quinta-feira, março 26, 2009

Operação Valquíria

Sobram nos cinemas belos exemplos de anti-heróis; mas e o herói, onde foi parar? Não falo de pessoas comuns fazendo o bem por acaso e nem de facínoras num ato de redenção, mas de um homem corajoso e determinado lutando com bravura e inteligência em defesa de uma causa nobre. Operação Valquíria oferece-nos isso: verdadeiro heroísmo.

A Alemanha sofria os altos custos (materiais e humanos) da guerra sob a megalomania totalitária de Hitler. Apesar da imensa adesão popular, nem todos apoiavam seus delírios. Um grupo de oposicionistas, formado por aristocratas, militares e políticos, conservadores e liberais, que viam na vulgaridade e barbárie do nazismo um mal intolerável, planejava um atentado contra o fuhrer. O coronel Claus Philipp Maria Schenk Graf von Stauffenberg, que sempre fora contrário ao nazismo, é introduzido a esse grupo em 1943, e logo toma as rédeas da operação clandestina.

Um grande mérito do filme é instanciar concretamente o princípio ético da revolta legítima contra a autoridade. O regime de terror nazista violava os direitos humanos mais básicos, além de condenar a Alemanha à pobreza e, previa-se, à humilhação; era justo revoltar-se. Contudo, a revolta não pode ser um ato isolado e sem propósito, um mero arroubo de violência findo em si mesmo. Os conspiradores queriam matar Hitler e ponto final. Stauffenberg aponta que só isso não bastaria: Himmler, o sucessor, tomaria o poder e tudo continuaria como antes. O atentado precisa integrar um plano completo de tomada do poder com boas chances de sucesso. Sem essa prudência, as boas intenções seriam vãs. O coronel não se faz de mártir romântico (o que, não nego, pode ser uma atitude cabível em circunstâncias desesperadoras). Pelo contrário: usa sua inteligência para trazer à realidade a justiça sonhada.

É difícil para nós imaginar a vida sob o totalitarismo. Falamos da tirania do PT e de como o Estado viola nossos direitos naturais, mas é óbvio que ainda temos uma boa liberdade. O filme mostra a vida sem ela. A suspeita paira sobre cada conversa. Um olhar mais demorado já causa insegurança. Um oficial descontente (potencial aliado) pode, ao invés de aderir aos conspiradores, delatá-los para subir na hierarquia oficial. Mesmo sem grandes explosões e tiroteios, cria-se uma atmosfera de tensão muito aguda, que culmina no momento do atentado.

Nesse ambiente de insegurança, intriga e suspeita, abundam os oportunistas e os covardes. Uma série de pequenos revezes e omissões (a mais fatal delas fruto da falta de coragem de um oficial chave da conspiração) faz com que tanto o atentado quanto a operação militar de tomada do poder falhem. Os membros são presos e executados, mas o destino de seus inimigos não é muito diferente. Um cúmplice oportunista, que virara a casaca na hora H para não cair em desfavor com Hitler, é executado pouco tempo depois, e o próprio fuhrer teria seu fim em breve, num suicídio secreto e humilhante. A morte igualou a todos; mas o que cada alma levava consigo era desigual.

Só ficou faltando retratar o lado espiritual do coronel. Profundamente católico, sua recusa do nazismo fundava-se nos valores do Cristianismo. Isso é mostrado de passagem, mas sem a devida importância. Quanto às faltas do próprio Stauffenberg, há um ponto a se levantar: por que demorou tanto? Desde sempre rejeitara o nazismo, mas a decisão de se insurgir veio apenas com a guerra praticamente perdida. A profunda reverência pelos valores militares e dedicação à glória da Alemanha (para a qual aspirava grandeza imperial) explicam, mas não justificam, a demora. Mesmo assim, à longa indecisão seguiu-se uma conduta irrepreensível.

Saí do cinema com o espírito elevado pela nobreza de caráter do coronel Von Stauffenberg. O atentado falhou, mas legou-nos um exemplo duradouro de virtude, tão necessário hoje em dia, quando até os super-heróis são “demasiado humanos” (demasiado pouco humanos, eu diria, mas isso é outra discussão). A morte heróica de Stauffenberg apenas reforçou a nobreza de seus ideais. O bem, mesmo quando fracassa, triunfa.

terça-feira, março 17, 2009

O Sacrifício da Quaresma

Estamos na Quaresma, que é tempo de jejum, esmola e oração. É um tempo de fazer sacrifícios, isto é, se abster de algum prazer lícito, de alguma coisa boa, por amor a Deus. Acho que esse é um dos pontos mais difíceis de se aceitar da doutrina católica. Sacrifício?? Qual é a finalidade disso?

Fazemos sacrifícios em outras áreas da vida. Valores importantes são difíceis de se alcançar, e requerem que deixemos de lado (sacrifiquemos) valores menores. Uma mulher enfrenta, para emagrecer, jejuns muito piores do que os da quarta-feira de cinzas e da sexta-feira santa. Contudo, há uma diferença importante aí: o sacrifício da mulher que quer emagrecer é conseqüência de como a realidade se estrutura. Deixar de comer um doce gostoso é, pela própria natureza do funcionamento do metabolismo humano, o meio pelo qual ela deixará de acumular gordura. Há uma relação causal objetiva em jogo. Já um sacrifício para Deus visa atingir que fim? Parece ser algo arbitrário, e por isso diferente dos sacrifícios da vida comum, que são o meio necessário para o fim desejado. Por que Deus pede sacrifícios e não prazeres?

Há boas razões para que seja assim. A primeira delas é totalmente humana. Um soldado, por exemplo, toma banho frio e dorme em cama dura. Em si mesmo, isso em nada contribui para a força ou habilidade do soldado. Seu objetivo é a disciplina do caráter. O soldado abre mão, agora, de pequenas coisas das quais poderia usufruir, para fortalecer o controle sobre suas próprias ações de modo que, na hora em que surgir uma tentação à qual ele não possa ceder (fugir da batalha, por exemplo), ele siga firme em seu dever. O mesmo vale para os pequenos sacrifícios da Quaresma: abstendo-se do lícito, fortalece-se a vontade para se abster do ilícito.

Já outro motivo é mais diretamente ligado a Deus. Todas as coisas criadas são boas; refletem, em alguma medida e cada uma de um jeito, a bondade infinita de Deus. É bom, portanto, que o homem goste delas. Contudo, o amor por uma coisa criada nunca deve superar o amor pelo Criador, que é a fonte de todo o bem. Esse é o risco que o homem sempre corre: amar mais o bem menor do que o bem maior; pecado é isso, e nossa natureza tem uma certa tendência a pecar. Conforme vivemos a vida, aproveitando os diversos bens do universo, invariavelmente supervalorizamos alguns deles e tiramos o valor de outros. Em especial, nos prendemos demais às criaturas e esquecemos do Criador. O sacrifício de alguns bens e prazeres nos faz lembrar que, por melhores que sejam os bens criados, são todos relativos e incompletos, se comparados ao Bem Incriado.

Por fim, o sacrifício da Quaresma nos lembra e nos leva a imitar a vida e a paixão de Cristo, que esteve disposto a passar por todo o tipo de privação por amor aos homens. Dada nossa condição caída, com tendência ao pecado, viver bem implica passar por sofrimentos, “carregar nossa cruz”. Ao fazer isso, participamos da obra redentora de Cristo. Ao mesmo tempo, o exemplo de sua ressurreição nos dá a garantia de que esse sofrimento é compensado, com uma vida mais verdadeiramente feliz agora e uma eternidade junto de Deus, que aprendemos a amar cada vez melhor.