quarta-feira, abril 30, 2008

Medos Malthusianos

O crescimento da China e da Índia, inserindo muitos de seus habitantes no mercado global, traz à tona velhos medos malthusianos. “Se continuar desse jeito, não terá para todo mundo! A população da Terra setuplicou em 200 anos; já não está bom??” Críticas ideológicas (tanto à esquerda quanto à direita) à parte, acho que vale a pena pensar mais a fundo sobre essa idéia de Malthus, que sem dúvida é importantíssima na história da ciência (não só da economia como da biologia; foram as idéias de Malthus que inspiraram Darwin).

Uma parte do pensamento malthusiano me parece absolutamente inegável, e podemos expô-la da seguinte maneira: os recursos do planeta são finitos. Portanto, o planeta não comporta uma população infinita. Ou seja, há algum limite para o número de seres humanos que a Terra comporta. Isso é ponto passivo.

O furo dos medos malthusianos atuais está no fato de não se levar em conta os ganhos produtivos do aumento de população. Admito desde já: quanto mais gente, maior é a demanda por alimentos (e por todas as outras necessidades da vida: água, roupas, etc) - é bem verdade que o crescimento da produção de alimentos e da população não seguem exatamente o padrão previsto por Malthus; mas, ainda assim, não é verdade que, no mínimo, a demanda cresce proporcionalmente à população (todo ser humano tem as mesmas necessidades básicas), enquanto a oferta cresce com rendimentos decrescentes? Um novo trabalhador na fazenda consome tanto quanto seus colegas, mas os frutos adicionados por seu trabalho no mesmo campo são inferiores aos frutos adicionados pelo camponês anterior. Mas há também algo que é ganho com um novo trabalhador!

Os rendimentos decrescentes são uma realidade. Mas a análise acima se esquece de dois outros fatores, que atuam em sentido contrário: em primeiro lugar, um número maior de pessoas significa uma maior probabilidade de inovações e descobertas; cada novo ser humano é mais uma mente criativa tentando descobrir soluções para satisfazer os desejos do homem em um mundo de escassez. É verdade que a maioria das pessoas não fará quaisquer contribuições para o conhecimento que temos de técnicas e estratégias de produção; mas um número maior delas aumenta o número que podemos esperar de novas idéias e novos negócios.

Em segundo lugar, e na minha opinião mais importante, estão os ganhos com a divisão de tarefas. Mais gente significa que podemos dividir melhor as diversas funções produtivas; e dessa especialização do trabalho segue-se, como se sabe, uma quantidade maior de bens para todos os envolvidos no processo produtivo.

Um homem sozinho na floresta nunca poderia ter uma casa e um carro; isso só é possível num mercado altamente especializado. Muitas vezes temos a idéia errada de que a riqueza, os bens de consumo, são uma realidade independente dos seres humanos, que apenas os consomem; e quanto mais gente, maior o consumo. Mas essa visão está errada: os bens de consumo só existem na medida em que forem produzidos, e, no que diz respeito à produção, muitas pessoas podem produzir mais, per capita, do que poucas.

Portanto, quanto mais gente, mais ricos estaremos? Não necessariamente. Os próprios ganhos da divisão do trabalho são decrescentes. Até certo ponto, esses ganhos (e os ganhos da inovação) mais do que compensam os rendimentos decrescentes do trabalho nas mesmas atividades; depois desse ponto, o efeito contrário tem primazia, e a partir daí, de fato, mais pessoas significará mais pobreza.

É impossível conhecer esse ponto “ótimo” de população. Mesmo porque muitos dos ganhos aí não são sequer calculáveis. Uma família pode estar melhor, apesar de mais pobre materialmente, pelo afeto extra que um filho a mais traz ao lar, que não é um bem transacionável no mercado, e que portanto não pode ser precificado. Mas ao que tudo indica, estamos muito longe desse ponto – não vivemos pior, mas melhor, do que viviam nossos antepassados; a perspectiva da China e da Índia produzindo ainda mais para o resto do mundo deveria nos encher de otimismo.

sexta-feira, abril 18, 2008

A Polêmica Lula x FMI sobre os biocombustíveis

“O verdadeiro crime contra a humanidade é relegar os países pobres à miséria” – é esse o último desdobramento da improvável polêmica que tem se desenrolado entre o presidente Lula e o Fundo Monetário. Ironicamente, é o Fundo que defende a comida, enquanto Lula defende a produção de biocombustível. E então, quem está certo nesta polêmica?

O FMI afirma que, ao se produzir combustível, a produção de alimentos sofre. Isso é verdade. A questão é: é ruim que se deixe de produzir um pouco de comida para que se produza um pouco mais de combustível? Demagogias à parte, ambos são muito importantes para a vida de muita gente. Assim como todos morreríamos se deixássemos de produzir comida para produzir apenas combustível, a vida humana também pioraria muito (e a maior parte da humanidade morreria também) se parássemos de produzir combustível para produzir apenas comida. Os recursos disponíveis (no caso, principalmente o solo) são escassos; não dá para satisfazer a todos os desejos. Há um trade-off real em jogo.

O mundo é muito complexo. Certamente ninguém conhece a fórmula que nos permita determinar a quantidade “ótima” de combustíveis e alimentos a ser produzida. Com base no quê podemos afirmar que usar um solo para a produção de combustíveis não é algo bom para a sociedade? A não ser que tenhamos acesso à equação universal e total da produção humana (que, entre outras coisas, leva em conta as preferências individuais de cada indivíduo humano vivo e ainda por nascer), um bom jeito de se averiguar isso é saber se o produtor tem lucro ou prejuízo. Nos EUA, por exemplo, só se produz etanol de milho porque o governo subsidia quem o faz; ou seja, não fosse por isso, não valeria a pena usar milho para fazer etanol.

O que isso significa? Significa que a sociedade demanda com mais urgência outros bens feitos de milho (farinha, por exemplo) do que o etanol. O preço que os consumidores estão dispostos a pagar pelo etanol de milho não cobre os preços dos bens de capital utilizados em sua produção (milho, máquinas, terra, etc). De fato, o subsídio ao biocombustível distorce a produção, e portanto o mundo inteiro (pois falamos de um mercado global) sai prejudicado dessa troca. O mesmo ocorreria se a comida fosse subsidiada.

No caso do Brasil, parece que não é preciso subsidiar o produtor de cana para que seu negócio seja lucrativo. Ele está, portanto, satisfazendo as necessidades dos consumidores por combustível, e ajudando-os, assim, a viver melhor. Se produzisse alimentos, os preços que eles atingiriam no mercado seriam inferiores; em outras palavras, a demanda por eles não é tão intensa. O solo brasileiro ajuda mais a vida dos consumidores sendo usado para cana do que para comida (enquanto, e apenas na medida em que, for mais lucrativo usá-lo para cana do que para outros fins).

Assim, tanto Lula quanto o FMI têm algo de razão e algo de erro. Sim, o aumento no preço dos alimentos se deve, em parte, ao uso indevido do solo para produção de combustíveis, como acontece nos EUA. Mas isso não quer dizer que todo uso de solo para se produzir combustível seja ruim; se isso for lucrativo no mercado competitivo, então, é de fato, como diz nosso presidente, o caminho para o desenvolvimento e, entre outras coisas, para o fim da fome.

quarta-feira, abril 16, 2008

Conhecendo o Sentido da Vida

“Você sabe qual é o sentido da vida?” – “Sim.” Parece arrogante, não é mesmo? “Qual é o sentido da vida?” é o exemplo máximo de pergunta irrespondível por excelência. O sentido da vida é aquilo que todo ser humano anseia saber, mas que nunca alcançará plenamente; e sentimos que, se fosse porventura alcançado, a própria vida perderia um pouco da graça. Se eu já possuo o sentido da vida, o jogo acabou; já posso sentar e esperar.

E, no entanto, todo mundo que tem uma religião, no fundo, julga que conhece a resposta. Eu tenho religião: sou católico. Portanto, sou um daqueles que julga conhecer a resposta. Arrogante, não?

Não necessariamente! E aqui faço uma distinção: uma coisa é conhecer exteriormente, ou em linhas gerais, o sentido da vida; e isso eu conheço: fazer o bem; a santidade; amar a Deus; Jesus Cristo (apesar da diferença de grafia, os quatro dizem a mesma coisa). Isso eu sei, e posso dizer que já dá uma bela luz à questão “qual o sentido da vida?”; dá uma finalidade, uma direção e um sentido. Mas não dá a rota individual que cada um terá que traçar!

Como eu disse, esse conhecimento pode ser chamado de “exterior”. Ele é universal e válido a todos os homens; dá-nos as coordenadas principais sobre como viver. Mas não diz, para cada um de nós, o que fazer em cada situação, e como coordenar esses fins com nossa situação individual, concreta e única. Uma coisa é saber que temos que ser bons; outra é descobrir no que, para cada um de nós, consistirá esse bem a ser vivido; e é esse o conhecimento “interior”.

Deus é o sentido da vida? Sim! Mas o que é Deus? Como o conheço? A princípio, podemos apenas enumerar aquilo que Deus não é: Ele não é corpóreo; não é finito; não tem qualquer limitação. Em suma, é totalmente diferente de tudo o que conhecemos. Mas, se consideramos que as coisas criadas, de forma finita e parcial, refletem algo do Criador, e, ainda mais, se aceitamos que cada ser humano é uma imagem de Deus, e ainda que Cristo é Deus feito homem, então podemos começar a conhecê-lo diretamente. Mas esse conhecimento, que de fato preenche aquela noção, inicialmente negativa, que temos de Deus, depende da experiência; ou seja, depende da vida de cada um. E como o ser de Deus é infinito, infinitas vidas diferentes podem levar a infinitos conhecimentos diferentes. Claro, isso não nega a realidade objetiva; há coisas (e, principalmente, privações de coisas) que simplesmente não refletem Deus; e sempre que houver contradição entre duas afirmações, é óbvio que uma delas está errada. Não se nega a realidade objetiva, e nem a unidade da verdade, ao se aceitar que diferentes perspectivas levem a diferentes visões do mesmo objeto.

É importante frizar que não falo da distinção entre meta e caminho. Tanto a meta quanto o caminho podem ser conhecidos de ambas as formas. Cristo, Deus, Igreja, sacramentos, graça. Sei o que é a Igreja, sei porque ela foi estabelecida; qualquer um pode saber isso. Mas que papel específico eu terei nela e como os canais da graça divina que ela nos disponibiliza afetarão a minha vida, isso é algo que apenas eu posso saber, e que estou em constante processo de descoberta.

Assim, conhecer perfeitamente o sentido da vida e, ainda assim, buscá-lo com todas as energias, não são contraditórios. O que muda é a forma na qual o conhecemos. Exteriormente, e esse conhecimento, de fácil comunicação, é o mesmo e invariável para todos; ou interiormente, e esse conhecimento, que relaciona o indivíduo com o absoluto, é particular a cada um, e só o descobrimos conforme vivemos – e apenas se nos mantemos firmes nos conhecimentos da primeira forma, que são absolutamente verdadeiros e confiáveis, embora não esgotem o que é a vida espiritual para cada um. O mapa nos dá conhecimento verdadeiro sobre a ilha; mas só podemos dizer que a conhecemos se já pisamos em seu solo – contudo, se quisermos desbravá-la sem o mapa, vamos simplesmente nos perder.

É arrogante dizer que se conhece o sentido da vida? Se isso significa que supomos ter desvendado os mistérios de Deus e do homem, e que sabemos o que é melhor para cada pessoa em cada situação, então certamente é. Mas se apenas aceitamos que, por nenhum mérito nosso, conhecemos aquilo que devemos mirar e pelo qual devemos viver, então não; pelo contrário, é o primeiro passo da humildade que reconhece a insuficiência do homem e permite que ele dê passos concretos em direção a algo que não o seu próprio capricho.

segunda-feira, abril 07, 2008

Cientistas anti-científicos

Os genes estão na moda. Agora todo comportamento humano é explicado biologicamente: primeiro, procura-se uma área do cérebro ao qual ele está ligado; em seguida, elabora-se um argumento ou modelo para mostrar como ele garante vantagens reprodutivas. Pronto! Já se pode atribuir, como causa do comportamento, um punhado de genes. É o que tem sido feito com a religião e com a moral, numa empreitada particularmente desastrada de alguns biólogos contemporâneos.

“Os homens têm preocupações morais. Certas áreas do cérebro se ativam quando eles pensam em termos morais. Com efeito, um homem que agisse moralmente teria mais chances reprodutivas do que um que não agisse. Portanto, a moralidade nada mais é do que um instinto favorável à reprodução humana e que foi, por isso mesmo, selecionado.” Esse é o tipo de argumento. Qualquer comportamento poderia ser explicado assim. Homens ao redor do mundo constroem casas. Certamente, há áreas do cérebro ativadas para se desenhar e construir uma casa, e elas estão ligadas a genes. Não há a menor dúvida de que quem constrói casas tem mais chances de sobreviver e se reproduzir do que quem dorme ao léu. Portanto, podemos postular um “instinto de construir casas”.

É claro que não construímos casas por “instinto”, por algum impulso pré-racional determinado pelos genes. Essa explicação é irrisória, pois ignora aquilo que verdadeiramente explica esse comportamento: a razão. Observamos que certas coisas nos são más e agimos de forma a preveni-las. Dormir ao relento traz sérios riscos; percebemos que, com algumas pedras e um pouco de trabalho, podemos nos proteger; assim, resolvemos o problema. Com a moralidade e a religião é a mesma coisa: são resultados de processos mentais humanos visando entender o mundo, agir de forma a viver melhor, etc. Toda explicação evolucionária torna-se, na melhor das hipóteses, supérflua, quando nos lembramos que o homem é um animal racional que procura conhecer e agir com propósitos. Não é preciso recorrer a nossos avós para explicar algo que, conosco, já faz sentido.

A segunda deficiência das explicações evolucionárias para os comportamentos humanos é sua total falta de evidência. Um cientista faz um modelo no qual ele mostra que os efeitos de, digamos, ter uma religião, são positivos para a propagação de um gene. Em primeiro lugar, é claro que nenhum modelo de computador leva em conta os incontáveis fatores que afetam nossa reprodução; todo modelo que tente representar a vida humana contém, em alguma medida, a arbitrariedade do programador. Mas, mesmo assim, podem dar explicações plausíveis. Contudo, o meramente plausível não é necessariamente verdadeiro. Onde está a evidência empírica de que, em algum momento da história, houve populações humanas sem “instinto moral”? Não existe.

Assim, as explicações evolucionistas para o comportamento humano não têm evidência empírica e são supérfluas. Por que, então, têm feito tanto sucesso? Note-se que nenhum cientista jamais falará em “instinto de construir casas”, mas “instinto moral” tem sido amplamente divulgado. A razão é muito simples, e muito pouco científica: o desejo de desqualificar a moralidade objetiva e a religião.

Se se aceitar que, por exemplo, a religião nada mais é do que um instinto advindo de genes que ajudavam a sobrevivência humana no ambiente ancestral, não é preciso nem discutir seus méritos enquanto crença; ela está desqualificada a priori. A questão acerca da verdade de uma dada religião nem sequer emerge, pois mostrou-se que a origem da religião está nos genes, nos instintos, e não na tentativa de se conhecer a realidade. Todo homem racional, portanto, não se deixará levar por esses impulsos animais.

Ótimos cientistas naturais podem ser péssimos filósofos. Assim, todo cuidado é pouco quando nos deparamos com respeitadas autoridades científicas que insistem em misturar, aos seus trabalhos de pesquisa e divulgação, conclusões interpretativas sobre o fundamento das crenças e ações humanas.