Qualquer pessoa razoável concordaria comigo: você vê um assassino a ponto de trucidar uma vítima indefesa, e sabe que conseguiria imobilizá-lo. Mas para chegar até eles terá que pisar no gramado de seu vizinho, que proibiu expressamente qualquer um, por qualquer motivo, de pisar em sua grama. O que é o certo a se fazer? Obviamente, correr até lá e salvar a vítima; depois, quem sabe, conversa-se com o dono do gramado.
Os anarco-capitalistas têm respondido diferentemente. “A propriedade é um direito natural que não pode ser violado. Portanto, não se deve invadi-la sob hipótese alguma”. Essa posição altamente contra-intuitiva, que contraria todo o senso comum, é o resultado de um pensamento pobre e restrito, que é incapaz de lidar com matizes e ponderações, aceitando apenas direitos claros e distintos, definidos a priori. Aceitar que alguém entre na casa do vizinho para impedir que ele afogue o filho na piscina é visto como equivalente a defender a tortura, a invasão do Iraque e a mutilação feminina. É a eles que respondo agora.
Qual a finalidade das leis e dos direitos? O bem dos homens: uma sociedade em que todos possam viver felizes e bem. Portanto, devem se estender enquanto, e na medida em que, contribuam para esse fim. As leis devem servir aos homens, e não os homens às leis.
O direito de propriedade é essencial à vida humana. Um grande mérito do célebre anarco-capitalista Murray Rothbard é ter provado que, mesmo para se discutir se existe ou não o direito à propriedade privada, é preciso aceitar, em alguma medida, a propriedade privada. Assim, o direito de propriedade é natural e necessário.
Mas até que ponto? Se for absolutizado, leva a injustiças e a situações que realmente não são boas. Todo anarco-capitalista concorda que permitir um homicídio facilmente evitável não seja algo bom. Mas como permitir essa pequena violação que impede um homicídio e não permitir invasões e desapropriações sistemáticas sempre que alguém o considerar benéfico? Onde desenhar a linha?
Esse tipo de pergunta só surge porque os anarco-capitalistas em geral são partidários de direitos definidos a priori e sem margem a qualquer consideração de suas conseqüências para a sociedade (embora o estabelecimento inicial que eles dão ao direito de propriedade tenha bases conseqüencialistas: “se não fosse assim, os homens não poderiam viver”).
Não há como um código legal prever todos os casos da realidade. A legislação tem que abrir espaço para que se aprenda com a prática e o costume dos povos (o que não significa que o costume legitime tudo; ele também é bom enquanto contribui para o bem dos homens). A diferença entre alguém que, no momento de emergência, usa a propriedade do outro sem pedir permissão, e alguém que rouba um carro para impressionar a namorada, é óbvia na prática, embora não seja possível expressá-la em termos puramente abstratos. A lei, que está preocupada com a vida concreta dos homens, deve levar em conta essas diferenças práticas. Permitir o primeiro caso impede muitas injustiças e evita muitos sofrimentos; permitir o segundo leva ao caos e à barbárie.
Por isso que o estudo da ciência econômica é tão importante para a organização da sociedade. É por meio da economia que sabemos o efeito de diversas possíveis leis, medidas e impostos. Para um anarco-capitalista rothbardiano a economia é irrelevante: não importam as conseqüências; o princípio da não-iniciação de agressão fornece todas as respostas a todas as possíveis questões da organização social.
Sempre repito a mesma pergunta aos anarquistas: se fosse provado que um imposto de 1 centavo sobre cada pessoa pudesse gerar uma grande melhora no padrão de vida de todos, que caso contrário viveriam em condições precárias, esse imposto deveria ser aceito? Se sim, então concordam comigo e são, na verdade, conseqüencialistas. Se não, por que sacrificar a vida e o bem da humanidade para salvaguardar um direito abstrato?