendidas de forma errada. De premissas falsas pode se chegar a conclusões verdadeiras. Isso ocorre, muitas vezes, com o liberalismo econômico: é defendido por motivos, e com justificativas, ruins.
“Se eu fosse pobre e ficasse doente, teria eu o direito de pegar uma arma e extorquir meu vizinho para comprar remédio? E se quisesse colocar meu filho na escola mas não tivesse dinheiro, seria justo que eu roubasse de outras pessoas? É óbvio que não: seria totalmente injusto. Ora, quando o Estado financia serviços públicos ele não faz nada além disso: extorque o que é de alguns para distribuir a outros; ainda que esses outros sejam pobres, a extorsão continua injusta. E portanto não deve haver qualquer imposto.” Muitas defesas do livre mercado seguem essa linha; eu mesmo já estive persuadido desse argumento. Mas não mais.
O argumento parte da concepção de que o direito de propriedade deva ser inviolável. Assim, mesmo que se mostrasse que a vida em sociedade pudesse ser melhorada em muito com algum tipo de imposto, os defensores dessa posição se recusariam a aceitá-lo, pois isso violaria o direito natural, que deve ser colocado acima de tudo.
É claro que mesmo os mais radicais defensores dessa concepção de direito natural afirmam que a propriedade privada é também a melhor opção para se organizar uma boa sociedade. Mas a ênfase do argumento recai sobre a inviolabilidade absoluta do direito natural, não importando as conseqüências.
Não nego de forma alguma a existência de direitos naturais do homem. Sem propriedade privada é impossível organizar-se em sociedade; mas disso não se segue que a propriedade privada deva ser mantida inviolável mesmo que isso custe um grande benefício social. Os direitos naturais não devem ser definidos a priori, mas sim tendo em vista o bem do homem: é de direito natural aquilo que permita ao homem viver bem, e que portanto leve a uma boa sociedade. Assim, deve-se avaliar as conseqüências de qualquer medida para se decidir se ela deve ou não ser posta em prática.
Pode parecer que isso impossibilita a defesa de todo e qualquer tipo de proposta social universal. Afinal, se em todo caso tivermos que analisar as conseqüências do que é proposto, então nunca poderemos chegar a nenhum princípio universal, pois a mesma medida que teve resultados bons em um lugar pode ser ruim em outro.
O que nos permite sair desse impasse é a ciência econômica. A economia estuda, de um modo particular, a ação humana. Ela estuda o que é necessário e universal na ação humana, e não o que é particular e contingente, que varia de ação para ação. Com base apenas no que é universal na ação humana, ela chega ao entendimento de como funciona o seu objeto de estudo: o mercado. E entendendo seu funcionamento, é possível saber que efeitos terão as diversas propostas de intervenção no mercado. Como aquilo no qual a economia se baseia é comum a toda e qualquer ação humana concebível, suas conclusões valem para todos os casos. O que a economia prova vale tanto para o Brasil atual quanto para o império Maia. E o que ela acaba por mostrar é que as propostas intervencionistas não têm os efeitos desejados por seus defensores.
Com o estudo da economia, é possível erguer uma defesa do liberalismo econômico sem ter que apelar para um suposto direito natural de propriedade absolutamente inviolável. Não se defende o liberalismo para proteger a propriedade dos ricos contra os pobres, ou por se valorizar o indivíduo em oposição à sociedade, mas sim porque ele permite uma vida melhor à sociedade como um todo, ou seja, a todos os membros.
“Se eu fosse pobre e ficasse doente, teria eu o direito de pegar uma arma e extorquir meu vizinho para comprar remédio? E se quisesse colocar meu filho na escola mas não tivesse dinheiro, seria justo que eu roubasse de outras pessoas? É óbvio que não: seria totalmente injusto. Ora, quando o Estado financia serviços públicos ele não faz nada além disso: extorque o que é de alguns para distribuir a outros; ainda que esses outros sejam pobres, a extorsão continua injusta. E portanto não deve haver qualquer imposto.” Muitas defesas do livre mercado seguem essa linha; eu mesmo já estive persuadido desse argumento. Mas não mais.
O argumento parte da concepção de que o direito de propriedade deva ser inviolável. Assim, mesmo que se mostrasse que a vida em sociedade pudesse ser melhorada em muito com algum tipo de imposto, os defensores dessa posição se recusariam a aceitá-lo, pois isso violaria o direito natural, que deve ser colocado acima de tudo.
É claro que mesmo os mais radicais defensores dessa concepção de direito natural afirmam que a propriedade privada é também a melhor opção para se organizar uma boa sociedade. Mas a ênfase do argumento recai sobre a inviolabilidade absoluta do direito natural, não importando as conseqüências.
Não nego de forma alguma a existência de direitos naturais do homem. Sem propriedade privada é impossível organizar-se em sociedade; mas disso não se segue que a propriedade privada deva ser mantida inviolável mesmo que isso custe um grande benefício social. Os direitos naturais não devem ser definidos a priori, mas sim tendo em vista o bem do homem: é de direito natural aquilo que permita ao homem viver bem, e que portanto leve a uma boa sociedade. Assim, deve-se avaliar as conseqüências de qualquer medida para se decidir se ela deve ou não ser posta em prática.
Pode parecer que isso impossibilita a defesa de todo e qualquer tipo de proposta social universal. Afinal, se em todo caso tivermos que analisar as conseqüências do que é proposto, então nunca poderemos chegar a nenhum princípio universal, pois a mesma medida que teve resultados bons em um lugar pode ser ruim em outro.
O que nos permite sair desse impasse é a ciência econômica. A economia estuda, de um modo particular, a ação humana. Ela estuda o que é necessário e universal na ação humana, e não o que é particular e contingente, que varia de ação para ação. Com base apenas no que é universal na ação humana, ela chega ao entendimento de como funciona o seu objeto de estudo: o mercado. E entendendo seu funcionamento, é possível saber que efeitos terão as diversas propostas de intervenção no mercado. Como aquilo no qual a economia se baseia é comum a toda e qualquer ação humana concebível, suas conclusões valem para todos os casos. O que a economia prova vale tanto para o Brasil atual quanto para o império Maia. E o que ela acaba por mostrar é que as propostas intervencionistas não têm os efeitos desejados por seus defensores.
Com o estudo da economia, é possível erguer uma defesa do liberalismo econômico sem ter que apelar para um suposto direito natural de propriedade absolutamente inviolável. Não se defende o liberalismo para proteger a propriedade dos ricos contra os pobres, ou por se valorizar o indivíduo em oposição à sociedade, mas sim porque ele permite uma vida melhor à sociedade como um todo, ou seja, a todos os membros.
6 comentários:
Oi, Joel
Gostei muito de seu escrito, mas gostaria mais se você dissesse porque o liberalismo é tão importante assim (seria interessante num outro artigo, que tal?). Há uma outra questão: em que o Estado seria útil para que a sociedade como um todo prosperasse de fato? Acredito ser o Estado em alguns aspectos(Justiça, por exemplo)muito importante. Que você pensa sobre isso?
Um abração de bom final de semana
Carla Cristina T. Santos
De fato, esse texto é direcionado mais àqueles que já concordam com o liberalismo econômico.
Ao longo da trajetória de nosso blog tentamos defender o livre mercado e criticar a intervenção estatal em diversos pontos particulares.
Mas acho que seria uma boa idéia escrever um texto com uma defesa mais abrangente do liberalismo econômico contra a intervenção estatal como um todo, esboçando as principais linhas argumentativas usadas nos casos particulares.
Espero que ele fique bom!
Ei, Joel
Ficarei muito feliz em ler seu texto. Estou já a ler os antigos e tenho aprendido muito com eles.
Uma vez você se referiu àquele "que não teve a mente formatada e reprogramada pela ideologia socialista que domina nosso sistema de ensino (fundamental, médio e superior)", pois é, infelizmente, eu não era uma dessas pessoas, por buscar sê-lo, estou aqui. Aprendi a ver a vida com novos olhos e tenho me surpreendido com a lucidez deste olhar.
Bom, continuarei navegando, e a terra está cada vez mais à vista..:-)
Um abração!
Carla C. Teixeira Santos
Bom o texto, Joel. Só cuidado que inviolabilidade do direito de propriedade nem sempre é usada nesse sentido que você cita.
Vou dar um exemplo, toda nação no mundo, democrática ou não, provavelmente contempla em seu ordenamento juridíco a reclusão como forma de punição para determinados tipos de crime.
Porém é consenso que o direito à liberdade é um direito natural do ser humano, estando, provavelmente, abaixo em importância apenas d direito à vida. E mais, esse é um direito considerado inviolável em todas as democracias existentes. Seria isso uma enorme contradição? Não.
O direito é natural ao ser humano e inviolável, porém, em determinadas situações, o Estado pode optar por ferir esse direito em prol de um bem maior. Ou seja, o direito é inviolável no sentido de que uma pessoa não pode ser privada dele por outras pessoas "comuns", mas após passar pelo devido processo legal, e em determinadas circunstâncias específicas, o Estado, e só ele, pode cercear esse direito.
O mesmo acontece com a propriedade. Ela deve ser inviolável. Se você possui algo de valor, o Estado tem que garantir que ninguem a tire de você. O Estado tem de proteger sua propriedade contra terceiros, e essa é a base de nossa sociedade. Sem isso, toda estrutura de incentivos à produção estará acabada, e o colapso será inevitável.
Isso não quer dizer que a propriedade não possa ser tocada por ninguem. Sendo benéfico para a sociedade como um todo que um determinado bem passe do indivíduo x para o y, o Estado, e mais ninguem, por meio de instrumentos legais pode fazer com que isso ocorra. Porém, nem ele pode fazer isso de maneira autoritária. Tendo que provar que essa mudança realmente será benéfica, e deverá de alguma forma ressarcir aqueles que terão seu direito atingido.
Acho que temos concepções diferentes do que seja direito de propriedade inviolável. Por inviolável quero dizer inviolável por qualquer um, e não, como no direito atualmente, inviolável pela maioria das pessoas mas absolutamente violável (e violada) pelos oficiais do Estado.
Se há algo que a propriedade não é hoje em dia é inviolável; está sujeita a todo tipo de extorsão e regulamentação por parte do Estado. O Estado, por mais que os juristas de hoje em dia redefinam e empreguem qualificações, viola sistematicamente a propriedade de todo mundo. Na verdade, é impossível ter Estado sem que a propriedade privada seja violada até certo ponto.
Pode ter certeza que minha visão, se posta em prática, teria MUITO menos intervenções desse tipo.
A questão é que a justificativa para diminuir esse número de intervenções não se baseia na inviolabilidade do direito, mas sim no fato de que tais intervenções são nocivas para a sociedade.
Não estou, neste texto enfrentando aqueles que defendem o direito de propriedade.
Estou enfrentando aqueles que defendem a inexistência do Estado, e todo o liberalismo econômico, baseados na inviolabilidade do direito de propriedade.
Tal defesa, argumento eu, é falha, pois tem uma concepção errada do que é um direito e de como ele é fundamentado.
É uma questão filósofica, e não jurídica.
E as falhas de mercado, e as armadilhas, e a míopia do mercado? Quanto tempo irá demorar para o mercado normalizar a questão ambiental? Será que o governo deve intervir em certos direitos de propriedade com obejtivo de corrigir as falhas de mercado ou tirar a economia de armadilhas?
Postar um comentário